"A mãe pousou o livro nas mãos do filho." Assim começa este romance; está-se em 1948, uma pequena vila do interior de Portugal. Mesmo no final, outra mãe e outro filho, repete-se o gesto, desta vez já na primeira década deste século. O mesmo livro, o livro que temos na mão e que estamos a terminar. Livro recebe o livro.
Há como que um voltar ao princípio, uma história que se repete, um desvendar de um segredo, um deslindar de questões que ficaram por resolver, um passar de um testemunho de uma história muito portuguesa.
O romance tem duas partes muito distintas.
Na primeira, o Ilídio, o Josué, o Cosme, o Galopim e a Adelaide para além da velha Lubélia são as personagens que seguimos numa vila de um Portugal atrasado e pobre. As brincadeiras dos rapazes, os bêbados, os deficientes sem apoios, os bailes onde se trocam os primeiros olhares e bilhetes "Se namorares comigo dou-te um pombo, 100 escudos e um livro", as idas às sortes e as primeiras experiências fora da vila, a repressão sexual, a emigração e os riscos de uma fuga para um país desconhecido, sem dinheiro e sem papéis, à mercê de engajadores sem escrúpulos. Mais tarde, já nos anos 60, o medo da guerra e a ida a salto por Espanha até Paris, a vida nos bidonvilles da grande cidade onde se trabalha e se sonha com a terra distante e com as cartas que nem sempre vêm. Os desencontros, as saudades, o não desistir e acreditar num amanhã melhor, o lutar. Adelaide, cuja felicidade é amputada pela velha Lubélia aspira à liberdade e à independência de viver a sua vida e acaba por cair numa relação de violência psicológica, de controlo, por parte de um homem obcecado e de personalidade doentia. E depois a referência ao Maio de 68 e ao Portugal de 74, altura em que nasce o jovem Livro. O regresso a Portugal, a construção de uma casa, a concretização de sonhos de toda uma vida de trabalho.
Livro é nome de personagem, mas também é o local onde se trocam mensagens, instrumento para estabelecer uma amizade e uma relação, local onde é colocada como marcador uma carta há muito esperada mas nunca entregue, local de segredos. Para Ilídio, a última lembrança da mãe. Para Constantino, os livros são uma obsessão e uma doença.
Na segunda parte do romance, Livro surge em frequentes diálogos com o/a leitor/a, falando directamente e com referências a autores e títulos da sua paixão pelos livros, pela leitura e pela escrita. "Grande parte deste livro que estás a ler foi escrito com a soma do que conservo desses agostos". (…) "Ao longo da escrita deste livro que estás a ler, tenho sentido que gostaria de poder fazer o mesmo com o que sei." (…) "Nas tuas mãos, a vila descansa e Paris é tão longe. Às vezes, penso em ti sem te dizer. Mesmo esses pensamentos invisíveis estão agora nas tuas mãos. Seguras o meu nome. Este livro que estás a ler e que estou a escrever, onde estamos, é exactamente o mesmo que a minha mãe me pousou nas mãos, como na primeira frase. Também esse livro era este. O início também é agora. (…) Agradeço-te por teres aceitado que este livro se transformasse em ti e pela generosidade de te teres transformado nele, agradeço-te pela claridade que entra por esta janela e por tudo aquilo que me constitui, agradeço-te por me teres deixado existir, agradeço-te por me teres trazido à última página e por seguires comigo até à última palavra. Sim, tu e eu sabemos, isto: . Insignificância, pedaço de nada. Interior da letra ó. Mas isso será daqui a pouco. Por enquanto, aproveitemos, ainda estamos aqui. "
Almerinda Bento
Sou grande admiradora de JLP mas não gostei muito deste livro. Adorei o Cemitério dos Pianos, morreste-me, Nenhum olhar...etc
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