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segunda-feira, 29 de setembro de 2025

"A Vegetariana" de Han Kang

Queria há muito ler esta autora, vencedora do Nobel em 2024, porque, desde que este livro foi publicado cá em Portugal, tenho ouvido e lido opiniões sobre ele tanto positivas como negativas. E queria tirar a prova dos nove...

O livro está dividido em três partes e cada uma delas possui um narrador diferente. Através desses narradores é-nos contada a história de Yeong-hye, uma mulher que vive em Seul, que decide de um momento para o outro não comer carne, após um sonho terrível e do qual nada sabemos. 

A primeira parte é narrada pelo marido. É um capítulo bastante violento e perturbador em que se vai verificando o quão impotente é Yeong-hye perante a vontade férrea do marido e do pai em contrariá-la.

Aliás, a violência está presente nos restantes capítulos narrados pelo cunhado, que a vê somente como instrumento dos seus desejos e fantasias e não como mulher, e, a última parte, pela irmã que a interna num hospício e assiste à sua decadência física e mental.

Este olhar sobre uma personagem visto e contado por outras pessoas é muito revelador do carácter dos narradores presentes nesta obra. Por isso, acho que, embora esta história seja sobre esta mulher, a personalidade dos narradores está tão ou mais presente que os traços de Yeong-hye.

Se gostei? Li com interesse mas achei que os temas referidos foram tratados com uma violência extrema que impressiona o leitor. Algo desnecessário, creio. Desconfortável. Achei, também, que o motivo pela qual a personagem principal se tornou vegetariana não foi convenientemente explicado deixando essa explicação pendente todo o livro sem que houvesse um esclarecimento final. Quero, no entanto, ler "Actos Humanos", outro livro publicado pela autora, cujas opiniões são mais concordantes.

Terminado em 7 de Setembro de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse
Uma combinação fascinante de beleza e horror.
Ela era absolutamente normal. Não era bonita, mas também não era feia. Fazia as coisas sem entusiasmo de maior, mas também nunca reclamava. Deixava o marido viver a sua vida sem sobressaltos, como ele sempre gostara. Até ao dia em que teve um sonho terrível e decidiu tornar-se vegetariana. E esse seu ato de renúncia à carne – que, a princípio, ninguém aceitou ou compreendeu – acabou por desencadear reações extremadas da parte da sua família. Tão extremadas que mudaram radicalmente a vida a vários dos seus membros – o marido, o cunhado, a irmã e, claro, ela própria, que acabou internada numa instituição para doentes mentais.

A violência do sonho aliada à violência do real só tornou as coisas piores; e então, além de querer ser vegetariana, ela quis ser puramente vegetal e transformar-se numa árvore. Talvez uma árvore sofra menos do que um ser humano. Este é um livro admirável sobre sexo e violência – erótico, comovente, incrivelmente corajoso e provocador, original e poético. Segundo Ian McEwan, «um livro sobre loucura e sexo, que merece todo o sucesso que alcançou».

Na Coreia do Sul, depois do anúncio do Man Booker International Prize, "A Vegetariana" vendeu mais de 600 000 exemplares. Aplaudido em todos os países onde está traduzido, é um best-seller internacional. 

Cris 



sexta-feira, 26 de setembro de 2025

"Os Últimos Sete Meses de Anne Frank" de Willy Lindwer

Quando pensava que já tinha lido tudo sobre Anne Frank eis que me surgiu este livro numa prateleira de uma casa onde me encontrava de férias... A sinopse despertou a minha curiosidade e li-o de enfiada. 

É uma leitura muito dura e crua nos seus relatos. Não apela ao sentimento mas somos invadidos pelo horror que estes testemunhos nos trazem. O autor entrevistou seis raparigas judias que se cruzaram na vida de Anne e que nos contam o que sofreram, bem como situações em que passaram momentos juntas. Claro que são relatos que dependem da memória e, como tal, podem estar incompletos mas o leitor pode perceber qual o percurso que Anne e a sua família tiveram depois de terem sido descobertos e presos pelos nazis em Agosto de 1944 até à sua morte no início de 1945.

