"Os Memoráveis" é o mais recente romance de Lídia Jorge publicado há aproximadamente um ano e que esta serve de mote para sugestão de leitura desta semana neste espaço.
Não entrando propriamente em aspectos relacionados com os personagens da ação, desenvolverei o presente texto no âmbito da questão histórica que subjaz à obra em si mesma e à forma como o tempo condiciona o modo de interpretarmos acontecimentos decisivos e de viragem na História recente do país.
O ponto de partida, assim como todo o motor da narrativa de "OS Memoráveis" assenta no dia 25 de Abril de 1974, o dia que ditou o fim de uma ditadura de quatro décadas, iniciando, desse modo, o processo de democratização e modernização do país.
Passados 30 anos (tendo em consideração que a narrativa decorre em 2004), qual é o olhar que temos daquele dia que mudou o curso da história do país? O que é que recordamos daquele célebre dia? Vislumbramos o dia 25 de Abril de 1974 ainda com clareza de espírito e objectividade? Será que somos traídos pela passagem do tempo que ofusca essas memórias? Quem foi quem naquele dia tão importante para Portugal? Qual terá sido o momento mais emblemático daquele dia ditoso?
Estas são algumas das questões que Lídia Jorge levanta neste seu romance na tentativa de "cumprir um plano de reconstrução da memória" (p. 239) pessoal e coletiva. E porque a História é complexa e mesmo sendo uma ciência, não deixa de ao longo do tempo, passadas várias décadas, serem apresentadas diferentes teses, na tentativa de (re)interpretar essa mesma memória. Aquilo que tantas vezes tem sido apelidado de golpe militar e revolução quando associados ao 25 de Abril de 1974, será que à distância de meio século ou mesmo um século, o olhar sobre a História será o mesmo? Corremos o risco, correrá a História o risco de passado um século face à data emblemática de apenas se olhar para o 25 de Abril de 1974 como um simples acontecimento como um simples acontecimento igual a tantos outros, até mesmo como um dado adquirido, reduzindo-se à idílica ideia de se associar a "Revolução dos Cravos" a uma visão romântica do acontecimento em si mesmo? E se, afinal, "o novo regime, passados todos aqueles anos, continuava tão antigo quanto o antigo"? (p. 250)
Em "Os Memoráveis" são vários os momentos em que os personagens aqui apresentados sob uma capa metafórica cujo papel no dia da revolução foi determinante quando olhado num processo conjunto, demonstram algum medo de serem esquecidos e engolidos pela própria História se nada se fizer para contrariar essa tendência esmagada pelo próprio tempo, inimigo garantido da memória. "Tenho a certeza absoluta de que no futuro ninguém irá ser esquecido. Há-de haver um lugar onde seja possível lembrarmo-nos de tudo e de todos. (…) Na verdade, o que nós próprios estávamos a fazer era apenas procurar contrariar o esquecimento, contrariar sem remédio." (p. 105)
Em jeito de conclusão, podemos questionar o que ditará efetivamente a historiografia dentro de 50 anos sobre aquele dia tão decisivo que derrubou o Estado Novo tornando Portugal num estado democrático, partilhando aqui um dos excertos decisivos de "Os Memoráveis".
"Porque a historiografia portuguesa, essa p*** velha que só contempla quem mais lhe dá, prepara-se para fazer da minha pessoa, e dos meus companheiros de insurreição, um estandarte de ignomínia. Se não nos impusermos, (…) iremos passar à posteridade como um bando de idiotas, ou pior, como um grupo de canalhas. Mas eu não o vou permitir." (p. 217)
Texto da autoria de Jorge Navarro
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