Este não é um romance. É um livro de História que nos desvenda as vidas das onze infantas portuguesas que foram rainhas em Espanha, desde a filha de D.Afonso Henriques a Infanta Urraca (1150-1222?) que foi rainha de Leão e cujo casamento com o rei Fernando II de Leão foi desfeito por ordem papal por haver um terceiro grau de consanguinidade entre eles, até à infanta Maria Isabel de Bragança (1797-1816) filha de D. João VI e de Carlota Joaquina, vinda do Brasil para casar com Fernando VII de Espanha. Um casamento infeliz, ao contrário das expectativas da jovem rainha que faleceu precocemente aos dezanove anos na sequência do segundo parto e a quem se deve a fundação do Museu do Prado. Este livro percorre, portanto, um longo período, desde os primórdios da nacionalidade, a dinastia dos Borgonha, a dinastia de Avis e por fim a dinastia de Bragança.
São onze histórias diferentes de jovens raparigas cujos casamentos foram arranjados pelas famílias reais da Península, na maior parte das vezes quando elas ainda eram crianças e que correspondiam à preservação dos interesses das famílias reais, da nobreza e da Igreja, totalmente alheios à vontade, aos sentimentos ou às afinidades daqueles que se iriam casar. Na maior parte das vezes, os noivos nunca se tinham visto antes do casamento, muitas vezes eram primos ou tinham um grau de parentesco muito próximo o que lhes trouxe problemas com o papado que, ao considerar a relação incestuosa, anulava os casamentos. Elas eram moeda de troca nos negócios que eram os casamentos reais os quais tinham como objectivo primeiro que a jovem infanta desse filhos varões que assegurassem a continuação das dinastias e das casas reais no poder. Tinham que gerar filhos – era essa a sua principal "utilidade" – gerir as rivalidades e intrigas com as amantes do rei, com a sogra e com os nobres que viviam na corte. Os laços matrimoniais e mesmo a existência de filhos varões não impedia que os reis tivessem os seus bastardos e que a infanta Maria (1313-1357) se tivesse de confrontar com Leonor de Gusmão – a "concubina real" – de quem o rei Afonso XI teve nove filhos. Não é por acaso que se desconhece a data de falecimento da filha de D. Fernando I de Portugal, a infanta Beatriz (1421?) embora se saiba que nasceu em 1373, pois enviuvou ainda jovem e sem descendentes, tendo sido esquecida no final da sua vida.
No meio da adversidade e do desequilíbrio nas relações que eram frequentemente o seu dia-a-dia, algumas foram mulheres fortes e lutadoras; a infanta Constança filha de D. Dinis e de D.Isabel de Aragão distinguiu-se pela sua cultura e educação esmerada adquirida através da mãe o que não era habitual entre as mulheres da nobreza; outras foram hábeis, ambiciosas e obstinadas na defesa dos interesses dos filhos como a infanta Joana (1438-1475) que casou com Henrique IV de Castela que se constava ser homossexual, e que teve filhos de um nobre, o que para uma soberana e, sobretudo naquela época, era altamente escandaloso. Se houve algumas que foram figuras apagadas, na sombra dos maridos, outras houve como a infanta Isabel (1503-1539) filha de D. Manuel I de Portugal que, dadas as circunstâncias de o marido Carlos I de Espanha, V da Alemanha se encontrar frequentemente ausente e por longos períodos longe da península, a obrigou a exercer o poder e as responsabilidades da governação com grande mestria e domínio; ou a Infanta Bárbara (1711- 1758) filha de D. João V de Portugal que mostrou grande aptidão para a governação ao contrário do seu enfermiço e impotente marido o rei Fernando VI de Espanha. As primeiras infantas dedicaram-se a fundar ordens religiosas e conventos onde se recolhiam quando enviuvavam como foi o caso de Urraca, ou porque os seus casamentos não se tinham consumado ou haviam sido desfeitos por ordem papal. Houve até uma infanta Mafalda, rainha de Castela (1195-1256) que foi beatificada em 1792.
Da História ensinada e estudada, raramente se fala das mulheres que fizeram história, porque a história ainda hoje é a história dos homens. Se as mulheres do povo são uma mancha indistinta, mesmo as mulheres das classes privilegiadas só muito raramente são referenciadas. Salvo raras excepções, as rainhas eram figuras decorativas, esquecidas ou apagadas atrás do rei, sendo referenciadas apenas em momentos festivos ou em ocasiões especiais. Muito do que hoje se sabe, passa por investigações em crónicas da época, por registos em arquivos notariais, ou mais recentemente através da troca de correspondência pessoal que permite desvendar aspectos tão interessantes como o temperamento e os sentimentos de quem escreve.
Para apoiar a leitura deste livro, todas as histórias são precedidas pela árvore genealógica das infantas e acompanhadas de notas e da bibliografia usada, assim como imagens a cores de quadros da época sobre algumas das personagens referenciadas ao longo do livro. São instrumentos muito úteis para acompanhar a leitura por vezes complexa, dada a teia de casamentos que se arranjavam entre aquelas famílias não só da península mas também de outras regiões da Europa.
Não posso deixar de aqui referir a recente e muito completa exposição temporária que esteve patente no Museu Calouste Gulbenkian "A História Partilhada Tesouros dos Palácios Reais de Espanha" onde foi possivel encontrar algumas destas infantas portuguesas, rainhas em Espanha e desfrutar do contacto com obras daquela época. Assim como, recordar a leitura de "Memorial do Convento" de José Saramago a propósito da infanta Bárbara onde se faz a descrição pormenorizada da viagem da imensa comitiva que acompanhou a família real portuguesa e a infanta desde Lisboa até à fronteira do Caia onde se iria casar com o rei Fernando VI de Espanha. São obras de arte que nos ajudam a dar um enquadramento à história de algumas destas princesas que um dia tiveram de abandonar a sua terra para ir casar com um rei do país vizinho.
Almerinda Bento
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