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quinta-feira, 18 de abril de 2024

“Pequenas Coisas Como Estas” de Claire Keegan

1985, pequena cidade irlandesa.

Um dos aspectos de que gosto muito na escrita de Claire Keegan é o facto de me prender à sua narrativa, logo no início das suas obras. A sua linguagem é simples, clara, sem equívocos. Mas a trama envolve-nos num crescendo ao qual não nos sentimos capazes de resistir.

Esta é uma história que poderia traduzir bem a realidade de uma família que vive numa pequena localidade irlandesa marcada pelo estigma da pobreza, muito preocupada com o seu dia a dia, os seus assuntos, tantos!, de uma família numerosa. Bill Furlog, comerciante de carvão, tudo faz para que nada falte às suas 5 filhas e sua mulher. O seu dia é ocupado com trabalho intenso e quando chega a casa, à cama precisamente, fecha os olhos e nada mais pensa. Esta vida amortecida (quase) impede-o de pensar. 

Mas anseia por mais. Esta inquietação crescente leva-o a pensar na sua infância, criado que foi unicamente pela sua mãe, sem saber quem era o pai, e na sorte que o acompanhou desde cedo porque foi criado pela patroa, com todo o carinho. Até que um acontecimento, ao qual não deu importância conscientemente, o fez questionar sobre alguns acontecimentos que decorriam na cidade e aos quais ninguém, hipocritamente, ligava. Até que ponto seria melhor fechar os olhos para bem da sua família a quem Bill quer proteger de tudo?

O leitor, juntamente com Bill, vai, aos poucos apercebendo-se do mistério que envolve a cidade. A indiferença de todos, o horror e a crueldade do que se passa atinge-nos em cheio. Expectantes, interrogamo-nos como irá reagir o protagonista. Final belíssimo, como aconteceu noutro livro que li desta autora, “Acolher”.

Um livro que nos traz interrogações. Muitas. Devem lê-o, sem sombra de dúvida!

Foi baseado em acontecimentos verídicos que tiveram lugar num convento financiado pelo estado e gerido por freiras católicas romanas, na Irlanda, que não explanarei melhor aqui para não matar o factor surpresa, e que foi descoberto em 1993. A dedicatória da autora é dedicada a essas mulheres e crianças.

Terminado em 15 de Março de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Estamos em 1985, numa pequena cidade irlandesa. A autora narra-nos a vida de Bill Furlong, um comerciante de carvão e pai de família.
Uma manhã, ainda muito cedo, quando vai entregar uma encomenda no convento local, Bill faz uma descoberta que o leva a confrontar-se com o passado e os complicados silêncios de uma povoação controlada pela Igreja.

Cris


segunda-feira, 15 de abril de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Março

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Março.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Carla Pereira Sousa

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:


Cris

segunda-feira, 8 de abril de 2024

"Jane Eyre" de Charlotte Bronte

Uma leitura conjunta ajudou a pegar num livro que morava cá há tanto tempo que me tinha esquecido que já habitava na estante (tendo pedido outro como oferta no Natal de 2022). Resultado: quando fui procurar por ele, apareceram-me dois! Mas, quem é livrólico compreende bem estes acidentes… Mas voltando ao facto de ter sido lido no âmbito de uma leitura conjunta: é a melhor maneira de ler livros “esquecidos”, tanto mais que podemos sempre ir comentando com os parceiros de leitura durante todo o decorrer da obra. Sem pressões e sem metas rígidas, é como mais gosto. Acabo sempre por avançar mais depressa porque, caso contrário, com prazos precisamente estabelecidos sinto a obrigação de obedecer aos prazos e isso faz-me “comichão”… ;)

Quem já leu Jane Eyre e não gostou ponha o dedo no ar! Claro que, tendo sido publicado em 1847 (publicado primeiro com um pseudónimo masculino, Currer Bell, note-se!), tem de ser lido contextualizando a época e os costumes. Mas a crítica tão evidente e profunda ao papel da mulher na sociedade da época está, quase, em cada linha. Jane é uma personagem que serve esse fim, corajosa e destemida para a época. É a narradora desta obra, sendo o subtítulo “uma autobiografia” um alerta logo no início. Algumas vezes, utiliza a técnica em que o narrador interpela e fala diretamente com o leitor. Leitura que se faz num ápice pese embora as suas mais de 400 páginas! Agarra de imediato a atenção, não é lento e possui suspense q.b..

Jane começa por relatar a sua infância onde vive numa casa sem amor, ou melhor, com maus tratos, com a madrasta e suas duas meias irmãs e um irmão que exerce violência física sobre ela. O pai, falecido, deixou ordens em relação a Jane que a esposa nunca se preocupou em cumprir e… Assim começa uma história verdadeiramente entusiasmante! O facto que começar a relatar a obra desde a infância de Jane, demonstra que Charlotte sabe como agarrar o leitor. Ainda mais escrito na primeira pessoa!

Charlotte e suas irmãs tiveram uma vida tão atribulada que fiquei verdadeiramente interessada em ler uma biografia sua, talvez a escrita por Elizabeth Gaskell. Vou procurar. Morreu cedo, aos 38 anos, e as suas irmãs Anne (“Agnes Gray”) e Emily (“O Monte dos Vendavais”) já tinham ambas falecido.

Gostei muitíssimo. Devorei esta obra.