São testemunhos em primeira mão que impressionam deveras, recolhidos enquanto estas testemunhas ainda estavam vivas. Como será fácil perceber não há muita informação sobre Anne enquanto prisioneira nos campos por onde passou mas não é difícil perceber que as condições não seriam melhores que as relatadas por estas seis mulheres.

Livro de não ficção que recomendo muitíssimo. Duro mas necessário!

Terminado em 4 de Setembro de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse
O extraordinário diário de Anne Frank tem vindo a comover milhares de leitores em todo o mundo, sendo um testemunho pungente e humano da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, sabe-se muito pouco da vida desta jovem após a sua captura, a 4 de agosto de 1944, e posterior envio para os campos de concentração. Como suportou ela a brutalidade do regime nazi? As respostas sãonos dadas, neste livro, pelas mulheres cujas vidas se cruzaram com Anne Frank em Westerbork, Auschwitz e Bergen-Belsen.
Willy Lindwer, cineasta holandês, realizou um documentário televisivo intitulado "Os Últimos Sete Meses de Anne Frank", pelo qual recebeu um Emmy. Impressionado com as entrevistas que levou a cabo com seis mulheres que viveram e partilharam com Anne Frank os dias de horror nos campos de concentração nazis, Lindwer decidiu publicá-las integralmente, dando origem a este livro.

Cada uma das seis entrevistadas tem uma história extraordinária para contar - exemplos de um terror inimaginável, mas, simultaneamente, histórias de coragem e compaixão.
A vida de Anne Frank terminou pouco antes do seu décimo sexto aniversário. Estas mulheres tiveram mais sorte. Sobreviveram.

Cris 


quarta-feira, 24 de setembro de 2025

"O Alienista" de Machado de Assis

Livro pequeno de um autor que nunca tinha lido mas que não me marcou por aí além. É certo que a história remete-nos para a linha ténue que separa a razão da loucura e faz-nos reflectir sobre esse tema. Quem dita quem está são ou quem está louco? Que limites separam esses dois conceitos?

Simão Bacamarte é o protagonista desta história. Circulam em seu redor outros personagens que em tudo dependem dele. Médico, estudioso dos aspectos da "loucura" no indivíduo, propõe-se analisar numa pequena terra quem estaria apto a circular livremente e quem necessitaria de internamento. Só que, após ter construído um hospício, começa a levar cada vez mais habitantes do pequeno lugarejo, alegando que as pessoas ditas normais são os verdadeiros doentes...Entre os habitantes começam a gerar-se tumultos, revoltas e reviravoltas.

Se gostei? Nem por isso, embora tenha lido até ao fim na esperança que algo de novo surgisse. Achei pouco verosímil e a história não me atraiu.  

Terminado em 28 de Agosto de 2025

Estrelas: 3*

Sinopse
Simão Bacamarte, médico, decide dedicar-se inteiramente ao estudo da loucura. Em Itaguaí, sua terra natal, funda um hospício – a Casa Verde. Apresentado o alienista, quem serão os alienados?
Autorizado pelas autoridades, passa a internar todos aqueles a quem aponta sinais de insanidade. Ninguém escapa: os que têm a mania de orar, os vaidosos, os que são demasiado gentis, os que emprestam dinheiro e até a sua própria esposa. A população revolta-se. É tempo do Dr. Bacamarte mudar o diagnóstico: afinal, loucos são os de mente equilibrada, as pessoas modestas e honestas. E se, afinal, o alienista for o alienado?

Cris

terça-feira, 16 de setembro de 2025

"James" de Persival Everett

Peguei neste livro para uma categoria de um Bingo de Verão que esteve a decorrer nas redes sociais e, sobretudo, porque tinha muito boas referências. Também ouvi dizer que seria melhor ler antes o Huckleberry Finn de Mark Twain (que li em criança e pouco me lembro) porque seria a mesma história mas desta feita contada pelo escravo James (Jim). Decidi arriscar e ler mesmo assim. Claro que após o terminus do livro fiquei com vontade  de reler o Huck mas não achei que a minha percepção da história ficasse diminuída por não me lembrar do livro referido.

