Ler Halldór Laxness (Nobel de Literatura em 1955) é entrar no mundo das palavras mágicas capazes de nos enfeitiçar com trolls e elfos que nos remetem para histórias que remontam ao início da colonização da Islândia há mais de mil anos.
"O Sino da Islândia" elenca o conjunto de obras magistrais de Halldór Laxness das quais podemos referir "Gente Independente" e "Os Peixes Também Sabem Cantar". "O Sino da Islândia" começa com o desmantelamento do sino daquela ilha por ordem do rei dinamarquês servindo de pretexto para desfiar um rol infindável de histórias que se articulam com as antigas sagas daquela ilha.
A história vai-se desmontando em dois temas fulcrais: a necessidade de alterar a situação de miséria profunda em que a ilha vivia estando sob o domínio da Dinamarca e a busca do sentido de justiça que era aplicada na Islândia. Estes dois temas fundem-se ainda num outro tema ainda mais abrangente que é a busca da identidade da Islândia que remonta a um período anterior ao século X da era cristã sendo essa identidade a única que conduzirá à libertação da ilha face ao jugo dinamarquês e a sua consequente afirmação e projeção perante a Europa e o Mundo.
Em "O Sino da Islândia" está presente de uma forma indelével a necessidade do conhecimento assim como o respeito pela História, motores fulcrais para o desenvolvimento de um país capaz de se afirmar perante os outros. Neste sentido, a presente obra ajuda-nos a compreender como é que a Islândia deixou de ser o país mais pobre da Europa no início do século XX tornando-se num dos países mais desenvolvidos do continente nos dias de hoje.
Uma vez mais, Halldór Laxness enobrece o seu país natal dando-nos grandes exemplos de dedicação e sacrifício da população ao longo dos séculos transformando a Islândia num país desenvolvido e com uma sociedade justa que contribui para o bem comum.
Excertos:
"O oficial de ordenança, sem se mexer um milímetro, dirigiu-se a Jón num dinamarquês macarrónico:
– Sua senhoria leu em livros de renome que os islandeses emitem um fedor tão nauseabundo que as pessoas precisam de se colocar a favor do vento para com eles falarem.
Jón Hreggviðsson não disse nada.
– Sua senhoria leu em livros de renome que os malditos e os demónios moram na Islândia, no interior da montanha chamada Hekkenfeld. É verdade? – disse o oficial.
Jón Hreggviðsson disse que não o podia negar.
Em seguida:
– Sua senhoria leu também o seguinte em livros de renome: primeiro, que na Islândia há mais fantasmas, monstros e demónios do que pessoas; segundo, que os islandeses enterram carne de tubarão nos montes de estrume junto às vacarias e depois a comem; terceiro, que os islandeses famintos cortam os seus sapatos em bocados e os levam à boca como se fossem panquecas; quarto, que os islandeses vivem em montes de terra; quinto, que os islandeses não sabem trabalhar; sexto, que os islandeses emprestam as suas filhas a estrangeiros com o intuito de procriar; sétimo, que uma rapariga islandesa é considerada uma virgem imaculada até ter parido o seu sétimo filho ilegítimo. É verdade?" (pp. 120-121)
"Somos a populaça, os seres mais insignificantes do mundo. Rezemos pela saúde de toda e qualquer autoridade que ajude os indefesos. Mas nunca haverá justiça até nós próprios nos tornarmos homens. Passar-se-ão séculos. As emendas da lei que nos foram concedidas pelo último rei ser-nos-ão
retiradas pelo próximo. Mas o nosso dia chegará. E, nesse dia, em que nos tornaremos homens, Deus
virá até nós e lutará ao nosso lado." (p. 303)
Texto da autoria de Jorge Navarro
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