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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

A Escolha do Jorge: “A Cripta dos Capuchinhos”




“A Cripta dos Capuchinhos” – Joseph Roth 

(Cavalo de Ferro)

“Começámos, inclusivamente, a adorar o nosso desespero como se ama um inimigo fiel. Enterrávamo-nos nele.” (p. 123)
Um excelente início de ano editorial que assinala a publicação de “A Cripta dos Capuchinhos” (1838), a última obra de Joseph Roth (1894-1939) publicada em vida. Este romance constitui a sequela de “A Marcha de Radetzky” (1932), uma das mais representativas e icónicas no conjunto das obras do escritor.
O título da obra alude à Igreja de Nossa Senhora dos Anjos igualmente conhecida por Cripta Imperial de Viena, onde se encontram os restos mortais dos Habsburgos austríacos, incluindo o último monarca, Francisco José (1830-1916), figura emblemática do Império Austro-Húngaro que vem a falecer no decurso da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Este romance pejado de melancolia remete para o fim de um mundo e de uma ordem que dominava o espírito de uma boa parte do continente europeu no início do século XX. Tendo Viena, a capital imperial, como pano de fundo, Joseph Roth recupera a família Trotta, os personagens principais de “A Marcha de Radetzky”, centrando a narrativa no fim da Belle Époque em que muitos jovens pertencentes a famílias nobres de então deambulavam pela cidade, livres de preocupações, fazendo o roteiro dos principais cafés por onde passam os ilustres da sociedade até ser comunicada a obrigatoriedade para se alistarem no exército seguindo para uma frente de batalha em terras longínquas do império que entretanto se desmantelava.
Narrado na pessoa de Franz Ferdinand Trotta, somos levados a compreender as principais transformações que ocorreram com a derrocada de toda uma ordem política, social e económica, ao ponto de a realidade anteriormente conhecida deixara de existir com o seu regresso a Viena após a guerra.
Estando do lado dos vencidos, a Áustria recuperava aos poucos da humilhação tentando adaptar-se às novas circunstâncias ao ponto de muitas das famílias nobres passavam agora a viver com sérias dificuldades económicas na medida em que tinham contribuído com muitos dos seus bens no intuito de alimentar a guerra. Os títulos nobiliárquicos passaram a ser proibidos, passando estas famílias a viver de crédito e de aparências face a uma ideia de mundo organizado que, na verdade, já não existia.
De há muito tempo a esta parte, desde que voltara da guerra, via-me a mim mesmo como uma pessoa sem direito à vida. Habituara-me a contemplar todos os acontecimentos que os jornais consideravam «históricos» com o olhar distante de quem não pertence a este mundo. A morte tinha-me concedido há muito uma licença por prazo indeterminado, licença essa que ela podia interromper a qualquer momento. Que me importavam as coisas deste mundo? (…) Eu era um «extraterreno» no meio dos vivos.” (pp. 154-155)
A desagregação do Império Austro-Húngaro deu origem a um conjunto de novas nacionalidades em convergência com o novo mapa político europeu no pós-guerra como forma de resposta às divergências e clivagens de ordem histórica e ao nível da própria identidade, aspectos que eram uniformizados durante o Império procurando a harmonia entre as partes envolvidas.
“Só muito mais tarde, muito tempo depois da Grande Guerra (…) compreendi que até mesmo as paisagens, os campos, as nações, os povos, as cabanas e os cafés estão sujeitos a uma lei natural mais forte que permite converter o distante em próximo e unir o que tende a desagregar-se. Refiro-me ao espírito da antiga monarquia, incompreendido e desperdiçado, que era capaz de me fazer sentir em casa tanto em Zlotogrod como em Šipolje ou em Viena.” (pp. 39-40)
À semelhança de outras obras de Joseph Roth, percebemos como as suas palavras assumem um carácter (quase) profético na medida em que há várias passagens que aludem a uma antevisão daquilo que viria a acontecer na Europa, nos anos a seguir à 1ª Guerra Mundial (1914-1918), percebendo o terreno fácil para as ideias da extrema-direita, em especial, o nazismo, que culminaria na 2ª Guerra Mundial (1939-1945) que levaria ao desaparecimento da influência judaica no contexto da cultura europeia.
Podemos ir ainda mais longe ao analisarmos as tendências políticas vigentes na Europa e no Mundo actualmente interrogando-nos face ao futuro e aquilo que poderemos esperar. Vivemos tempos conturbados, de uma complexidade tal ao ponto de percebermos que qualquer acontecimento (im)previsível poderá reflectir-se em alterações políticas, económicas e sociais com forte impacto nas populações. O risco do populismo é imenso. A ignorância é mais que muita. Os abutres também. E o medo instala-se. O futuro assume características semelhantes a uma longa noite onde se torna cada vez mais difícil despertar para a claridade. Resta a esperança…
Creio que a terrível submissão das gerações actuais a um jugo ainda mais nefasto é compreensível e também perdoável, se pensarmos que é próprio da natureza humana preferir a grande calamidade a uma preocupação pessoal. A grande calamidade devora rapidamente a pequena infelicidade, o azar, por assim dizer. Por isso, naquela época, amávamos esta desgraça colectiva.” (p. 123)
Texto da autoria de Jorge Navarro

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