Isto para vos dizer que podem pegar neste livro sem ler o outro e que se vão deliciar com o protagonista, James, um escravo instruído que aprendeu a ler às escondidas na biblioteca de um antigo senhor. Uma realidade felizmente longínqua para nós mas que nos põe a reflectir sobre as várias formas de escravidão que existem nos nossos dias.

Uma leitura que prende logo de início e de que gostei muito. Decorre juntos às margens do rio Mississipi, no sul dos Estados Unidos por volta de 1861, antes do início da guerra civil que colocou o Norte (abolicionistas) contra o Sul (esclavagistas).

"Como é que ele havia de saber que eu estava mesmo a ler? Eu podia simplesmente dizer que estava feito parvo a olhar para as letras, a imaginar qual seria o significado. Como é que ele haveria de saber? Nesse momento tive a absoluta e nítida consciência do poder da leitura. (...) Era algo totalmente íntimo e totalmente livre e, por essa razão, totalmente subversivo."

Na História dos povos a falta de instrução foi sempre um dos meios utilizados e privilegiados de poder,  para controlar o pensamento. Hoje temos a juntar a esse factor, que felizmente tem menor peso, a falta de acesso a uma informação livre.

James quer ser livre e é na sua fuga que o leitor se vai apercebendo dos seus dilemas e da sua inteligência. Fala duas "línguas": a dos escravos e a dos senhores e é com as duas que nos vamos apercebendo da sua perspectiva em relação ao seu amigo Huck, à escravatura e à liberdade pretendida.

Está-me a parecer que vou gostar mais da forma como este personagem foi criado e retratado do que o escravo Jim do livro de Huckleberry Finn mas logo vos direi...

Se puderem não deixem de ler esta obra. Vale muito a pena!

Terminado em 25 de Agosto de 2025

Estrelas: 6

Sinopse
Quando o escravo Jim ouve rumores de que será vendido a um homem de Nova Orleães e para sempre separado da mulher e da filha, decide esconder-se na ilha de Jackson e conceber um plano. Inesperadamente, vê aparecer o jovem Huck Finn, que acaba de fingir a própria morte para escapar às mãos do pai violento. Mais de um século depois de Mark Twain ter escrito As Aventuras de Huckleberry Finn, elas são agora retomadas por Percival Everett, que lhes muda o ponto de vista. Quem é Jim? Quais as suas paixões? E até onde está disposto a ir para vingar os seus? James é uma reinvenção brilhante de um clássico da literatura mundial, ferozmente divertido e provocador, e uma lição notável sobre o poder da linguagem, pelas mãos de um dos mais aclamados autores norte-americanos da atualidade.

Cris 

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

"Inyenzi ou as Baratas" de Scholastique Mukasonga

Ruanda, 1959. Genocídio. Mais um numa História cheia de momentos vergonhosos. Porque é que o Homem, na sua ânsia de poder, não fica satisfeito com nada nem olha a meios para obter o que pretende?

ESTE LIVRO É DURO. Narrado pela autora; não ficção. Este livro é pois uma memória autobiográfica da sua infância e da altura em que a sua família foi deportada para Nyamata em 1960, sítio inóspito e sem condições. A partir daí foram-se acumulando os ataques a membros da sua família, amigos e vizinhos e que culmina num genocídio. A autora conseguiu fugir para o Burundi e posteriormente para  França, onde vive.

Inyenzi significa "baratas" e é usado  de uma forma depreciativa contra os Tutsis. Dirigido a alguém que pode ser esmagado sem dó nem piedade.

