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quinta-feira, 20 de julho de 2017

A Escolha do Jorge: "O Leviatã"


Escrito no exílio francês, “O Leviatã” é uma das novelas mais significativas de Joseph Roth (1894-1939) que reflecte o espírito da cultura judaica enraizado naquele que foi o Império Austro-Húngaro. Herdeiro dessa mesma cultura e natural da Galícia Oriental, o próprio Joseph Roth é um dos autores que mais contribuiu para a transmissão de todo um universo cultural de referência da Europa Central e de Leste e que foi aniquilado com a ascensão do nazismo e consequente 2ª Guerra Mundial que vitimou mais de seis milhões de judeus na Europa.
A ideia de destino está presente nas obras de Joseph Roth à semelhança de todos os autores de origem judaica como se de certa forma se tratasse de uma garantia de cumprimento desse mesmo destino pela via do sofrimento e da dor. A doce melancolia que atravessa “O Leviatã” funciona como o prenúncio de uma tragédia anunciada, ainda que a título particular, mas que, em sentido lato, tem eco na conjuntura que se vivia na Europa, em 1934, quando a novela foi escrita. A vida comezinha de um judeu comerciante de corais é abalada de modo vertiginoso à semelhança da Europa que vê a sua paz comprometida com a subida de Hitler ao
poder.

“(…) Nissen Piczenik, o comerciante de corais, era um judeu ruivo, cuja barba de bode acobreada lembrava uma espécie de sargaço avermelhado e dava ao homem um aspecto surpreendente de um deus do mar. Era como se ele próprio criasse ou plantasse e colhesse os corais que comercializava. E tão forte era a relação da sua mercadoria com o seu aspecto que, na pequena cidade de Progrody, ninguém o chamava pelo seu nome, que com o tempo até foi esquecido, sendo conhecido simplesmente pela sua profissão. Dizia-se, por exemplo: vem aí o comerciante de corais – como se em todo o mundo, para além dele, não houvesse mais nenhum.” (pp. 26-27)

Parece-me ser a doçura destas palavras que caracterizam de certa forma a literatura judaica, a capacidade de fascinar os leitores que se identificam e maravilham com a literatura e também com este universo muito próprio capaz de inebriar a alma como se tratasse de um alimento cultural. O misticismo ou o carácter mágico impregnado nas palavras de Joseph Roth não deixa o leitor indiferente. A literatura, a boa literatura não só conduz à formação do leitor atento, mas deve também permitir a sua distracção, o gozar bons momentos que o permite sonhar e viajar no rio do tempo e dos sonhos e, neste caso em concreto, graças a uma cultura e um modo de vida muito específicos que perdeu o seu lugar na Europa.
Quem fica indiferente a excertos tão belos e que também nos transportam para a aventura?

“Todos os habitantes de Progrody e das redondezas estavam convictos que os corais eram animais vivos, cujo crescimento e comportamento debaixo dos mares eram vigiados pelo peixe primitivo Leviatã. Não se podia duvidar do facto, já que fora o próprio Nissen Piczenik que o contara.” (p. 29)

Mas a vida pacata de Nissen Piczenik está prestes a levar uma reviravolta. A chegada do húngaro Jenö Lakatos à região vai trazer consequências irreversíveis na medida em que vai introduzir corais falsos neste comércio. Seduzido pela riqueza fácil e rápida, Nissen Piczenik vai passar a alimentar-se de uma mentira que destruirá em pouco tempo o seu negócio e, no fundo, a si próprio.
É também este jogo da palavra fácil, da sedução, dos mitos e histórias que se criam em torno de pequenas e grandes mentiras que também tem o seu paralelismo com o eco fácil do nazismo que conduziu à ascensão de Hitler ao poder que teve como consequência, entre tantas, o extermínio dos judeus (holocausto) e a sua cultura como referência na Europa.
Quanto a Nissen Piczenik “que descanse lá em paz, junto do Leviatã, até ao advento do Messias.” (p. 75)

Texto da autoria de Jorge Navarro

2 comentários:

  1. Excelente recensão Jorge. Adorei as tuas palavras, vou ler. Obrigado

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