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quarta-feira, 31 de julho de 2024

"A Coccinela Perfeita" de António da Costa Neves


Jacob está prestes a fazer 18 anos. Vive com uma tia algures no Alentejo, em Azarelhos. A mãe morreu e o pai, ausente, encontra-se a trabalhar na Noruega. Não tem facilidade de arranjar amigos mas os que tem bastam-lhe porque é através deles e da tia que retém informações que lhe são difíceis de adquirir e tem de fazer um esforço para compreender o seu significado.

Escreve apontamentos que constituem este livro, por aconselhamento do seu médico, o Dr Milagres, um dos seus amigos, como forma de se estruturar melhor. É, pois, o narrador. Escreve com humor sem que disso se aperceba, é exaustivo nas suas explicações sobre determinados assuntos, expõe-se e abre a sua alma para o papel. Vamo-nos apercebendo das suas dificuldades, sobretudo pelo entendimento literal que faz das expressões dos que o rodeiam, situações que vai descrevendo e que nos fazem sorrir, e dificuldade em compreender as emoções dos outros. Jacob é inteligente. Muito. Sabe tudo sobre os temas que lhe interessam, tem uma memória fotográfica excelente, aprende a pintar rapidamente e reproduz na perfeição quadros célebres, cálculos é com ele. É autodidata. Síndrome de Asperger, pensei e bem. Que lhe reserva o futuro?

Fiquei presa a esta escrita que tão bem traduz os sentimentos de alguém que tudo sabe e que nada sabe. Alguém que foge aos padrões estabelecidos. Para além deste tema que achei interessantemente desenvolvido e completo, uma pitada de um mistério antigo relacionado com uma morte vai-nos aguçando o interesse. Gostei muito desta leitura e recomendo! No entanto, enquanto escrevia estas linhas, questionei-me: até que ponto o facto de ser Jacob o narrador seria algo verosímil? Porém esta dúvida não tira nenhum mérito ao livro.

Coloquei tantos pos-its que foi difícil escolher algumas frases para colocar aqui. Ficam apenas estas

“E ser-se diferente também ajuda, porque, dizia-me a minha experiência, as pessoas nunca esperam muito de nós e contentam-se, quase sempre, com o pouco que lhe damos” pág. 37

“O Dr. Milagres diz que a minha dificuldade é a comunicação, mas o que vejo e sinto é que, para além de cada povo ter a sua língua, não há nenhuma palavra que não seja equívoca e não possa ter o significado que cada um lhe quiser dar. Por isso considero que viver é difícil e comunicar ainda mais.” Pág. 38

“Teria de pensar e pensar nunca foi uma coisa fácil para mim. Pensar requeria um pensamento estruturado, coisa que eu não tinha. Requeria o sentido da correlação e eu era completamente desconectado. Requeria raciocínio analógico, argumentação e juízo, predicados de que não tinha sido dotado. Eu era um tipo singular e uma aberração completa. Dizia e fazia coisa impensáveis: os meus olhos eram uma máquina fotográfica de alta precisão, os meus ouvidos um radar atómico, e a minha cabeça uma calculadora eletrónica. E, no entanto, era avesso a contactos e engasgava-me ao mais pequeno confronto com o desconhecido.” Pág. 60

“Por instantes, lembrei-me de uma frase, que a sabedoria oriental, árabe, persa e tibetana, tem por sua, mas que, nalguns sites, já vi atribuída a Lao Tsé: “Sempre tive pena de mim mesmo porque não tinha sapatos até um dia que encontrei um homem que não tinha pés.” Sou o que sou e ninguém, até hoje, me ouviu uma queixa. Para quê?” pág. 71

Terminado em 30 de Junho de 2024

Estrelas 5*

Sinopse

Jacob é um jovem esquisito, de quem a maioria se afasta por ser diferente. É possível que seja autista, porventura asperger, e carrega consigo o fardo da incomunicabilidade. Possui, no entanto, três características maravilhosas que fazem dele o ser especial que é: memória fotográfica, capacidade de cálculo instantâneo e uma habilidade congénita para decifrar padrões.

Para além disso, tem quatro amigos. Só quatro, mas todos especiais: o Fredo do Quim da tasca, sempre pronto a puxá-lo para os truques de cartas; o engenheiro Isaac, com quem partilha o amor pela natureza; o doutor Bartolomeu, um indivíduo vagamente misterioso, que o inicia no mundo da pintura; e também um médico, o Dr. Milagres, que, mais do que com medicamentos, o “trata” com livros e bons conselhos.