"E as mães tremiam de angústia ao trazerem ao mundo um rapaz que se tornaria Inyenzi e que seria lícito humilhar, perseguir e assassinar com toda a impunidade. Estávamos cansados e por vezes cedíamos ao desejo de morrer. Sim, estávamos prontos a aceitar a morte, mas não aquela que nos foi dada. Éramos Inyensi, havia apenas que nos esmagar como baratas, de um só golpe. Mas retirou-se prazer da nossa agonia. Fez-se prolongar essa agonia com suplício intoleráveis, por prazer. Retirou-se prazer em retalhar as vítimas ainda vivas, em esventrar as mulheres, em arrancar os fetos. E esse prazer é-me difícil perdoar, vejo-o sempre diante de mim como um escárnio ignóbil." pág.123

Numa linguagem desprovida de sentimentalismos e muito crua, Scholastique conta o que viveu e mostra-nos os seus fantasmas e todas as suas feridas impossíveis de curar. Intenso e doloroso. Estrelas máximas para um tema terrível, onde o Homem mostrou o seu pior. Como se consegue ser resiliente e arranjar forças para sobreviver perante uma barbárie? Como se consegue voltar a pisar a terra onde o sangue dos familiares está entranhado na terra?

Aconselho muito.

Terminado em 21 de Agosto de 2025

Estrelas: 6* 

Sinopse
Quando uma mulher tútsi tomava conhecimento de que estava para ser mãe, a angústia arrasava-lhe a felicidade: sabia que, pelo formato do seu nariz, o aspeto do seu cabelo, o seu local de nascimento, aquele bebé estaria destinado a tornar-se, aos olhos do seu país, um Inyenzi – uma barata.

Foi esta a designação dada aos tútsis do Ruanda durante décadas e foi com o argumento de que aquele povo mais não era que um inseto desprezível que a violência ganhou gradualmente rédea solta, até 1994, quando em cerca de cem dias perto de um milhão de pessoas foram brutalmente assassinadas.

Entre elas, quase toda a família de Scholastique Mukasonga.

Anos mais tarde, em França, Mukasonga vê-se rodeada por fantasmas que a impelem a escrever, a salvar do apagamento a história daqueles que já não a podem contar e a testemunhar como foi crescer constantemente entre o medo e o carinho extremos.

Inyenzi ou as Baratas é um documento duro e enternecedor, uma carta de amor repleta de feridas impossíveis de sarar, uma memória pessoal que importa enfrentar coletivamente.

Cris

terça-feira, 9 de setembro de 2025

A Convidada escolhe: “Memória de uma Epifania”

Memória de uma Epifania” – Maria João Vaz, 2023

Conheci a Maria João Vaz numa sessão promovida pelo Bloco de Esquerda em Coimbra, no início de Março, no âmbito do II Fórum LGBTQI+. No final da sessão comprei o livro “Memória de uma Epifania” à autora, mas só agora o li, depois de ter lido “As Malditas” de Camila Sosa Villada.

Acho que André Tecedeiro consegue, no prefácio, sintetizar muito do que gostaria de aqui escrever sobre o livro: “É um livro claro, generoso e honesto. Acima de tudo, é um livro necessário” (pág. 7). E mais à frente acrescenta: “De uma forma geral, as pessoas sabem pouco sobre o que é ser trans, e o que julgam saber está cheio de equívocos.” (pág. 8).