Terminado em 14 de Março de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Jane Eyre, pobre e órfã, cresceu em casa da sua tia, onde a solidão e a crueldade imperavam, e depois numa escola de caridade com um regime severo. Esta infância fortaleceu, no entanto, o seu carácter independente, que se revela crucial ao ocupar o lugar de preceptora em Thornfield Hall. Mas, quando se apaixona por Mr. Ro- chester, o seu patrão, um homem de grande ironia e algum cinismo, a descoberta de um dos seus segredos força-a a uma opção. Deverá ficar com ele e viver com as consequências, ou seguir as suas convicções, mesmo que para tal tenha de abandonar o homem que ama?
Publicado em 1847, Jane Eyre chocou inúmeros leitores da Inglaterra vito- riana com a apaixonada e intensa busca de uma mulher pela igualdade e a liberdade.  

Cris


sexta-feira, 5 de abril de 2024

A Convidada escolhe: “Vemo-nos em Agosto”


“Vemo-nos em Agosto”, Gabriel García Márquez

Foi com “Cem Anos de Solidão” que me iniciei e maravilhei com Gabriel García Márquez, já lá vão muitos anos. Com “A Hora Má: o Veneno da Madrugada”, tentei, mas não fiquei fascinada como com aquele primeiro romance incrível que me permitiu horas e horas de deslumbramento. Até que de novo fiquei rendida ao grande Gabriel García Márquez com “O Amor nos Tempos de Cólera”, um dos livros da minha vida. Outros livros do autor colombiano oferecidos mas ainda não lidos têm ficado por desvendar na estante, a aguardar a sua vez.

Dez anos após a morte do autor chegou às livrarias “Vemo-nos em Agosto”, lançado no dia em que Gabo faria 97 anos. Trata-se do seu último livro. Em 1999 Gabriel García Márquez anunciou que estava a escrever um romance com cinco contos autónomos e foi escrevendo várias versões até que a doença lhe tirou as forças para o dar por concluído. No Prólogo, assinado pelos dois filhos do autor, referem as palavras do pai, consciente da fragilidade da sua condição:“A memória é ao mesmo tempo a minha matéria-prima e a minha ferramenta. Sem ela não há nada.” (pág.7). Ao tomarem a decisão de divulgar o livro, apoiando-se nas várias versões existentes, Rodrigo e Gonzalo García Barcha reconhecem que se tratou de“um ato de traição”, pois para o pai “Este livro não presta. É preciso destruí-lo.”(pág.8), embora confiem que “Gabo nos perdoe”se os leitores o celebrarem.

O que poderei dizer deste pequeno livro que se lê dum trago? Ana Magdalena Bach de 46 anos, casada e feliz há 27 anos com um homem de 54 anos, com um filho e uma filha, visita a campa da mãe, sepultada numa ilha num pobre cemitério no cimo duma colina “o único lugar solitário onde não podia sentir-se só.”(pág.16). Uma vez por ano, no dia 16 de Agosto, apanhava o ferry até à ilha numa viagem de quatro horas, sempre acompanhada por um livro, apanhava o mesmo táxi, comprava um ramo de gladíolos sempre na mesma florista e ocupava o mesmo hotel. Visitava a campa da mãe, levava-lhe os gladíolos e no dia seguinte regressava a casa.

Tal como a sua vida de casada era feita de rotinas previsíveis e felizes, também aquela rotina anual a levava sozinha à ilha onde a mãe se deslocava com frequência em vida, com a desculpa de que lá tinha um negócio próprio. A experiência de uma relação ocasional com um estranho, que Ana Magdalena Bach conhece no bar do hotel, quebra todo um esquema em que vivera até então. “Nunca mais voltaria a ser a mesma.”(pág.29) “Não obstante, foram-lhe necessários vários dias para tomar consciência de que as mudanças não eram do mundo, mas sim dela própria, que andara sempre pela vida sem a ver, e só nesse ano, ao regressar da ilha, começara a vê-la com os olhos do escarmento.” (pág.31)

A ansiedade por uma nova aventura que se procura em próximos 16 de Agosto na ilha traz consigo alterações no comportamento e no sono e mudanças também na sua relação com o marido, levando-a a suspeitar que ele a enganava. Sentimentos contraditórios de culpa, humilhação, desejo, raiva, frustração e desânimo surgem ao longo do livro em diferentes momentos em que a personagem feminina se depara com diferentes parceiros ou putativos parceiros. Mas assume-se de forma activa e afirmativa enquanto mulher que aspira ao direito ao prazer, fora da sua condição de mulher casada.

Não sendo um livro incrível, é um livro que não se esquece, pois consegue transportar-nos para o insólito duma situação pouco expectável. Os pormenores das descrições dos diferentes locais, das roupas que a protagonista veste, os títulos dos diferentes livros que leva em cada viagem, os diálogos, os momentos que nos fazem rir, tornam o livro muito visual e daí ficar na memória como um momento de agradável fruição de leitura.

Não sei se Gabriel García Márquez ficaria satisfeito pela traição dos filhos. Uma coisa é certa: “Vemo-nos em Agosto” tem estado nos tops de vendas de algumas das livrarias do país e as apreciações dos leitores fiéis de Gabriel Garcia Márquez dividem-se quanto a este livro. Em minha opinião, ainda bem que ele não foi destruído, como o autor desejou.

31 de Março de 2024

Almerinda Bento

quinta-feira, 4 de abril de 2024

"O Assassinato de Roger Ackroyd" de Agatha Christie

Confesso que o que mais gostei nesta leitura esteve directamente ligado às conversas que foram surgindo no grupo que se formou para esta leitura conjunta. E isto porque, tratando-se de Agatha Christie eu acerto sempre e torna-se aborrecido saber de antemão saber quem é o assassino... SÓ QUE NÃO!

Nunca acerto. Mas para a próxima tenho de ir escrevendo ao lado horas, teorias, nomes e sei lá mais o quê. Mas a autora não seria tão conhecida se o assassino estivesse ali à nossa frente, pois não?

