
que o consiga fazer. Se fugir para a imensidão da rua, vou ser agredida pelo ar frio e a cidade vai parecer desabitada e vazia. Qual é credibilidade de um corpo quando ele já não te diz nada, quando já não existe desejo? Mesmo no sono, consegue chamar por mim. Nunca se cansa. Alguém precisa de lhe dizer que o caminho para o coração de um escritor é dar-lhe tudo aquilo que o vai enlouquecer, alimentá-lo na boca com delírio. Dá-me a minha imaginação. Por favor! Dá-me a novidade, dá-me a tristeza. Dá-me qualquer coisa que pulse, incontrolavelmente, aqui dentro. Como é que uma rapariga magnífica e interessante como tu se tem em tão desconsiderada conta? Eu não sei. Verto duas lágrimas. Sou beijada. Como é que tu sabes?
Lá estou eu novamente, na mesma sala, com a ponta dos dedos a mexer na pele do pescoço dele e a pensar em muitas coisas. Olho em redor e isto não é uma sala, nem é um quarto, nem é a minha cama, nem há homem nenhum. Está uma criatura sozinha com uma caneta na mão a definhar. Vou fechar os olhos. Vou esquecer-me.
O que eu penso que existe lá fora não passa de um conjunto de normas sociais progressivas que agem sobre coisas e que, ao fim de uns quantos anos de existência, vão formalizar o que todos intitulamos, tão estupidamente, uma história. Gostava que eles soubessem ao que é que uma história realmente sabe. Gostava de saber ao que é que a vida deles realmente se cinge. Os meus limites já estão tão altos que daqui irei tombar, imparável, em direção ao chão. Uma vida no subsolo na companhia dos outros renegados. Mas eu sou, cordialmente, aceite. Nos meus olhos, a leitura da verdadeira essência que me constitui só é identificada por um conjunto muito reduzido de indivíduos que procuram em mim aquilo que o meu corpo não lhes dá, aquilo que eu escondo deles, porque senão nunca haveria amor. Porque teriam medo de mim ou eu teria medo deles. Dói-me o corpo porque já não o suporto. Eu não gosto de falar de mim. Quando me estão a atravessar, esqueço-me que o corpo tem sensações e que o
cérebro é quem as fomenta e fundo-me em tudo. O que é que tu fizeste? Eu não fiz nada, ele é que fez - digo, com a mão encostada à cabeça. - A culpa é dele. Tira-o daqui.
Patrícia Ribeiro
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