Muito diferente de “As Malditas”, este livro surge do desejo de Maria João Vaz escrever um texto para um espectáculo de teatro que falasse da sua vida e da sua realidade, ou seja, daquilo que ela conhece melhor, projecto esse que, entretanto, evoluiu para a presente autobiografia. No fundo, Maria João Vaz sentiu necessidade de partilhar a sua experiência de mulher trans numa sociedade ainda muito alheada dessa realidade. A autora é exaustiva na partilha das suas memórias desde a mais tenra idade: a vida com os pais, os irmãos e irmã, o colégio execrável que frequentou durante sete anos, as idas à Feira Popular, o fascínio da neve e das lojas de brinquedos, mas também o desconforto desde sempre entre ela e as outras pessoas, que a levava ao isolamento, buscando a solidão e o silêncio. Nunca os pais revelaram capacidade nem sensibilidade para ver que ela era diferente, nem os próprios médicos descortinaram a origem dos ataques de pânico na escola, que para ela foi um lugar de humilhação, de prepotência e de desrespeito pelos direitos das crianças. Ao longo da vida e desde criança fez inúmeras viagens com a família, as quais reconhece não conseguir desfrutar na plenitude, mas que lhe deram uma base cultural e uma visão do mundo que é muito patente em todo o livro. O gosto secreto de vestir roupas femininas, a paixão e/ou identificação com outras mulheres mais velhas gerava nela um sentimento de culpa, de que vivia uma vida de fachada, de mentira. Para além do imenso amor pelas três filhas da sua relação com uma mulher por quem se apaixonou, os animais, e sobretudo os cães e cadelas que teve ao longo da vida, foram certamente os maiores amores da sua vida. Com formação artística na área do teatro, Maria João Vaz fez teatro, telenovelas, cinema, dobragens de filmes de animação, foi música, tendo tocado trompete no Hot Club e é escultora autodidacta . Foi uma mulher dos sete instrumentos, agarrando tudo o que podia para viver e sobreviver, num mundo que muitas vezes lhe virou as costas, a usou, foi falso e hipócrita. Mas Maria João era mulher com um sentido profundo da vida e uma busca incessante do equilíbrio e do direito a ser feliz.

Até que se dá a epifania em 2018. Maria João é muito precisa e descreve todo o seu processo de descoberta e de coming out em relação à família e ao mundo. Após cinquenta anos de condicionamento pessoal e social, descobre-se e encontra o seu verdadeiro eu. Uma epifania é sempre algo de mágico, de verdadeiramente novo, de maravilhoso, mas este processo não foi sem custos e sofrimento, significou também muita solidão e confronto com algumas pessoas que considerava amigas. Maria João Vaz partilha connosco este seu processo e embora tenha ocorrido tardiamente na sua vida, volto ao prefácio de André Tecedeiro, um homem trans, e transcrevo: “Não há solidão comparável à de vivermos longe de nós”. (pág. 7)

Num tempo em que as questões de género e a comunidade trans estão sob ataque mortal por parte da direita e extrema-direita, o conhecimento da realidade e da diversidade deverão gerar empatia e a quebra de preconceitos que se baseiam sobretudo na ignorância. Maria João Vaz foi muitas vezes aos EUA, país que sempre lhe provocou enorme atracção e até vontade de ser lugar para viver, mas, a certa altura, fruto dos ventos conservadores que dali sopram, escreve que hoje já tem pouca vontade de lá voltar. Compreende-se e lamenta-se que o mundo esteja a virar-se para o conservadorismo mais abjecto.

À autora e à coragem que reflecte ao longo deste livro autobiográfico, o meu respeito e solidariedade. A luta continua!

15 de Julho de 2025

Almerinda Bento



quinta-feira, 4 de setembro de 2025

"Eu Tituba, Bruxa... Negra de Salem" de Maryse Condé

Há livros que habitam nas minhas estantes durante muito tempo mas que depois algo os catapulta para as minhas mãos, subitamente. Desta feita foi uma categoria do Bingo de Verão do clube de leitura a  que pertenço (um dos...). 

Com uma capa que aprecio muito, esta obra é da  Maldoror, editora creio que pouco conhecida, mas que possui títulos muito interessantes. Este livro é um deles e merece destaque.

Não é a primeira vez que leio não ficção sobre a caça às bruxas de Salém, ocorrida em 1692 em Salém, Massachusets (EUA) e esta narrativa teve por base a existência de uma mulher negra, acusada de bruxaria, Tituba. Tudo começou quando algumas crianças começaram a ter comportamentos estranhos aos quais os médicos declararam ser obra de bruxaria. A histeria foi de tal ordem que foram acusadas perto de 200 pessoas. Tituba e mais duas mulheres foram as primeiras.

