Jacob está prestes a fazer 18 anos. Vive com uma tia algures no Alentejo, em Azarelhos. A mãe morreu e o pai, ausente, encontra-se a trabalhar na Noruega. Não tem facilidade de arranjar amigos mas os que tem bastam-lhe porque é através deles e da tia que retém informações que lhe são difíceis de adquirir e tem de fazer um esforço para compreender o seu significado.
Escreve apontamentos que constituem este livro, por aconselhamento do seu médico, o Dr Milagres, um dos seus amigos, como forma de se estruturar melhor. É, pois, o narrador. Escreve com humor sem que disso se aperceba, é exaustivo nas suas explicações sobre determinados assuntos, expõe-se e abre a sua alma para o papel. Vamo-nos apercebendo das suas dificuldades, sobretudo pelo entendimento literal que faz das expressões dos que o rodeiam, situações que vai descrevendo e que nos fazem sorrir, e dificuldade em compreender as emoções dos outros. Jacob é inteligente. Muito. Sabe tudo sobre os temas que lhe interessam, tem uma memória fotográfica excelente, aprende a pintar rapidamente e reproduz na perfeição quadros célebres, cálculos é com ele. É autodidata. Síndrome de Asperger, pensei e bem. Que lhe reserva o futuro?
Fiquei presa a esta escrita que tão bem traduz os sentimentos de alguém que tudo sabe e que nada sabe. Alguém que foge aos padrões estabelecidos. Para além deste tema que achei interessantemente desenvolvido e completo, uma pitada de um mistério antigo relacionado com uma morte vai-nos aguçando o interesse. Gostei muito desta leitura e recomendo! No entanto, enquanto escrevia estas linhas, questionei-me: até que ponto o facto de ser Jacob o narrador seria algo verosímil? Porém esta dúvida não tira nenhum mérito ao livro.
Coloquei tantos pos-its que foi difícil escolher algumas frases para colocar aqui. Ficam apenas estas
“E ser-se diferente também ajuda, porque, dizia-me a minha experiência, as pessoas nunca esperam muito de nós e contentam-se, quase sempre, com o pouco que lhe damos” pág. 37
“O Dr. Milagres diz que a minha dificuldade é a comunicação, mas o que vejo e sinto é que, para além de cada povo ter a sua língua, não há nenhuma palavra que não seja equívoca e não possa ter o significado que cada um lhe quiser dar. Por isso considero que viver é difícil e comunicar ainda mais.” Pág. 38
“Teria de pensar e pensar nunca foi uma coisa fácil para mim. Pensar requeria um pensamento estruturado, coisa que eu não tinha. Requeria o sentido da correlação e eu era completamente desconectado. Requeria raciocínio analógico, argumentação e juízo, predicados de que não tinha sido dotado. Eu era um tipo singular e uma aberração completa. Dizia e fazia coisa impensáveis: os meus olhos eram uma máquina fotográfica de alta precisão, os meus ouvidos um radar atómico, e a minha cabeça uma calculadora eletrónica. E, no entanto, era avesso a contactos e engasgava-me ao mais pequeno confronto com o desconhecido.” Pág. 60
“Por instantes, lembrei-me de uma frase, que a sabedoria oriental, árabe, persa e tibetana, tem por sua, mas que, nalguns sites, já vi atribuída a Lao Tsé: “Sempre tive pena de mim mesmo porque não tinha sapatos até um dia que encontrei um homem que não tinha pés.” Sou o que sou e ninguém, até hoje, me ouviu uma queixa. Para quê?” pág. 71
Terminado em 30 de Junho de 2024
Estrelas 5*
Sinopse
Jacob é um jovem esquisito, de quem a
maioria se afasta por ser diferente. É possível que seja autista,
porventura asperger, e carrega consigo o fardo da incomunicabilidade.
Possui, no entanto, três características maravilhosas que fazem dele o
ser especial que é: memória fotográfica, capacidade de cálculo
instantâneo e uma habilidade congénita para decifrar padrões.
Para além disso, tem quatro amigos.
Só quatro, mas todos especiais: o Fredo do Quim da tasca, sempre pronto a
puxá-lo para os truques de cartas; o engenheiro Isaac, com quem
partilha o amor pela natureza; o doutor Bartolomeu, um indivíduo
vagamente misterioso, que o inicia no mundo da pintura; e também um
médico, o Dr. Milagres, que, mais do que com medicamentos, o “trata” com
livros e bons conselhos.
Servida por uma linguagem fluida e
torrencial em que prevalece a ironia, A Coccinella Perfeita é uma
metáfora na definição de um objetivo e de como o alcançar.
Simultaneamente, é um romance policial de acontecimentos misteriosos e
insolúveis, ocorridos no passado, cujas consequências se projetam no
presente.
Cris
Parece ser bastante interessante. Obrigada pela recomendação.
ResponderEliminarAcredito que seja um livro muito interessante de ler. Cumprimentos poéticos
ResponderEliminar