Por essas e muitas outras razões fico-me por aqui. Uma mansão, criados e mordomo, familiares e amigos, um morto. Um médico da aldeia chamado para socorrer quem já não podia ser socorrido é o narrador desta trama e, finalmente, Hercule Poirot, retirado das "lides profissionais" nessa povoação onde ocorreu o crime. Quem matou o dono da casa e qual o motivo? Para variar, muitos são aqueles que têm razões para o fazer e meios também. Lá bem escondido está o dito cujo.

Leiam e vejam se o descobrem!

Terminado em 9 de Março de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse

Roger Ackroyd sabia de mais. Sabia que a mulher que amava envenenera o primeiro marido, um homem extremamente violento, e suspeitava que ela era vítima de chantagem. Agora, que as trágicas notícias sobre a morte dela apontam para suicídio por overdose, são muitas as perguntas que parecem não ter resposta. O perplexo Ackroyd decide investigar, uma decisão que tem consequências inesperadas. Ao deparar-se com as primeiras pistas sobre o caso, Ackroyd transforma-se no novo alvo do criminoso. O Dr. Sheppard, médico da aldeia, fala então com o vizinho, um detetive reformado que escolhera o campo para passar tranquilamente os seus últimos anos de vida. A escolha não podia ser mais acertada pois o pacato vizinho é nem mais nem menos que o formidável Hercule Poirot...

Cris

quarta-feira, 3 de abril de 2024

A Convidada escolhe: "Paula Rego"


“Paula Rego – A Luz e a Sombra Uma Forma de Olhar”, Cristina Carvalho, 2023

Quando lemos os romances biográficos de Cristina Carvalho, sempre sentimos a estreita ligação afectiva entre a narradora e o biografado ou a biografada e às vezes perguntamo-nos se o que estamos a ler se refere à narradora ou à pessoa que é objecto do romance biográfico. É essa profunda ligação e a liberdade que é dada ao leitor, um dos grandes fascínios da escrita de Cristina Carvalho. Ao longo da leitura deste maravilhoso romance, tantas vezes me acorreu se a narradora era Paula Rego ou Cristina Carvalho, porque sinto que as duas personalidades têm muito em comum. Mas isto sou eu, enquanto leitora e enquanto leitora deste “Paula Rego”. Trago aqui o epílogo, em que Cristina Carvalho faz uma reflexão sobre a memória e avisa:“Este curto livro não pretende revelar a intimidade da artista, nem isso seria possível. Também não pretende analisar a estrutura, o ideal ou a imaginação que esteve presente em toda a sua obra, tudo o que se conhece e tudo o que se não conhece. É, precisamente, o deixar à vontade a imaginação de quem observa, tendo por base algumas circunstâncias vivenciais, relacionais, em suma, existenciais.” (pág. 153)

Quero, antes do mais, dizer como gosto da pintura de Paula Rego e como passei a gostar ainda mais depois da grande série que fez sobre o aborto, apoiando com a sua Arte a luta que se travava cá em Portugal pela dignidade e pela liberdade de escolha. As mulheres – “seres mártires ao longo de tantos séculos” (pág. 30) – as suas vidas de sofrimento e a incompreensão a que têm sido votadas estão sempre presentes nas telas de Paula Rego. “São fortes, musculadas, as mulheres que eu pinto. (…) Às vezes eu própria me assusto! São tão feios, tão brutais, tão violentos, esses corpos, que fico a pensar no que acabei de conceber. (…) Mas chego sempre à mesma conclusão: preciso, tenho obrigação de mostrar a toda a gente um sofrimento mais do que silencioso, este sofrimento das mulheres da minha época, de todas as épocas.”(pág. 69). No inesquecível capítulo “Os Uivos do Mar” Cristina Carvalho transporta-nos para as praias da Ericeira onde os abortos aconteciam “sem disfarces”(pág. 62).

O pai, uma das figuras de referência de Paula Rego, cedo percebeu que a filha tinha qualidades que não se coadunavam com a tacanhez de Portugal de Salazar e, em 1952, envia a filha para Londres para estudar na Slade School of Fine Art: “Vais-te embora, que isto não é um país para mulheres!” (pág. 47). Menina, adolescente, mulher que viveu e conviveu toda a vida com medos, com depressões, fez, através da Arte, a cura e a representação das ideias, das memórias da infância com os avós, das histórias tradicionais contadas pela tia Ludgera, da vida comum das pessoas e sobretudo das mulheres.”Os meus quadros representam e apresentam a vida tal qual é: grotesca, disforme, raras vezes amena ou calma” (pág. 134).

Sendo estruturantes os espaços e os diferentes sítios que marcaram a infância e depois a idade adulta de Paula Rego, não admira que este romance biográfico dedique tanta atenção à descrição desses lugares, com especial carinho pela Quinta da Ericeira onde viveu com os avós e mais tarde já casada com Victor Willing, com quem partilhou a antiga adega, amplo espaço transformado em oficina. Mas Londres, que Victor preferia para trabalhar e a que regressaram definitivamente depois de 1976, Paula Rego sentia-a como sua pátria, nem portuguesa nem inglesa. No entanto, o amor pela Ericeira nunca a deixou e ficou registado em muitas das suas telas.

Depois de se ler “Paula Rego – a Luz e a Sombra Uma Forma de Olhar”, sente-se necessidade de revisitar a obra de Paula Rego, de olhar com mais atenção para “A Dança”, de encontrar alguns detalhes como as lagostas, de observar as mulheres e descobrir em muitas o rosto de Lila ou de ver Anthony Rudolph, modelo e amigo de Paula Rego durante um quarto de século, ou imaginar os bonecos e figuras grotescas que se amontoavam no estúdio de Londres. E rever o filme “Paula Rego – Histórias & Segredos” feito pelo filho Nick Willing.

