"A Minha Pequena Livraria", de Wendy Welch começa com uma dedicatória muito interessante: «O livro é dedicado a todas as pessoas que alguma vez viraram as costas a uma coisa "importante" para fazerem uma coisa melhor».
É uma história de vida da autora, americana, natural da região dos Apalaches, e de seu marido, escocês, Jack. Durante uns anos viveram na Escócia, ela como diretora de uma organização sem fins lucrativos e ele como diretor de Departamento de uma Universidade, para além de outras atividades como músico. Resolveram deixar a vida estável e mudaram-se para a Virgínia, EUA. A primeira experiência não correu bem.
Assim, quando propuseram a Wendy gerir os programas educacionais na minúscula cidade de Big Stone Gap no sudoesta da Virgínia, escondida nas montanhas da zona central dos Apalaches, partiram. Era uma região carbonífera, agora cheia de mineiros reformados, onde os eventos importantes eram os jogos de futebol e as reuniões do liceu, mas acharam ser um local aprazível.
Quando procuravam casa deparou-se-lhes uma linda e enorme mansão "eduardiana" de inícios do século XX, com dois pisos, portas deslizantes e soalhos rangentes que lhes trouxe de imediato à memória o seu velho sonho de ter uma livraria de livros usados. Os tempos eram difíceis, a economia estava em plena recessão e seria muito difícil vender a anterior casa. As dificuldades eram muitas.
Sem pensar muito e seguindo a sua intuição e o seu coração avançaram. No primeiro piso fizeram residência e no de baixo a livraria. Levando uma vida simples e com o seu próprio espólio de três mil e oitocentos livros, fizeram as primeiras estantes.
A princípio a comunidade olhava-os de soslaio, desconfiavam e achavam que eram completamente loucos ao tentar abrir uma livraria naquela localidade tão pequena, habituada a compras através da internet. Foi com muita determinação, esforço e amor aos livros que conseguiram abranger a comunidade no seu sonho. O chá e os biscoitos do Jack também ajudaram.
Começaram por se integrar nas atividades já existentes e a seguir criaram os seus próprios eventos:
Noite de tricô; Grupo de escrita; Noite de dança e música; Celebração de dias especiais; Representações de dramas policiais com a participação de clientes regulares, sendo os membros do grupo de escrita que elaboravam os enredos, etc
Quando se iniciaram as trocas e doações de livros, cada livro que entrava trazia uma história de vida que era ouvida com toda a disponibilidade. Ouvir as pessoas era mais importante que vender livros por isso conseguiram congregar a comunidade à sua volta.
O livro está dividido em capítulos todos descrevendo episódios do quotidiano da livraria desde a sua fundação à atualidade e todos são encabeçados por citações muito interessantes e que apelam à reflexão. No decorrer da narrativa, e a propósito do que conta, a autora inclui, também, citações de outros autores o que enriquece muito a obra.
Não resisto a transcrever algumas citações incluídas na capa:
"Os livros são mais do que palavras numa sucessão de páginas. Marcam os momentos importantes da viagem que é a nossas vidas."
"Talvez a melhor coisa que os livreiros fazem pelo mundo não é vender histórias às pessoas, mas escutar a história das pessoas."
E algumas passagens do livro:
…. «Os livros, sejam eles objetos físicos ou impulsos eletrónicos são do melhor que há. São edifícios que albergam ideias. Portanto, quem gosta de ler a partir de máquinas que o faça. Quem aprecia o toque, o cheiro, a orla dourada e as bonitas capas, e a suavidade do papel e as memórias cinéticas, apreciará o livro na sua versão física. Qualquer uma das formas poderá ser um artefacto. E desde que toda a gente leia, e disso retire o prazer, importa assim tanto qual o suporte a partir do qual o fazemos?
Pensando bem…talvez importe.»…. Pag.182…. «Em miúda, ainda bem pequena, lembro-me de ter sido advertida de que as bibliotecas e as livrarias eram locais tranquilos e silenciosos onde não se tolerava barulho. Era mais uma coisa em que os adultos estavam enganados, pois aqueles sítios palpitavam, vibravam. O que se passava era que os sons por eles produzidos não eram ruidosos. Os livros sussurravam. O barulho coletivo que emitiam era semelhante ao de um barco em que a trepidação uniforme do motor vibra sobre os nossos sapatos, passando despercebida até nela atentarmos, tornando-se depois omnipresente e inexorável. Cada livro transbordava de barulhos que queria que escutássemos assim que os abríssemos;» …. Pag.198
…. «Os livros em segunda mão são livros selvagens, livros sem-abrigo; juntos formam vastos bandos de espécies variadas e possuem um charme de que os volumes domesticados das bibliotecas carecem. Para além disso, nesta fortuita e heterogénea companhia, podemos cruzar-nos com um desconhecido que, com sorte, se transformará no melhor amigo que temos no mundo. Virgínia Woolf, "Street Hunting: A London Adventure"» …Pag.243, citação no capítulo "Recomendar Livros".
A Livraria é atualmente um sucesso, diz a autora, mas ela mantem um emprego que lhe permite pagar o seguro de saúde e Jack continua a organizar excursões culturais à Irlanda e à Escócia o que lhe permite visitar a sua terra natal…
Alonguei-me mas o livro merece. Foi muito interessante acompanhar o percurso da realização de um sonho. Gostei muito, embora tenha consciência de que a história é difícil ou quase impossível acontecer fora da América, mas há valores como a disponibilidade ao outro, o estabelecimento de relações e a amizade, o amor aos livros, que são universais.
Maria Fernanda Pinto
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