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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

"Travessia de Verão" de Truman Capote

Estava curiosa com esta obra de Truman Capote, editada postumamente e escrita quando o autor ainda novo e posta de lado. Dele só li A Sangue Frio, que gostei muito, e daí a minha curiosidade. Sabendo que teria sido escrita, segundo li, quando teria aí uns 19 anos, estava consciente que, provavelmente não iria gostar tanto quanto o livro anterior.

E se na realidade assim foi, o que é certo é que entrei na história muito rapidamente o que para mim é uma mais valia grande. Grady McNeil, uma jovem de 17 anos, aproveitando uma viagem de seus pais resolve gozar o verão quente de Nova Iorque com o seu namorado recente e secreto. De classes sociais bem diferentes, Grady sente essas diferenças mas busca novidade e pretende rebelar-se sobretudo contra os pais e suas convenções sociais. As dúvidas existem e o leitor apercebe-se disso. A tensão sente-se também porque Truman consegue passar  para o leitor as diferenças de sentimento entre Clyde e Grady. Grady questiona-se interiormente. O ambiente social encontra-se, de igual modo, bem descrito, numa tensão entre mãe e filha, uma desejando controlar, outra desejando a independência própria da idade.

 Li sem no entanto me sentir marcada por esta obra. Com a minha memória de galinha e ao escrever esta opinião passados já bastantes dias pergunto-me "como foi mesmo o final?" Fui reler. ;)

Terminado em 1 de Outubro de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse
Obra póstuma e inédita, "Travessia de Verão" é um primeiro romance precoce e seguro que mostra o sentido implacável de narração de um dos maiores escritores do século xx. Os seus fraseados imaculados, a sua crua ironia e a sua visão das subtilezas das diferenças de classe anunciam os futuros triunfos de Capote.

Digno de um lugar em qualquer estante de um leitor de Capote, este é, em todos os sentidos, um tesouro perdido e reencontrado.

Truman Capote nasceu em Nova Orleãs em 1924. Aos 17 anos trabalhava já como jornalista na revista The New Yorker. Em 1945 abandona a revista e publica o conto Miriam, na revista Mademoiselle, premiado com o Prémio O’Henry e que lhe valeu o aplauso, sem reservas, da crítica. Em 1948 publica o seu primeiro romance "Other Voices, Other Rooms", uma das primeiras obras em que se expõe abertamente o tema da homossexualidade.
A sua obra inclui, entre outros, o famoso romance "Breakfast at Tiffany’s" (1958), adaptado ao cinema num filme com Audrey Hepburn. "A Sangue-Frio", publicado em 1966, obteve um êxito estrondoso e gerou intensa polémica. É considerado a sua obra-prima, e iniciou um género denominado pelo autor como romance de não-ficção.

Cris

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

"Triste Tigre" de Neige Sinno

Já tinha lido e ouvido críticas muito boas sobre este livro. O tema, infelizmente, é sempre actual. A autora narra partes da sua vida, do abuso sexual que sofreu cometido pelo seu padrasto. Era miúda, tinha por volta dos 9 anos. Por isso não teve consciência do que lhe estava a acontecer.

A leitura desta obra é dolorosa, crua. Mas a sua escrita não foi fácil e isso transparece em cada linha escrita. Escrever torna-se necessário para ela. Ir ao fundo da sua memória, recordar, não deve ter sido fácil pese embora o leitor ao lê-la sente que nunca foi um assunto resolvido. Por isso a análise que a autora faz, dissecando os motivos, lembrando os acontecimentos numa tentativa de compreender a maldade a que foi sujeita. 

A literatura foi uma forma que encontrou de fazer uma catarse, de seguir a vida em frente. Uma obra autobiográfica diferente das que tenho lido onde se mesclam memórias e reflexões sobre o sucedido que fazem o leitor pensar sobre. Muito para além de narrar o que lhe aconteceu, a autora tenta mostrar como isso afectou a sua vida e lhe condicionou os caminhos, muito embora tenha combatido com resistência, arduamente, o sentimento de culpa que toda a vítima sente indevidamente. 

Não pude deixar de admirar como, já adulta, teve coragem de contar à mãe, enfrentá-la e acusar judicialmente o padrasto. Espantei-me também com os "motivos" invocados por este. É que há gente muito doente mesmo!!!

O trauma transformado em literatura, sabiamente. A escrita é intensa, honesta e dura. Neige Sinno soube dar voz, através da literatura, ao que silenciou durante anos. Leitura que, mais do que nos fazer pensar, pode ajudar outras pessoas que, calando, abafam a dor. 

Cita Annie Ernaux e Marguerite Duras, duas escritoras que abordaram traumas através da sua escrita.

