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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A Escolha do Jorge: “As Pequenas Histórias”

O volume “As Pequenas Histórias” é uma antologia de contos hispânicos do século XX que foi
trazida à luz no âmbito do Clube UNESCO Literatura-Mundo, com sede no Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A organização da presente antologia tem a responsabilidade de Ângela Fernandes, Cristina Almeida Ribeiro e Miguel Filipe Mochila.

Tratando-se de uma antologia, colocam-se as habituais questões sobre a pertinência e relevância dos autores e contos seleccionados, no entanto, os dezassete contos que integram o presente volume reflectem um pouco do melhor que foi publicado ao longo do século passado no que concerne à literatura hispânica.

Entre autores já conhecidos e anteriormente publicados em Portugal, esta antologia cumpre também a missão de dar a conhecer aos leitores portugueses alguns nomes maiores das letras hispânicas nunca antes traduzidos.

Os contos apresentam temáticas bastante variadas, ricos em conteúdo, mas ganhando, nalguns casos pertinência pela forma, pela arte de contar um conto.

Lendo os primeiros contos, rapidamente percebemos que estamos perante literatura de grande qualidade, não somente por já termos lido obras de autores como José Donoso (Chile), Adolfo Bioy Casares (Argentina), Roberto Arlt (Argentina), Horacio Quiroga (Uruguai) e Miguel de Unamuno (Espanha), mas porque de conto para conto, percebemos da riqueza e da forma como todas estas propostas contribuem para a importância da literatura hispânica.

É interessante analisar, nesta viagem literária, as várias formas de escrita, os assuntos em análise, as preocupações políticas e sociais dos vários autores, mediante o período em que viveram, mas sobretudo a apropriação da linguagem ao longo do século XX, espelhando também um certo traço de intemporalidade, algo que, em certa medida, une os contos entre si.

“As Pequenas Histórias” são contos mais ou menos breves que reflectem o contributo dos seus autores na forma como valorizam e engrandecem o conto enquanto género literário.

A edição de “As Pequenas Histórias” corresponde a uma atitude arrojada tendo em consideração um país que tanto tem desvalorizado o conto enquanto género literário. Neste volume, reencontramos autores já do nosso conhecimento e agrado, sendo interessante identificar o estilo de cada um deles nestes contos em comparação com os seus romances.

O presente volume aguça-nos o desejo de descobrir as obras de autores que somente agora surgem traduzidos em português pela primeira vez, sendo que esse constitui, de certa forma, um dos objectivos deste género de antologias que congregam vários autores.

A edição de “As Pequenas Histórias” pela Cavalo de Ferro surge em contra-ciclo face à tendência do que é publicado em Portugal nos últimos anos, apostando, assim, na literatura de referência.

Excertos:
"— Eu vim cumprir uma alta missão filantrópica!... E é necessário que a Elsa me dê um beijo para que eu perdoe à humanidade a minha corcunda! Por conta do beijo, sirvam-me um chá com conhaque. É uma vergonha como recebem as visitas! Não torça o nariz, minha senhora, que eu perfumei-me! E traga-me o chá!"
ROBERTO ARLT (Argentina) in "O Corcundinha", p. 128

“Fala-se demasiado. O mundo está envenenado pelas palavras. São elas a fonte da maior parte dos nossos actos reflexos, das nossas frustrações. A palavra é a grande armadilha, a palavra velha, a palavra gasta. É muito certo isso de começarmos a morrer pela boca como os peixes. Eu próprio falo e falo. Para quê?” 
AUGUSTO ROA BASTOS (Paraguai) in “Contar um Conto”, p. 162

“Sempre desejei morrer de prazer e por pouco conseguia, graças a ti. Quando senti que o coração me falhava, tive mais felicidade de que dor, juro, como se estivesse a entrar no céu a cavalo. Mas no último instante agarrei-me à vida, e sabes porquê? Não quis morrer sem ti. Como posso deixar ali sozinha a minha rainha adorada?, pensei. Fica mal dizê-lo, mas desejava com toda a alma que morresses comigo. E a pura da verdade é que ainda o desejo.”
ENRIQUE SERNA (México) in “Enterro Maia”, p. 221

Texto da autoria de Jorge Navarro

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