Mas esta história não começa aqui e o leitor vai até Barbados, Antilhas O livro começa de uma forma muito impactante:

"Abena, a minha mãe, foi violada por um marinheiro inglês na ponte do Christ the King, num dia de 16**, enquanto o navio se dirigia para Barbados. Foi dessa agressão que nasci. Desse acto de ódio e desprezo." pág 11

A narrativa é efetuada na primeira pessoa, como se fosse a própria Tituba a contar a sua vida, desde a sua infância em Barbados. Temas como o racismo, a escravatura estão fortemente tratados pelo que é um livro com uma forte crítica social e política.

Não se sabe ao certo o destino de Tituba e a autora, livremente, ficcionou uma história que fez o meu agrado e que fará o vosso certamente! Leiam!

Terminado em 18 de Agosto de 2025

Estrelas: 6

Sinopse

Eu, Tituba, Bruxa... Negra de Salem foi publicado pela primeira vez em 1986, e conta a história de Tituba, mulher negra, escrava, julgada e condenada no célebre julgamento das bruxas de Salem, de 1692. Maryse Condé traz-nos a incrível história desta mulher, valendo-se da imaginação para compor os pormenores que o tempo ocultou, e recorrendo aos mesmos fios que tecem e orientam toda a sua obra literária: a escravatura, a influência do colonialismo na cultura e na história das Antilhas, as raízes africanas, a condição feminina e a condição do negro no mundo.

Cris

terça-feira, 2 de setembro de 2025

A Convidada escolhe: “As Moscas de Outono”

As Moscas de Outono” – Irène Némirovsky, 1931

Num espaço de um mês este é o segundo livro que leio desta escritora ucraniana de ascendência judia que faleceu prematuramente num campo de extermínio nazi em 1942. Como já em publicação anterior sobre “O Baile” referi, esta repetição e revelação deveram-se à escolha desta autora e do livro “As Moscas de Outono” para o encontro de Junho do Clube de Leitura de Leia Mulheres Lisboa.

Também este é um pequeno livro, muito conciso, que conta a história dos Karine que, de alguma forma, tem paralelismo com a vida de Irène Némirovsky. Trata-se de uma família abastada que tem de fugir na sequência da revolução russa, passando por Odessa, Marselha e finalmente Paris, que vive nessa altura a chegada da primeira vaga de emigrantes russos. A família Karine vive numa casa insalubre, mas, com o tempo, vai-se habituando à cidade, ao clima e à população, apesar de as condições de vida no exílio em nada se assemelharem às que deixara na Rússia. No entanto e como é apanágio de quem é forçado a exilar-se, a adaptação não é sem dor e nos diálogos dos diversos membros da família Karine perpassa o desespero, a tristeza, a saudade. “A vida, insensivelmente, organizava-se” (pág. 78), eles tinham as suas rotinas “jantavam à pressa, deitavam-se e dormiam sem um único sonho, derreados pelo afanoso dia de trabalho” (pág. 72). “Eles, (os Karine) iam, vinham, de um muro ao outro, silenciosamente, como as moscas de Outono, quando o calor, a luz e o verão aparecem, voam penosamente, exaustas e arreliadas, contra os vidros, arrastando as asas mortas” (pág. 52). Ao contrário, Tatiana Ivanovna que era ama da família há 51 anos, não consegue adaptar-se à mudança e vive do passado, da sua amada terra, das recordações e da saudade dum tempo que terminou. Sobretudo, faltava-lhe a neve da sua terra distante. “A velha sorria, fechou os olhos. Tinha nascido numa zona rural, longe dos Karine, no norte da Rússia, e para ela nunca havia demasiado gelo nem demasiado vento.” (pág. 25). A incompreensão de Tatiana por atitudes da jovem Loulou “És demasiado velha, não podes compreender” (pág. 60) e até a forma como a família encarava o assassinato ainda recente de Youri “uma tristeza enregelada” (pág. 63) fazem da velha ama uma personagem singular e, quanto a mim, central nesta obra. O seu alheamento num mundo em que não se consegue integrar são a sua forma de sobreviver.