Gostei muito e recomendo.

Terminado em 29 de Setembro de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse
A memória é vívida, mas essa memória tingiu todas as outras imagens, todos os acontecimentos, a vida.
Neige Sinno teria sete ou nove anos - a cronologia exata, essa, também está turva - quando o padrasto começou a abusar dela.
No corpo de Neige, em tudo o que é matéria ou espírito da mulher que se tornou, a memória exata do abuso permanece.
Calada, aos 19 anos, decide quebrar o silêncio, denuncia o agressor, passa pelo julgamento público, sai de França, depois da condenação.
E, depois, há este livro, que não queria escrever.
E, depois, há o passado que a alcança - e a certeza de que é preciso fazê-lo.
Este livro não é a história de uma criança que foi abusada; é a procura incessante e obstinada de Neige para encontrar a verdade sem adornos, por conseguir ouvir a sua voz real, por no-la fazer escutar, sem esquecimento, sem perdão, sem resiliência.
Neste lugar de intimidade, onde só ela e nós habitamos, não há Lolitas, não há reparação de danos, não há a retórica da vítima.

Em Triste Tigre - que Annie Ernaux disse ser o livro mais poderoso e profundo que alguma vez leu sobre uma criança devastada por um adulto -, há palavras exatas, há ternura, há violência, há a urgência de testemunhar coletivamente.
Porque, no silêncio e na solidão, o abuso acontece, mas o espaço físico que ocupa é o do resto da vida, e a sua dimensão negra torna-se um duplo que se sobrepõe a tudo.
Dialogando com os grandes nomes da literatura que mergulharam nesta dimensão, Neige Sinno escreveu um dos mais extraordinários, inclassificáveis e premiados livros dos últimos anos.

Cris

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

"O Garden-Party" de Katherine Mansfield

Pequeno conto que se lê num ápice. A minha versão possui somente este conto mas ele foi publicado primeiro numa colectânea.

A trama gira à volta da preparação de uma festa que vai ocorrer na casa da filha de um casal da classe alta, no início do séc. XX talvez na Nova Zelândia de onde era a autora. A descrição da casa, do jardim, dos empregados e dos preparativos para a festa, do vestuário das senhoras, tudo leva a crer que se trata de uma casa de alguém com posses. Mas nesse dia surge um "contratempo" que muito irrita a mãe de Laura e que pode, de alguma forma, afectar a festa: a morte acidental de um operário pobre de um bairro vizinho. Laura apercebe-se e sente esse desconforto, dado que a sua consciência ainda não está formatada e alinhada com os parâmetros da alta sociedade. 

Lê-se bem este conto. A crítica subjacente está lá para ser descoberta pelo leitor embora não seja explícita.

Gostei mas, como todos os contos que li até agora, achei que algo ficou por acabar. Mas isso sou eu que não sou leitora de contos.

Terminado em 23 de Setembro de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse
Está um dia quente e sem vento quando a família Sheridan se prepara para fazer uma festa no seu jardim. Mas enquanto Laura, uma das filhas, se ocupa da organização do evento, notícias sobre a morte de um vizinho ameaçam a celebração. 

Cris


quinta-feira, 9 de outubro de 2025

"Hiroshima " de John Hersey

Quem nunca ouviu falar de Hiroshima e do bombardeamento ocorrido em 6 de Agosto de 1945?

Acho que todos têm uma pequena noção da gravidade do que aconteceu mas muito poucos possuem uma real perspectiva do sucedido. Na verdade, com a leitura deste livro fiquei a saber o quão ignorante eu era em relação às implicações que esta bomba teve nos que lhe sobreviveram.

Com o nome de código "Little Boy", a bomba atómica foi lançada pelo bombardeiro B-29 Enola Gay  sobre Hiroshima, no Japão, às 8:15 hora locais, sob ordem do presidente americano, Harry Truman, com o intuito de forçar a rendição do Japão, aliado dos alemães na II Guerra Mundial. O aniquilamento e destruição que provocou foi inimaginável. 70 a 80 mil pessoas morreram instantaneamente. Até ao fim do ano o número de mortes aproximou-se dos 140 mil devido às queimaduras e radiações sofridas.

Três dias depois, em 9 de Agosto às 11 da manhã, Nagazaki foi também bombardeada. A 15 de Agosto o Japão rendia-se.

A população não soube durante muito tempo o que tinha acontecido e as especulações foram muitas. O autor, jornalista de profissão, entrevistou seis sobreviventes e faz aqui um relato das suas vidas no momento do impacto bem como durante os anos seguintes. O livro foi primeiramente publicado numa revista. Num tom sóbrio, jornalístico, a obra tem um impacto muito grande no leitor pela proximidade que se gera entre este e os personagens. Em 1985 o autor publicou um posfácio onde descreve a vida destes seis sobreviventes nos anos seguintes.