28 de Março de 2024

Almerinda Bento












segunda-feira, 1 de abril de 2024

A Convidada escolhe: "Tanta Gente, Mariana"

 

“Tanta Gente, Mariana”, Maria Judite de Carvalho, 1959

Maria Judite de Carvalho é, em minha opinião, uma das grandes escritoras do século XX. Já li vários romances e contos dela e voltei à leitura de “Tanta Gente, Mariana”, depois de este título ter sido escolhido pelo Círculo de Leitura da UNISSEIXAL. Toda a sua escrita é triste, sem esperança e o título “Tanta Gente, Mariana”, retirado de uma conversa de Mariana com o pai, quando ela era uma jovem de quinze anos, sintetiza bem a solidão da personagem, marca de uma vida, mesmo quando estava rodeada de pessoas e de amigos.

“Sou uma velha de 36 anos” (pág. 38), assim se vê Mariana. Ela é uma mulher só, sem família, com dificuldades económicas que a roupa coçada evidencia e a enfrentar a certeza de uma morte para breve.

Almerinda Bento 

sexta-feira, 29 de março de 2024

"Um Amor" de Sara Mesa

Que história esta! Que forma de escrever e que personagens!

Tudo prende. Sobretudo a estranheza da pequena povoação e seus habitantes onde Nat, tradutora de profissão, procura refúgio. O que está por detrás da sua mudança? Razões económicas ou outras mais profundas?

Os personagens, que vão surgindo com o decorrer da trama, estão caracterizados esplendidamente com as suas idiossincrasias particulares, os seus discursos quase obscenos e estranhos, apanharam-me de surpresa e enamorei-me deles de imediato. A história leva-nos para alguns caminhos mas não descortinamos quais, embora nos ponhamos a pensar que sim. Mas seria demasiado óbvio e a mestria da autora mostrou-se também aqui. Acertamos sempre... ao lado!

La Escapa, a povoação, está repleta de preconceitos e tabus que se misturam com os da própria Nat. Sim, a povoação, ela própria, parece um personagem, funcionando como um todo, porque todos os seus habitantes possuem algo de estranho e parecem esconder alguma coisa.

As tentativas de Nat de se integrar no meio ambiente e até arranjar amigos revelam-se difíceis, demoradas e com algumas surpresas desagradáveis.

Gostei muitíssimo desta obra e só não lhe atribuo 6 estrelas porque algo no final me passou ao lado, muito embora o tenha lido várias vezes. Diria que Nat procurava um caminho interior, um equilíbrio emocional e que, com todos os acontecimentos ásperos que sofre, acaba por encontrá-lo. Mas gostava muito de falar com alguém (com spoilers) sobre esta história apaixonante.

Terminado em 3 Março de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

A história decorre em La Escapa, uma pequena povoação rural, para onde Nat, uma jovem tradutora, se mudou por razões económicas e também em busca de equilíbrio emocional.

Os outros habitantes da zona com quem se relaciona acolhem-na com distante normalidade. Mas na povoação respira-se um ambiente de preconceito, incompreensão e estranheza em relação a tudo o que é diferente, em particular a uma mulher que vive só.

La Escapa, dominada pelo monte El Glauco, vai confrontando Nat com silêncios, equívocos, preconceitos e tabus e também com ela própria e os seus fracassos. 

Cris

 

quarta-feira, 27 de março de 2024

"Tess dos D'Urbervilles" de Thomas Hardy

Este romance foi publicado em Inglaterra pelo autor em 1891 e retrata muito bem essa época de costumes rígidos, com papéis bem definidos entre géneros e tendo a mulher o seu campo de acção muito limitado. Uma fina crítica transparece desta trama mas, no entanto, a história acaba por ter o fim espectável para essa época. É uma história triste, onde a protagonista, mesmo com a garra que lhe é atribuída é vencida pela leis e ditames da época.

Contudo, Tess revela-se uma mulher lutadora, independente e corajosa face aos acontecimentos que vão marcar a sua vida para sempre. Há determinados factos aos quais o autor, segundo a minha opinião, poderia ter dado mais destaque, explorando melhor as emoções da protagonista. Mas, é precisamente nesses pontos fortes da trama que Thomas Hardy revela uma mestria na escrita que espanta o leitor fazendo-o ir atrás nas páginas e relendo partes com o intuito de se certificar que nada lhe escapou. Essa técnica literária acontece em vários momentos e dá-se na passagem de um capítulo para outro.

O ambiente campestre está bem caracterizado e as paisagens tornam-se visíveis ao olhar do leitor como se de um filme se tratasse. As leis e costumes rurais numa Inglaterra no final do séc. XIX, um retrato da sociedade, uma crítica velada às convenções sociais e ao falso moralismo que imperava, tudo o autor soube colocar aqui, lembrando que, muito provavelmente, se se excedesse, este livro não seria publicado. A acção decorre lentamente mas prende.

Li esta obra conjuntamente com alguns leitores amigos e gostei muito da conversa final onde, ao contrário daqui, os spoilers são permitidos. Fiquei com vontade de ler o "Longe da Multidão" que mora cá nas estantes.

Gostei muito e recomendo para quem quer fazer uma viagem no tempo.

Terminado em 29 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

“E como poderia eu sabê-lo? Não passava de uma criança quando há quatro meses deixei esta casa. Porque é que a mãe não me disse que eu poderia correr perigo? Porque é que não me avisou?»

