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quinta-feira, 8 de março de 2018

A Escolha do Jorge: "A Maldição de Hill House"



Hill House “é uma obra-prima de desorientação arquitectónica.” (p. 91)

“A Maldição de Hill House” é o terceiro romance de Shirley Jackson (1916-1965), publicado em 1959, sagrando a escritora norte-americana como uma das mais destacadas do país e mais representativas do século XX. Com uma obra relativamente curta, Shirley Jackson é, a par dos seus romances de grande envergadura, conhecida por ser uma das mais célebres contistas estadunidenses, tendo em consideração “The Lottery”, o conto polémico que arrastou a escritora para acesas polémicas face à natureza cruel da narrativa apresentada.
      “A Maldição de Hill House” é a segunda obra de Shirley Jackson a ser publicada no nosso país, quase uma década após a edição do romance “Sempre Vivemos no Castelo”, uma obra tenebrosa, gótica, que, a par da sua forma própria de contar as histórias, não há certamente leitores que não saiam das obras incomodados face à crueldade espelhada nos personagens criados. Quem não se recorda de Mary Katherine?
      Uma casa assombrada que foi palco dos mais diversos horrores ao ponto de ser considerada uma casa maldita, será o centro desta narrativa de terror considerado um dos grandes romances do género alguma vez escritos.
      John Montague, um antropólogo e estudioso de manifestações sobrenaturais recruta algumas pessoas propensas a estas temáticas, para passarem alguns dias em Hill House, a fim de registarem eventuais movimentações fora do registo da racionalidade. “(…) O nosso objectivo aqui, já que é científico e exploratório, não deve ser afectado, talvez até deturpado, por histórias fantasmagóricas meio esquecidas, mais apropriadas, digamos… para um encontro de adolescentes.” (p. 61)
      A par do organizador, participam na experiência, Luke, o futuro herdeiro de Hill House, Theodora, uma mulher excêntrica e inconsequente e com espírito aberto a novas experiências e ainda Eleanor, uma mulher solitária que nada tem a perder em participar no projecto de John Montague.
      Rapidamente o leitor percebe que a narrativa ganha forma com Eleanor e que será nela que Hill House ganha fôlego. Uma mulher que é o reflexo da fusão da culpa com o medo que exponenciados conduzem à loucura. Uma mulher sem vida própria, pobre e totalmente dependente da família da irmã é uma quase sem-abrigo que procura a expiação/redenção através desta possível experiência em Hill House. “As viagens terminam com o encontro dos amantes.” (p. 37) -  a frase enigmática que se repete ao longo de todo o romance.
      São belíssimas tanto quanto tenebrosas as descrições de Shirley Jackson no que concerne à chegada de Eleanor a Hill House. Rapidamente percebemos que algo se passa com esta mansão. Parece viva e a sua imponência é quase esmagadora perante o visitante que chega sem saber ao certo o que vai encontrar, por fora e por dentro.
      Os vários participantes vão chegando e os empregados da casa ditam as regras, sempre no mesmo tom, como se tudo fizesse (e faz) parte de um mesmo processo e sempre num registo para causar medo ou o receio de que irá acontecer alguma coisa e que ninguém está seguro, não havendo ninguém por perto, dado que Hilsdale, a localidade mais próxima, fica a sete quilómetros de distância, além do facto de os seus moradores não gozarem de fama de serem as pessoas mais simpáticas e acolhedoras.
      Hill House está construída de forma que quem quer que circule no seu interior fique com a sensação de estar num labirinto, nunca conseguindo chegar à sala principal. “(…) O resultado de todas estas pequenas aberrações de medidas somadas umas às outras gera uma distorção total da casa. (…) [Hill House] é uma obra-prima de desorientação arquitectónica.” (p. 91) As experiências assombrosas tanto quanto tenebrosas vão tendo lugar noite após noite, assustando os vários participantes da experiência, de forma que o medo se vai instalando aos poucos, devagarinho, ao ponto de todos terem ficado contagiados ainda que John Montague desvalorizasse continuamente. “O medo (…) é a renúncia da lógica, a renúncia voluntária de padrões razoáveis. Ou nos rendemos a ele, ou lutamos contra ele, mas não podemos ficar no meio-termo.” (p. 134) “Nunca houve nenhum fantasma, em todas as longas histórias de fantasmas, que tivesse magoado alguém fisicamente. Os únicos danos são causados pela própria vítima a si mesma. Nem sequer se pode dizer que os fantasmas atacam a mente, porque a mente, o consciente, a mente racional, é invulnerável; no consciente de todos nós, enquanto estamos aqui sentados a conversar, não existe uma gota de crença em fantasmas. (…) Não, a ameaça do sobrenatural é que ataca o ponto mais fraco da mente moderna, o ponto onde abandonámos a armadura protectora da superstição sem a substituirmos por qualquer outra defesa.” (pp. 117-118)
      A semana vai decorrendo ao sabor do medo provocado pela excitação das experiências com o sobrenatural em Hill House até que a reviravolta ocorre com a entrada em cena da esposa de John Montague. Hill House é provocada, mas há alguém sensível aos apelos da mansão, deixando-se seduzir por esta. O desenlace final é inesperado e a loucura ganha uma dimensão ainda não vista. Garantidamente ninguém sai ileso da experiência de Hill House, nem os participantes, nem nós leitores!
      Shirley Jackson transformou “A Maldição de Hill House” num verdadeiro masterpiece da literatura contemporânea e uma das referências do género de terror. “A Maldição de Hill House” foi adaptada ao grande ecrã, em 1963 e 1999, e, este ano, conhecerá uma nova adaptação para uma série de televisão.

Texto da autoria de Jorge Navarro

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