Servida por uma linguagem fluida e torrencial em que prevalece a ironia, A Coccinella Perfeita é uma metáfora na definição de um objetivo e de como o alcançar. Simultaneamente, é um romance policial de acontecimentos misteriosos e insolúveis, ocorridos no passado, cujas consequências se projetam no presente.

Cris

domingo, 14 de julho de 2024

"Cada Letra, Uma História" de Pedro Fernandes e Ilustração de Romont Willy


Uma história para cada letra! São histórias pequeninas de, em média, duas páginas. Divertidas algumas, outras apontam alguns medos e outras sensações que os protagonistas sentem e como lidam com elas.
Para cada título um nome próprio começado por uma letra segundo a ordem do abecedário e outro também da mesma letra, normalmente um animal ou um objecto, por exemplo: " O Igor e a iguana".
Com ilustrações alegres e coloridas que dão sentido às histórias, faz todo o sentido ler ou contar uma por dia, ou melhor, uma por noite, ao deitar.
E o melhor? Os pequenitos podem ouvir, enquanto acompanham a leitura, todas as histórias através de um sistema de acesso via QR code.
Aprendendizagem e diversão juntas num livro que aconselho para os pequeninos!




Cris

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Junho

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Junho.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Isabel 

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

Cris

quarta-feira, 3 de julho de 2024

"Cadente" de Mário Rufino

Primeiro romance deste autor. Conta-nos a relação entre uma avó e um neto. A avó, cujo neto criou e muitas "noites" perdeu à sua conta pelas preocupações que lhe foi dando ao logo do seu crescimento, vai perdendo faculdades, a sua memória, sem que o seu neto, já homem feito, se aperceba quanto.

Que maravilha de escrita tão cuidada, tão profunda na sua abordagem aos sentimentos da avó e neto ! Fiquei encantada com a sensibilidade com que este tema foi abordado, O neto que não se apercebe do declínio da avó e que depois não o quer ver, e a avó que vai sentido medo, dor e aflição por estar a perder as suas capacidades. É impossível ficar indiferente à escrita apurada, ao amor que se sente nas palavras escritas, que se adivinham próximas do coração do autor e que chega directamente ao nosso, como leitores. Adorei, na verdade. É livro que quero reler.

Um livro que recomendo muitíssimo!

"As pastas, as pastas. Um simulacro de controlo, mas nada controlamos. Por mais que obedeçamos às leis, estamos a um passo de sermos acusados pelo infortúnio. Perder o emprego seria mais um e estava perto disso. Teria de voltar à casa de partida e assumir o papel contrário, o papel de cuidador de uma criança riscada pelas rugas. O papel que não queria assumir." pág. 124

"Foste abençoada por teres sido burlada. Deus abriu as portas do teu cérebro e a corrente de ar levou tudo ou quase tudo. Mas olho para ti e sei que pouco ou nada existo. Vejo-te mas não te tenho. Partiste e o corpo não sabe." pág 162

"Entreguei-a ao portão e deixei-a com ansiedade de primeiro dia de creche. Agarrou-se aflita à minha mão, como em todas as outras primeiras vezes. -Fiz asneira? Vens-me buscar? Não tinha feito nada, o corpo é que a traía e a esquecia. Deixei-a e ela foi de mão dada com a auxiliar. Ela ia e sentava-se junto a outras crianças velhas, entalava as mãos entre as pernas trementes. Agarrava o choro por uma ponta, a vergonha puxava as lágrimas para dentro e ela afogava-se em temor de ficar sozinha, de padecer de um castigo sem culpa." pág. 194

Terminado em 25 de Junho de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

A avó é forçada a cuidar do neto, quase adolescente, quando a mãe lho entrega. Depois de ter sofrido durante a revolução (por estar «no lado errado da história»), de perder tudo e de regressar à vida, tem de cuidar de um neto que mal conhece. Quando ele entra na adolescência e na droga, ela procura um emprego duro para conseguir pagar as contas. Até que a doença muda tudo – é lenta, mas imparável. Ela precisa de cada vez mais cuidados; ele quer começar uma vida nova, mas vai percebendo que morre um pouco de cada vez que a avó se esquece das suas histórias e do seu nome. Para se resgatar, tem de lidar com o passado e com a sua própria culpa. Mais do que isso: tem de aprender a olhar para ela, ouvi-la e guardar as memórias para a salvar do esquecimento.  