Quando Tess Durbeyfield, instigada pela pobreza, se dirige à abastada família D’Urbervilles, o encontro com o seu “primo” Alec revela-se um momento perigoso. Um homem, Angel Clare, oferece-lhe o que parece ser amor e salvação, e Tess tem de decidir se revela o seu passado ou se mantém o silêncio, na esperança de um futuro melhor.
Tendo como personagem uma Tess crítica e vítima das convenções sociais, este é um dos romances mais comoventes de Thomas Hardy.

“E é quando consideramos a capacidade de Hardy para criar homens e mulheres que tomamos realmente consciência das profundas diferenças que o distinguem dos seus pares. Olhamos de novo para várias das suas personagens e perguntamo-nos qual o motivo que nos fez recordá-las. Lembramo-nos das suas paixões. Lembramo-nos de como se amaram profundamente umas às outras e quantas vezes com que trágicos resultados.”
Virginia Woolf

Cris

segunda-feira, 25 de março de 2024

"Teoria King Kong" de Virginie Despentes

Um gosto amargo mas bom ficou no meu palato depois de ter lido este livro. Passo a explicar… 

A escrita é crua, dura sem pejo de ferir susceptibilidades. Gostei e estranhei. Mas não a entranhei de todo.

Os temas tratados são muito pertinentes. A autora coloca o dedo na ferida, faz-nos pensar e pensar e pensar… Livro pequeno em formato de bolso, mas com uma mancha gráfica compacta, para ler sem parar mas também para voltar atrás e reler. E sublinhar.

Um auto-retrato onde descreve situações pelas quais passou na sua vida. Define-se a si própria como alguém que está contente como é, “mais desejosa que desejável” (pág. 10.). Contra a mulher perfeita, submissa aos valores que lhe querem impor, um ideal de mulher que, acredita, não existe. Aborda e desconstroi todos os estereótipos do que é ser mulher e ser homem.

Temas como a violação a que foi sujeita e as reacções e comportamentos durante e depois, suas e dos outros, a esse acontecimento, marcam um dos capítulos deste livro - (“com efeito, nisto da violação, é preciso sempre provar que não se estava de acordo”- pág. 45, “sempre culpadas do que nos fazem”- pág. 51). Seguem-se assuntos igualmente fortes como a prostituição (“A sexualidade masculina, em si própria, não constitui uma violência contra as mulheres se estas consentirem e se forem bem remuneradas. O que é violento é o controlo exercido sobre nós, essa faculdade de decidir em nosso nome o que é ou não é digno” - pág. 89), a pornografia (“Não é a pornografia que choca as elites mas a sua democratização” - pág. 104), reacções exteriores à sua pessoa, ao seu primeiro livro publicado: “Baise-moi” (“O que tenho de suportar enquanto escritora é o dobro do que um homem suporta” - pág. 144).

Não existe uma única página que não nos confronte e interpele. Desconstrói sentimentos de hipocrisia, recalcamentos que rondam as definições do que é ser mulher e ser homem.

Diria que é um livro marcante mas que é preciso ter estômago para o ler. Não foi o conteúdo que me chocou mas a forma de o expressar. Creio, no entanto, que foi esse o objectivo.

Terminado em 22 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

TEORIA KING KONG é um grito de guerra e uma interrogação feroz da sexualidade feminina. Virginie Despentes desafia os discursos bem-comportados sobre a violação, a prostituição e a pornografia a partir das suas próprias experiências, desconstruindo os modos de apropriação do corpo feminino que levam à subordinação social, económica e sexual.

Um manifesto iconoclasta e irreverente para um novo feminismo. 

Cris


sexta-feira, 22 de março de 2024

"A Madrugada em Birkenau" de Simone Veil

Gosto muito de ler literatura de testemunho, sobretudo de épocas e sobre acontecimentos em que os Homens se esqueceram que a Paz é um dos bens mais preciosos. A falta de humanidade, de empatia para com o outro ser humano que se encontra ao nosso lado e que nessas alturas está ao rubro, dever-nos-ia NÂO ESQUECER. E no entanto...

Simone Veil nasceu em França em 1927 e tinha 16 anos quando foi deportada juntamente com a mãe e uma das suas irmãs. Morreu em 2017 com 90 anos. O seu testemunho (e bem como os restantes que surgem neste livro) foi recolhido por David Teboul, fotógrafo e cineasta, que acabou por ficar seu amigo.

É muito pouco o que posso dizer sobre esta leitura porque ficaria sempre aquém do seu conteúdo. Do seu testemunho enquanto prisioneira em vários campos de concentração, ficou-me sempre a impressão de alguns factores que, à semelhança de outras leituras, ficaram-me gravados na memória: 

1- O facto de muito poucas pessoas adivinharem o horror que estava para vir e, assim permanecerem no local onde residiam, não tentando fugir atempadamente. Quando quiseram fugir era já tarde demais.

2- O factor sorte. Impressionante como a sorte ou o azar ditavam a vida ou a morte!

3- A luta por um objectivo (alguém "lá fora" que queriam muito ver ou o facto de existirem familiares próximos no campo que se ajudavam uns aos outros). Neste caso, Simone tinha a mãe e uma irmã. A mãe, embora fraca e doente, foi sempre o pilar de força e coragem de que necessitava.

De resto, pouco mais direi. É para ler, gente, é para ler! Foi uma mais valia muito grande poder acompanhar Simone nestes dias de muita dor mas ficar a conhecer, também, todas as dificuldades por que passaram, ela e sua irmã, depois do "fim" da guerra. Porque o desconhecimento, a indiferença dos outros podem matar. O seu percurso profissional foi notável vindo a destacar-se como magistrada no seu país natal. Posteriormente foi ministra da saúde e a primeira mulher Presidente do Parlamento Europeu.