Apesar do sucedido, da devastação impressionante e das doenças e mortes provocadas pela bomba e suas radiações, os testes nucleares continuaram e continuam em diferentes partes do mundo. O Homem é perito em esquecer e forte em repetir a História. "A memória dele (um dos personagens), como a do mundo, começara a claudicar." pág 203.

Impressionante leitura. O livro encontra-se esgotado por isso aconselho uma ida às bibliotecas para o requisitarem, como fiz. Vale a pena esse esforço.

Terminado em 22 de Setembro de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse
Hiroshima é a obra mais conhecida do jornalista e escritor norte-americano John Hersey. Hoje um clássico, este livro remete-nos para uma reflexão acerca do papel exercido pelos avanços da tecnologia na civilização moderna, dando voz ao ponto de vista das vítimas do primeiro bombardeamento atómico da História. A narrativa de Hersey é completada por um estudo sobre as repercussões actuais das bombas atómicas americanas.

Cris 


terça-feira, 7 de outubro de 2025

"Pés de Barro" de Nuno Duarte

Que livro bom de se ler! Confesso que estava renitente porque, à primeira vista, a sinopse não me interessou por aí além. Um livro sobre a construção da Ponte 25 de Abril, na época chamada de Ponte Oliveira Salazar? Pois, estava bem errada. Que escrita simples, directa, sem floreados e, no entanto, tão apelativa, que nos reporta de imediato para os anos 60, para um Portugal fechado em si mesmo, com leis e regras que hoje poucos se lembram mas que dominavam o povo. O medo escondido nas palavras que se diziam, as acções vigiadas, os ouvidos à escuta porque palavras fora das normas poderiam significar problemas graves. E o medo, sempre o medo.

A narrativa é lenta, cheia de pormenores que desconhecia ou já não me lembrava que me fizeram duvidar da sua existência e constatar, depois de procurar na Net, que se tratavam de factos verídicos. Que maravilha! Aprender ou recordar, que delícia!

O protagonista é um jovem serralheiro de nome Victor Tirapicos, de 22 anos, que acaba de sair da prisão onde esteve dois anos. O motivo da sua entrada num estabelecimento prisional? O roubo de batatas devido à fome que sentia!!! E é através da sua vida que mergulhamos num ambiente onde a desigualdade e a pobreza imperam. A esperança de uma vida melhor funde-se e desaparece, no quotidiano duro. Victor parte para Lisboa para arranjar emprego na construção da Ponte sobre o Tejo e vai morar num bairro típico de Alcântara, bairro onde os pés da ponte assentaram. Paralelamente a essa obra de construção inovadora, a partida de cada vez mais jovens para a Guerra Colonial e, também, a chegada de alguns desse horror, com todos os problemas inerentes.

Foi uma obra que me deu muito prazer ler. Recomendo.

Terminado em 19 de Setembro de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse
Um retrato poderoso e simbólico do fim de um regime, uma história de dificuldades e esperança que bem podia ter acontecido… Estamos em 1962, num país orgulhosamente só, e vem aí a construção da primeira ponte suspensa sobre o Tejo, para a qual vão ser precisos cerca de três mil homens. A obra irá mudar para sempre a paisagem da capital, muito especialmente para quem vive em Alcântara, como é agora o caso de Victor Tirapicos, instalado na casa dos tios depois de ter envergonhado o pai com dois anos de cadeia só por ter roubado pão e batatas para fintar a miséria. É, de resto, pelos olhos deste serralheiro de vinte e dois anos que veremos a ponte erguer-se um pouco mais todos os dias e, ali mesmo ao lado, partirem os navios cheios de rapazes para a guerra do Ultramar, donde muitos acabarão por voltar estropiados, endoidecidos ou mortos. Porém, apesar de a modernidade parecer estar a matar a vida e os costumes do pátio operário onde convivem (amigavelmente ou nem tanto) uma série de figuras inesquecíveis – entre elas o mestre sapateiro que faz as chuteiras para o Atlético Clube de Portugal e um velho culto que aprende a desler –, Victor Tirapicos encontra o amor de uma rapariga que é muda mas consegue escutar o planeta, pressentindo a derrocada da estação do Cais do Sodré e outra catástrofe ainda maior, que se calhar tem pés de barro e só acontece neste romance, mas bem podia ter acontecido. «UM RETRATO MUITO DINÂMICO E VIVO DO PORTUGAL DOS ANOS 1960.» Manuel Alegre, Presidente do Júri 

Cris