Trata-se de um interessante romance que tem como pano de fundo o período das descobertas na Sevilha do final do século XV. Sevilha é o principal porto de embarque na rota das especiairias e imaginárias riquezas das Índias e de desembarque, se não do ouro e das especiarias, pelo menos de muitos milhares de escravos. Sevilha que acolhe triunfalmente o Almirante Cristóvão Colombo nas suas primeiras expedições, mas que depois o abandona quando os resultados das expedições ficam muito aquem do esperado. Sevilha onde, a par dos navegadores espanhóis se acolhem muitos aventureiros, geógrafos, cartógrafos, navegadores estrangeiros, nomeadamente portugueses e italianos.
É o tempo dos Descobrimentos, das rivalidades entre a coroa espanhola e a coroa portuguesa em luta pela conquista e posse de territórios até aí desconhecidos, o tempo dos grandes nomes do Renascimento, dos Médici em Florença, dos Reis Católicos em Espanha, ufanos da sua cruzada contra os mouros e judeus expulsos das suas terras. É uma Europa ávida de riquezas invocando o espalhar da fé e a conversão dos "infiéis" como capa para a conquista e a pilhagem. É o tempo das pestes, dos primeiros escravos que chegam à Europa, da ausência de condições de dignidade para a maioria da população, da arbitrariedade, dos autos de fé ordenados pelo Santo Ofício.
Aquela Sevilha que é o pano de fundo deste romance de Antonio Sabaria, para além de personagens que ficaram na história como o genovês Cristóvão Colombo ou o florentino Amerigo Vespucci, é-nos desvendada por três jovens: Alonso jovem aprendiz numa tipografia, o amigo Bartolomé filho de um alto funcionário dos reis e amigo de Cristóvão Colombo e Cristobalillo escravo e pajem de Bartolomé. Nos seus passeios, Alonso e Bartolomé falam, discutem e questionam-se sobre as coisas da vida, sobre a situação que se vive, sobre as decisões dos monarcas. A sua amizade fortalece-se também pelos exemplos dos heróis clássicos, desde Alexandre o Grande, a Aquiles ou Hércules, para além do exemplo de Tirante el Blanco que Alonso leu inúmeras vezes e que é quase uma cartilha que ele quer seguir e copiar para a sua vida. Cristobalillo, o escravo pajem de Bartolomé, acompanha-os e observa com estranheza a cultura dos espanhóis, os seus costumes e ritos baseados na religião, mas cuja rudeza em nada se coaduna com uma pretensa civilização que apregoam.
Por fim, Catalina a índia, silenciosa, altiva, obediente, comprada pelo dono da Taberna do Cão Vermelho que passou a ser chamada de Taberna da Índia. Como escrava é usada para servir os fregueses quer na taberna quer como objecto sexual. O seu total mutismo e indiferença, que para a maioria dos fregueses da taberna eram incompreesíveis e até tidos como sinal de défice intelectual revelam-se afinal como marca de superioridade e orgulho de alguém que mantém intacta a sua dignidade e não esquece a sua origem de mulher livre.
Este livro do mexicano Antonio Sarabia tem muito interesse pelo seu valor histórico e porque consegue transportar-nos para o dia a dia de uma época bastante importante na história da humanidade em que houve profundas transformações sociais, económicas e culturais. Sendo uma época longínqua em que o valor da vida era muito reduzido e os direitos inexistentes e com um longo caminho a percorrer, há, no entanto, um aspecto retratado no livro que persiste e que é uma marca da condição humana difícil de ultrapassar: o apoio nos momentos de glória e a ingratidão quando se cai em desgraça.
Almerinda Bento
Sem comentários:
Enviar um comentário