Uma força, um exemplo.

"Quando se foi tratada como carne, é muito difícil convencer-se de que se permaneceu um ser humano. Esse era o combate que travávamos. O combate mais difícil. Nós tínhamos fome, tínhamos sede, tínhamos sono. Quando se fica dias sem dormir, não se sabe mais onde se está, perde-se o sentido de orientação, O sentimento dominante é o de um corpo e de um espírito humilhados. Mas éramos três, isso preservava-nos. Apoiávamo-nos constantemente. À nossa volta, constituíam-se pequenos grupos, mas a família era o que havia de mais forte." (pág 85). 

Obrigatório ler!

Terminado em 19 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

"Um testemunho do holocausto, uma narrativa pessoal (inédita) por uma das mais destacadas figuras da política europeia da segunda metade do século xx.

Numa primeira parte do livro, Simone Veil fala da sua infância, da família, recorda o início das perseguições raciais em França, e relata a deportação, a vida nos campos de Drancy, Auschwitz-Birkenau, Bergen-Belsen, e o impacto destes acontecimentos na vida que se lhes seguiu.

Na segunda parte, dialoga com antigos companheiros sobreviventes do holocausto, e com a irmã, membro da Resistência, e que reencontrou no fim da guerra.

Um extraordinário documento histórico, enriquecido por muitas fotografias (dos anos trinta e de anos recentes): deportada aos 16 anos, Simone Veil veio a tornar-se a francesa mais popular e uma das mulheres mais importantes da política europeia do século xx. Simone Veil habita literalmente este livro.

O leitor ouve a sua voz e sente a sua liberdade interior." 

Cris

 

quarta-feira, 20 de março de 2024

"O Fantasma de Anya" de Vera Brosgol (GN)


Quando me ofertaram esta graphic novel fiquei surpreendida porque desconhecia a sua existência. Gostei muito de a ler. 

Trata assuntos bastante actuais de uma forma simples, com ilustrações cuidadas, muito expressivas e inteligentes, em tons de branco, preto e cinzento. Talvez por isso, a nossa atenção é fixada sobretudo nas expressões faciais de Anya e restantes personagens. Prendemo-nos de imediato!

Anya é adolescente e possui os problemas próprios que nos "atacaram" em todo ou em parte: acha-se gorda, desengraçada, e está apaixonada pelo rapaz mais popular e giro da escola. Mais: é imigrante e não se sente pertença de sítio nenhum. 

Uma queda num buraco fundo, "alguém" estranho que lhe aparece vai transformar o seu mundo e a forma como o encara.

Muito pertinente, incisivo nos temas que aborda, esta GN prende e considero-a leitura para todas as idades.

Terminado em 14 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Uma novela gráfica premiada para adolescentes desempoeirados, sem medo de fantasmas.

Um livro premiado que conta uma história repleta de segredos, reviravoltas e emoção. Apesar do seu mau-humor, inseguranças, fraquezas e sarcasmo, Anya conquistará leitores de todas as idades. Anya é uma adolescente como tantas outras: sente dificuldade em integrar se no colégio por ter uma família imigrante, está descontente com alguns aspetos do seu corpo e tem um fraquinho por um rapaz que já tem namorada. A queda num poço antigo e fundo vai trazer-lhe uma nova amizade bastante peculiar: o fantasma de Emily, uma rapariga que morreu há um século, que depressa se torna uma ajuda preciosa (e invisível) para o dia a dia de Anya. Até que começam a surgir problemas… Novela gráfica premiada que conta uma história repleta de segredos, reviravoltas e emoção.

Apesar do seu mau-humor, inseguranças, fraquezas e sarcasmo, Anya conquistará leitores de todas as idades.

Cris

segunda-feira, 18 de março de 2024

Para os Mais Pequeninos: "O Meu Pai Tem Muita Pinta" de Bea Taborda e César Barceló


Um livro com uma história simples, com acontecimentos do dia-a-dia, que envolvem um pai e uma filha. A pequena narradora dá-nos a conhecer o seu pai: o que faz no trabalho e como gosta de desenhar; as suas conversas e todos os pequenos pormenores que transformam o seu pai num companheiro de brincadeiras mas, também, em alguém em quem confia e lhe dá apoio.

A história pode ser simples mas por detrás dela estão descritas as pequenas coisas que fazem o dia a dia, um dia cheio de significado e importância: os pequenos gestos de amor que contribuem para um crescimento saudável.

Vão gostar de ler e observar as imagens tão ricas que ilustram bem o conteúdo! Uma boa prendinha para os pequeninos darem no dia do Pai. Juntos, esta leitura tornar-se-á um verdadeiro deleite!

 





Cris

quinta-feira, 7 de março de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Fevereiro

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Fevereiro.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Cidália Ferreira

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

Cris

segunda-feira, 4 de março de 2024

"Mulheres da China" de Xinran

Livro de não ficção que habitava nas minhas estantes há demasiado tempo. Às vezes os clubes de leitura fazem-nos pegar nos livros “esquecidos” e, neste caso, a surpresa não poderia ter sido melhor.

Na capa é referido: "Um livro que começa onde Cisnes Selvagens de Jung Chang terminou: a vida das mulheres chinesas depois de Mao".

