Não temos memória da primeira palavra aprendida, tampouco do momento em que ela passou a fazer sentido e a significar algo ao sair-nos da boca. Quando a memória passou a ser
consciente, já havia um pequenino dicionário dentro das nossas mentes de criança, elásticas e ávidas.
Mas sabemos quando as palavras passaram a ter um peso recrudescente na vida de cada um: quando lemos o primeiro livro. Não falamos do livro do bê-á-bá através do qual a senhora professora nos ia ensinando as letras, as palavras e as frases. Falamos daquele primeiro livro que lemos sozinhos, porque a curiosidade nos fez abrir a primeira página e as palavras nos sugaram para um mundo incrível onde vivemos uma aventura até à última folha. A partir desse momento, as palavras passaram a ter fascínio, a ser mágicas: os mundos imaginários que criávamos, as histórias fantásticas de heróis e heroínas que protagonizávamos nas nossas mentes, podiam ganhar vida e expressão para além das fronteiras da nossa fantasia. Descobrimos, por isso, que gostávamos de brincar com as palavras. Tal como um puzzle com inúmeras pequenas peças, desaprumadas num monte caótico, à espera que alguém lhes encontre o devido lugar num quadro com sentido e mensagem.
A semente da escrita foi lançada quando, ainda adolescentes, a vontade arraigada de contar histórias instigou-nos a criar o pasquim lá da rua que os pais patrocinavam e os vizinhos compravam por graça. Seguiram-se as histórias fantásticas, fruto duma imaginação sem rédeas, envergonhadamente partilhadas apenas com aqueles que cumprissem criteriosamente uma premissa: serem piedosos no juízo da obra. Daqui a sonhar com escrever um dia um livro que ganhasse asas e voasse além do universo que nos cingia, foi um passo tão curto como a distância que separa o coração da mente.
Encontrámo-nos por causa desta paixão pelas palavras. Quando os blogs em Portugal ainda davam os primeiros passos, aventurámo-nos a sair da concha e fazer parte desse universo de gente, mais ou menos anónima, que sabe a força das palavras e que tinha finalmente à disposição um veículo de expressão, opinião e partilha. Somos dois seres movidos pela paixão e temos três paixões que definem muito do que que somos: a escrita, as viagens e a fotografia. Desde 2004 que a paixão pelas viagens começou a ser partilhada com um grupo
pequeno e fiel de leitores através de crónicas que juntavam os três elementos. Era o germe das Crónicas de “Um” VagaMundo que ganhou verdadeira expressão em 2009 com a criação do blog.
O passo definitivo para a realização do sonho que pauta o nosso percurso foi tomado em 2013 quando nos aventurámos no Caminho de Santiago, uma odisseia de 800km a pé. Sem o sabermos ainda, escrever um livro passaria de um sonho para se tornar realidade. Essa experiência marcante de vida materializou-se no livro “Caminho do Amor: Diário de um Caminho a dois rumo a Santiago” onde o Amor, nas suas mais diversas facetas, tem o papel de protagonista. Na sinopse do livro lê-se: “O Caminho é composto por uma infinidade de minúsculos mosaicos feitos de encontros e desencontros, rascunhados de estórias de vida, pincelados de sorrisos e lágrimas, esboçados de sonhos e medos, moldados por conquistas e derrotas, adornados por sinais, abrilhantados de Amor. Foram dias únicos, irrepetíveis, incomparáveis.” São as poucas palavras que encontrámos para sumarizar os milhares que encontraram registo no livro. Contudo, muitas mais pululam ainda nas nossas mentes.
Escrever é uma aventura. Quando pensamos em aventura, associamos imediatamente a empreender uma ação arriscada e até mesmo perigosa. É o que nos diz o dicionário. Consequentemente, dizemos dos aventureiros que tomam riscos e incorrem em perigos fora do comum, muitas vezes por impulso insensato. Desse mesmo dicionário consta que aventura é também um acontecimento extraordinário ou imprevisto. Metade da nossa vida a dois pode ser traçada nos moldes desta definição. No entanto há um significado escondido que só na etimologia da palavra encontra explicação: do Latim “ad venture”, aquilo que que está por vir. E este é um significado que nos faz todo o sentido, pois “por vir” estão ainda muitas aventuras com o mundo fascinante das palavras.
Alexandre e Anabela Narciso
Sem comentários:
Enviar um comentário