Apenas um detalhe que achei interessante. O romance começa num Natal antes da revolução, quando Youri e Cyrille partem para a guerra e Tatiana se despede deles enquanto prepara as suas malas e termina em Paris, na noite de Natal quando os Karine saem para festejar em casa de amigos deixando a velha Tatiana em casa. É um ciclo que se fecha na noite de Natal.

Este romance, com tradução do francês de Diogo Oliveira Paiva, tem belíssimas descrições de ambientes e de estados de alma e revela uma enorme capacidade da autora em analisar as pessoas, conferindo-lhes densidade e autenticidade. Tal como “O Baile”, este “As Moscas de Outono” não mede o seu valor pela quantidade das páginas. Muito bom.

1 de Julho de 2025

Almerinda Bento 

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

"Um País Sem Amor" de Yaroslav Trofimov

Foi- me recomendado este livro por uma amiga livrólica e, por acaso, tradutora do mesmo, como sendo muito bom. O tema interessou-me sobremaneira porque pouco sabia da História da Ucrânia e, assim, passou à frente da eterna pilha dos livros a ler.

Cumpriu a sua missão e foi diretamente para o quadro de honra! Muito interessante a conjugação dos factores históricos de um país que foi sempre tão devastado por guerras, mortes e fome com a história ficcionada de uma jovem judia ucraniana, Débora Rosenbaum. A cereja no cimo do bolo foi o facto de Débora ser apaixonada por literatura!

Vamos acompanhando a sua vida conjuntamente com a História da Ucrânia desde 1931 a 1954, sem que esta última seja metida à pressão! Para além de conter relatos impressionantes dos efeitos devastadores da era soviética, das consequências das acções de Estaline na vida do povo ucraniano, o leitor fica a conhecer como é viver com medo todos os dias, com as denúncias (inclusivé de familiares), com a propaganda mentirosa, os espiões, os desaparecimentos de pessoas de um dia para outro, as execuções e deportações em massa. Com os efeitos da II Guerra também.

As vivências de um povo que viveu com o medo, a fome e a morte sempre presentes nas suas vidas! A FALTA DE LIBERDADE.

Super recomendado! 

- (...)"Estamos a lutar contra a história. A história é uma animal selvagem e sedento de sangue. Está outra vez a virar-se contra este país, destruindo-o e refazendo-o. Não podemos por-nos no seu caminho sem fazê-la parar. Só podemos ter esperança de que não nos atinja com as suas garras, enquando avança à força. De que não reapare en nós. De que esmague outros. Só podemos tentar ser invisíveis. Invisíveis para sobrevivermos.

- É um mundo horrível - disse Débora. -Como ficou assim?" Pág 91 

Terminado em 10 de Agosto de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse 
Yaroslav Trofimov, nascido na Ucrânia e correspondente de guerra do Wall Street Journal, passou todo o ano de 2022 na linha da frente da invasão russa. A reportagem que daí nasceu, finalista do Prémio Pulitzer, e a memória da sua avó inspiraram este poderoso romance, ancorado na Ucrânia do século XX.

Debora Rosenbaum, uma jovem ambiciosa e apaixonada por literatura, chega a Kharkiv, a capital da nova República Soviética Ucraniana, determinada a construir o seu próprio futuro - o passado, com as suas formas obsoletas e proibitivas, ficou para trás. Mas os ideais da era soviética rapidamente se revelam ilusórios: a fome varre os campos e o menor desvio da ideologia ditada por Moscovo é punido.

Quando a Segunda Guerra Mundial lança os exércitos sobre a Ucrânia, os campos dourados de trigo tingem-se de sangue. Debora é forçada a abandonar tudo e a enfrentar escolhas impossíveis num país dilacerado por dois regimes totalitários, que se transforma no lugar mais mortífero do mundo.

Cris