Xinran é jornalista e, presentemente, não vive na China. Mas apresentou, durante aproximadamente oito anos, um programa na rádio, “Palavras na Brisa da Noite” que, pese embora tivesse de passar pelo crivo da censura do Partido, conseguiu ser um espaço de reflexão e partilha de muitos problemas e questões levantadas pelas mulheres chinesas, que até aí, não tinham voz. Começou a receber inúmeras cartas, muitos pedidos de ajuda e de opinião, muitas das quais não poderia ler em público. De qualquer modo, durante esse tempo conseguiu dar a conhecer um pouco a realidade da mulher chinesa, Confesso que todo este livro foi, para mim, uma descoberta constante.

A radio era a porta-voz do Partido pelo que só podiam transmitir o guião depois de devidamente escrutinado e o programa final depois de gravado e editado passava por um departamento que supervisionava tudo. Logo, as chamadas recebidas não podiam ser atendidas em tempo real. No entanto, entrevistou várias mulheres - jovens e mais velhas - e pode perceber a diferença de atitudes entre elas e a descrença das mais novas face às atitudes dos homens que consideravam machistas. O fosso entre gerações mostrava-se grande.

A história das mulheres da China e das suas lutas por igualdade de tratamento não caminha de par em par com a história das mulheres ocidentais. "Nos anos 30 do século XX, quando as mulheres ocidentais já estavam a exigir a igualdade sexual, as mulheres chinesas estavam apenas a começar a desafiar a sociedade dominada pelo homem, não querendo que os pés fossem ligados ou que os casamentos fossem arranjados pela geração mais velha" (pág 65).

Xiran conta-nos em cada capítulo histórias de vida de algumas mulheres chinesas e, ao mesmo tempo, um pouco da sua história familiar. Alguns relatos são impressionantes.

Em 1997 Xiran sai da China e vai viver para Inglaterra. O sentimento que passa ao leitor neste livro todo é que tudo o que viveu foi demais para ela. Precisava sair. Viver livre.

Recomendo muitíssimo. Tenho outro livro da autora na estante que quero ler em breve, "Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida".

Terminado em 13 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Durante oito inesquecíveis anos, a jornalista Xinran apresentou na China um programa de rádio em que muitas mulheres falavam de si próprias e da sua vida. «Palavras na Brisa Nocturna», assim se chamava, rapidamente se tornou no mais famoso programa de rádio chinês. Nele se revelava o que significa ser mulher na China de hoje. Nesta primeira obra impressionante, Xinran revela as muitas formas como foi obrigada a contornar o sistema e dá voz a todas as mulheres chinesas, independentemente do seu estrato social. Este é um livro que começa onde «Cisnes Selvagens» de Jung Chang terminou: a vida das mulheres chinesas depois de Mao.

Cris


segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

"A Estranha Sally Diamond" de Liz Nugent

Sally considera-se a ela própria uma pessoa estranha mas até vive bem com isso. Na escola sofreu algum bullying mas, acredita, ter superado bem esses factos. Já tem por volta dos 40 anos, vive sozinha desde o falecimento do seu pai, famoso psiquiatra. Alguns aspectos da sua personalidade levam o leitor a pensar que possui traços do espectro do autismo, com alguns laivos de TOC. Não suporta o toque e tem um cuidado extremo com a arrumação e limpeza. Vive afastada de uma povoação na Irlanda e gosta de estar só. Para não ter de conversar com as pessoas que encontra quando tem de ir às compras finge-se muitas vezes de surda. É estranha, sim. O leitor apercebe-se disso logo no início mas o desenrolar da acção traz muitas surpresas!

Sally toca magistralmente piano e isso acalma-a quando em situações de stress. Não tem memórias anteriores aos seus sete anos. Com a morte do pai, que a protegia do mundo exterior, Sally vê-se confrontada com muitos acontecimentos que a fazem interrogar-se interiormente. Quem é ela? As cartas que o pai deixa, alguns familiares, o mundo exterior que lhe entra em casa em catadupa, deixam-na atordoada. E, podem crer que o leitor fica ainda mais!

Muito bem construído, desvendando aos poucos, mistérios atrás de mistérios onde a violência física e emocional estão presentes, torna este livro perfeito. Um thriller psicológico fantástico e, o que mais impressiona, é a sua aparente “normalidade”. Podia perfeitamente corresponder a um caso real! Essa noção que o leitor tem de que, algures por aí, estes acontecimentos poderiam ter lugar é assustador. Creio que será sentimento partilhado por todos os leitores.

Um final que, embora expectável porque muito real, nos deixa a pensar como a educação pode influenciar os comportamentos humanos e como é bem difícil fugir e alterar os padrões educacionais.

Devem ler porque esta leitura vai deixar-vos agarrados a estas páginas e, creio, angustiados com o que o Homem consegue fazer ao seu semelhante. Recomendo muito!

Terminado em 9 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Sally Diamond não consegue perceber porque é que aquilo que fez é assim tão estranho. Ela limitou-se a fazer o que o pai lhe pediu: pô-lo no lixo quando ele morresse. Habituada a uma vida solitária, Sally vê-se agora no centro das atenções, tanto por parte dos vizinhos, como da polícia e da comunicação social. No meio da confusão gerada em torno do incidente, Sally começa a receber mensagens anónimas de alguém que conhece o seu passado, um passado do qual ela não tem qualquer memória. Ao mesmo tempo que vai descobrindo os horrores da sua infância, Sally começa a explorar o mundo pela primeira vez, fazendo amigos, conquistando a sua independência e percebendo que as pessoas nem sempre dizem o que realmente estão a sentir. Mas quem é o homem que a observa e lhe escreve do outro lado do mundo? 