Cris

 

segunda-feira, 1 de julho de 2024

"Coração-Castelo" de Raquel Ochoa

Este livro, romance finalista do Prémio Leya, foi um chamamento para os meus olhos. A sinopse agradou-me por se tratar de um assunto para mim desconhecido. No séc. XVII, por volta de 1637, cerca de 35 000 camponeses japoneses refugiaram-se no castelo de Hara, fugidos que estavam dos tributos excessivos que não lhes deixavam, sequer, víveres para sobreviverem e também fugidos da proibição de professarem o cristianismo (kirishitans). Resistiram ao longo de vários meses e foram comandados por um jovem de 16 anos a quem atribuíam poderes especiais, "milagres", e era conhecido pelo "mensageiro do céu". Esta tentativa de resistência e revolta da população ficou conhecida pela Rebelião de Shimabara. O xogunato de Tokugawa enviou uma força de mais de 125 000 tropas para combater os revoltosos e após um cerco prolongado, obtiveram a vitória, exterminando os sobreviventes. A política de perseguição formal aos cristãos continuou até à década de 1850. (Informações retiradas da Wikipédia).

Finda esta explicação histórica, que adorei conhecer ao longo destas páginas, vamos ao romance e à escrita de Raquel Ochoa. Podia ser uma "seca" contar tudo isto? Podia, mas não foi. Ao introduzir a história de uma mãe e do seu filho - Jana e Tago - que se juntaram à multidão que caminhava em direcção a Hara, uma pitada de romance e mistério foi colocada acertadamente na trama o que levou a fixar a minha atenção e a ler com muito gosto esta obra. 

Haru, um ex-samurai; Clarimundo, um missionário português; a irmã e o pai de Haru, invisual de muita idade, apimentam e completam esta trama. Segredos antigos, um fim que todos temem e que o leitor suspeita, fazem querer ler mais depressa. Mas há sempre surpresas na ficção e Jana é uma mulher lutadora, que sabe manejar armas e faz de tudo para salvar o seu filho. Que fim a aguarda?

Escrita cuidada mas simples (algumas palavras preferiria que tivessem notas de rodapé em vez de um glossário no final) que me conquistou. No meu coração permanece sempre a lembrança do primeiro livro que li desta autora em Setembro de 2010, A Casa-Comboio. Posteriormente li Mar Humano e O Vento dos Outros.

Recomendo muito se for uma temática que vos interesse, esta de um país culturalmente muito diferente do nosso.

"- Toda a vida sempre pensei que a fé é o maior dom - dizia-lhe a avó, preparando-a para o desconhecido, suspeitando não ser compreendida pela neta. -E não precisas de pôr esse ar sério, a fé ajuda-nos a imaginar o futuro.

- Que interessa o futuro? O futuro vai ser igual ao presente, que já é igual ao passado.

- O futuro é sempre melhor porque nele colocamos a esperança." (pág. 113)

Terminado em 21 de Junho de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Japão, 1637.

Com a proibição de professar o cristianismo e a imposição de avultados tributos à população, cerca de 35 000 camponeses liderados por um general-menino com reputação de fazer milagres invadiram várias fortalezas governamentais e acabaram por se refugiar na ruína do castelo de Hara.

Reconstroem-no em conjunto para resistir, ao longo de vários meses, à resposta do xogum – um cerco implacável levado a cabo pelas suas tropas.

Entre os que lutam contra a tirania, encontram-se Jana e o seu filho pequeno, bem como o ronin Haru – samurai renegado e agora ao serviço do seu povo.

Apesar do ódio mútuo inicialmente sentido, Haru não consegue ficar indiferente a essa mulher que carrega um mistério e sabe pegar em armas, nem ao ciúme provocado pela relação dela com o missionário Clarimundo, um dos poucos portugueses que ainda não deixaram o Japão.

Mas são forçados a lutar em conjunto e, no caos que só a guerra poderia causar, os sentimentos entre estas três personagens vão exacerbar-se.

Tal como no final do cerco, não existirá redenção, só a grande busca da liberdade.

E a certeza de que há vida enquanto houver amor.

Este é um extraordinário romance sobre um episódio real, que foi finalista do Prémio LeYa em 2023.

Cris