Cris


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

"Mais Cedo Secará a Terra" de Fernando J. Múñez

E que tal um livro fantástico sobre uma saga familiar? São 400 páginas de puro deleite. Claro que tive de anotar, no princípio, quem era quem mas depressa os nomes se ligaram às personagens. O mesmo já me tinha acontecido com "A Cozinheira de Castamar", obra do mesmo autor (opinião aqui!), mas creio que este me prendeu mais. Ou é talvez porque ainda tenho muito viva a sua presença em mim.

A época em que se passa esta trama não é revelada totalmente, mas andará pelo século XIX em Espanha. Senhores da terra, do gado, de minas de carvão com pequenos impérios à sua volta, os paços familiares. As ordens dadas pelo familiar mais velho eram para serem cumpridas, os casamentos combinados para que as famílias prosperassem ainda mais. No entanto, na família dos Castronaveas as coisas não se passam realmente assim, para infelicidade de Don Dositeu, o patriarca da família, que tenta gerir com pulso férreo os homens e mulheres que o rodeiam. As mulheres desta família tendem a ser, com o decorrer da trama, cada vez mais decididas e senhoras do seu destino. Exemplo disso é Iria, que foge completamente do estereótipo da mulher de então, com o apoio incondicional de seu pai. 

Duas famílias desavindas, ódio fortes que provocam mortes, quezílias familiares, segredos descobertos, invejas, amores impossíveis. Um turbilhão de acontecimentos que nos prende verdadeiramente. 400 páginas que poderiam ser mais ainda porque teriam em mim uma leitora sôfrega!

Terminado em 4 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 5*+

Sinopse

Galiza, 1845
André de Castronavea está radiante por regressar para junto da sua família e à casa onde nasceu, mas o seu maior desejo é rever a sua tia Iria, pouco mais velha do que ele, meia-irmã do seu pai. O reencontro dos dois liberta sentimentos até então aprisionados, e a relação proibida torna-se cada vez mais difícil de conter.
Enquanto isso, Dom Isidro Ordás, um empresário implacável de Ponferrada, abriu minas nas terras dos Castronaveas, iniciando um conflito com o patriarca Dom Dositeu, que preside a uma família marcada pelo seus próprios conflitos e segredos.
A luta pelo controlo da terra, o legado de Dom Dositeu e o inevitável confronto com os Ordás revelam como os laços familiares podem ser uma bênção ou uma condenação, levando a traições dolorosas, corações dilacerados e sacrifícios que exigem sangue, coragem e um amor inabalável.

Cris

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

"A Espera" de Keum Suk Gendry-Kim (GN)


Ofertaram-me esta graphic novel e dei uma vista de olhos na sinopse. Fiquei muito curiosa. Nem conhecia esta GN nem sabia quase nada sobre o tema tratado. A separação de muitas famílias, desde Junho 1950 até Julho de 53, na Guerra da Coreia, um conflito armado que colocou ambas as Coreias em confronto directo. Famílias separadas, a maioria das quais para sempre, aquando do êxodo de pessoas que fugiam da Coreia do Norte para o Sul. Muitas ficaram em lados opostos de uma fronteira intransponível.

A autora reuniu vários testemunhos, inclusive o da sua própria mãe, separada da irmã durante a guerra, para se basear na feitura desta história. A "Espera" traduz todos os sentimentos de anos de espera de quem se viu apartado dos seus familiares durante anos e ainda possui a esperança de reencontrar parentes vivos. Reencontros que se dão esporadicamente e que mantêm a esperança viva.

Gwijá tem 92 anos e perdeu-se do marido e do filho mais velho quando seguia numa coluna de refugiados para a Coreia do Sul. Vidas refeitas após isso mas o coração sempre preso a esse amor perdido.

Monocromática, nesta GN o traço característico mais predominante e marcante é precisamente os rostos dos personagens. Título sublime. Vidas inteiras à espera.

Terminado em 31 de Janeiro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Gwijá tem noventa e dois anos e vive na Coreia do Sul. Após sete décadas de espera, ainda mantém o desejo de reencontrar o filho mais velho, de quem se separou quando seguia numa coluna de refugiados que fugiam do norte da Coreia. Gwijá teve de parar para amamentar a filha bebé e perdeu o marido e o filho no meio da multidão. Agora, num encontro organizado pela Cruz Vermelha, a sua amiga Jeong-Sun reencontra a irmã mais nova, após sessenta e oito anos de separação. Gwijá só deseja ter a mesma sorte e voltar a encontrar o filho. Em 1950, a Guerra da Coreia separou famílias inteiras, que ficaram de lados opostos de uma fronteira intransponível. A partir das entrevistas que Keum Suk Gendry-Kim conduziu e dos vários testemunhos que reuniu (entre eles, o da própria mãe), o livro A Espera reconstrói o trauma familiar causado pela divisão da Coreia e pela guerra, e as suas dolorosas consequências. «Um retrato da trágica experiência dos refugiados coreanos que revela com pormenores comoventes os impactos da colonização e da convulsão política que reverberam por gerações.» Publishers Weekly «Um relato inesquecível do impacto duradouro da Guerra da Coreia.» Library Journal «Com pinceladas cruas e uma estrutura narrativa magistral, a autora cria uma combinação comovente, retratando como a esperança e o desgosto atravessam gerações.» The Washington Post «Uma história de partir o coração.» The Toronto Star «Os elegantes cenários de Gendry-Kim, compostos apenas por figuras escuras cercadas por espaços em branco e contornos, sugerem as formas desconcertantes como o passado nos esvazia.» Oprah Daily «Uma obra-prima impressionante. As composições a preto-e-branco de Gendry-Kim são incrivelmente comoventes e empáticas.» Booklist «Uma das novelas gráficas mais comoventes do ano.» BookPage 

Cris