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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

"O Alienista" de Machado de Assis

Livro pequeno de um autor que nunca tinha lido mas que não me marcou por aí além. É certo que a história remete-nos para a linha ténue que separa a razão da loucura e faz-nos reflectir sobre esse tema. Quem dita quem está são ou quem está louco? Que limites separam esses dois conceitos?

Simão Bacamarte é o protagonista desta história. Circulam em seu redor outros personagens que em tudo dependem dele. Médico, estudioso dos aspectos da "loucura" no indivíduo, propõe-se analisar numa pequena terra quem estaria apto a circular livremente e quem necessitaria de internamento. Só que, após ter construído um hospício, começa a levar cada vez mais habitantes do pequeno lugarejo, alegando que as pessoas ditas normais são os verdadeiros doentes...Entre os habitantes começam a gerar-se tumultos, revoltas e reviravoltas.

Se gostei? Nem por isso, embora tenha lido até ao fim na esperança que algo de novo surgisse. Achei pouco verosímil e a história não me atraiu.  

Terminado em 28 de Agosto de 2025

Estrelas: 3*

Sinopse
Simão Bacamarte, médico, decide dedicar-se inteiramente ao estudo da loucura. Em Itaguaí, sua terra natal, funda um hospício – a Casa Verde. Apresentado o alienista, quem serão os alienados?
Autorizado pelas autoridades, passa a internar todos aqueles a quem aponta sinais de insanidade. Ninguém escapa: os que têm a mania de orar, os vaidosos, os que são demasiado gentis, os que emprestam dinheiro e até a sua própria esposa. A população revolta-se. É tempo do Dr. Bacamarte mudar o diagnóstico: afinal, loucos são os de mente equilibrada, as pessoas modestas e honestas. E se, afinal, o alienista for o alienado?

Cris

terça-feira, 16 de setembro de 2025

"James" de Persival Everett

Peguei neste livro para uma categoria de um Bingo de Verão que esteve a decorrer nas redes sociais e, sobretudo, porque tinha muito boas referências. Também ouvi dizer que seria melhor ler antes o Huckleberry Finn de Mark Twain (que li em criança e pouco me lembro) porque seria a mesma história mas desta feita contada pelo escravo James (Jim). Decidi arriscar e ler mesmo assim. Claro que após o terminus do livro fiquei com vontade  de reler o Huck mas não achei que a minha percepção da história ficasse diminuída por não me lembrar do livro referido.

Isto para vos dizer que podem pegar neste livro sem ler o outro e que se vão deliciar com o protagonista, James, um escravo instruído que aprendeu a ler às escondidas na biblioteca de um antigo senhor. Uma realidade felizmente longínqua para nós mas que nos põe a reflectir sobre as várias formas de escravidão que existem nos nossos dias.

Uma leitura que prende logo de início e de que gostei muito. Decorre juntos às margens do rio Mississipi, no sul dos Estados Unidos por volta de 1861, antes do início da guerra civil que colocou o Norte (abolicionistas) contra o Sul (esclavagistas).

"Como é que ele havia de saber que eu estava mesmo a ler? Eu podia simplesmente dizer que estava feito parvo a olhar para as letras, a imaginar qual seria o significado. Como é que ele haveria de saber? Nesse momento tive a absoluta e nítida consciência do poder da leitura. (...) Era algo totalmente íntimo e totalmente livre e, por essa razão, totalmente subversivo."

Na História dos povos a falta de instrução foi sempre um dos meios utilizados e privilegiados de poder,  para controlar o pensamento. Hoje temos a juntar a esse factor, que felizmente tem menor peso, a falta de acesso a uma informação livre.

James quer ser livre e é na sua fuga que o leitor se vai apercebendo dos seus dilemas e da sua inteligência. Fala duas "línguas": a dos escravos e a dos senhores e é com as duas que nos vamos apercebendo da sua perspectiva em relação ao seu amigo Huck, à escravatura e à liberdade pretendida.

Está-me a parecer que vou gostar mais da forma como este personagem foi criado e retratado do que o escravo Jim do livro de Huckleberry Finn mas logo vos direi...

Se puderem não deixem de ler esta obra. Vale muito a pena!

Terminado em 25 de Agosto de 2025

Estrelas: 6

Sinopse
Quando o escravo Jim ouve rumores de que será vendido a um homem de Nova Orleães e para sempre separado da mulher e da filha, decide esconder-se na ilha de Jackson e conceber um plano. Inesperadamente, vê aparecer o jovem Huck Finn, que acaba de fingir a própria morte para escapar às mãos do pai violento. Mais de um século depois de Mark Twain ter escrito As Aventuras de Huckleberry Finn, elas são agora retomadas por Percival Everett, que lhes muda o ponto de vista. Quem é Jim? Quais as suas paixões? E até onde está disposto a ir para vingar os seus? James é uma reinvenção brilhante de um clássico da literatura mundial, ferozmente divertido e provocador, e uma lição notável sobre o poder da linguagem, pelas mãos de um dos mais aclamados autores norte-americanos da atualidade.

Cris 

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

"Inyenzi ou as Baratas" de Scholastique Mukasonga

Ruanda, 1959. Genocídio. Mais um numa História cheia de momentos vergonhosos. Porque é que o Homem, na sua ânsia de poder, não fica satisfeito com nada nem olha a meios para obter o que pretende?

ESTE LIVRO É DURO. Narrado pela autora; não ficção. Este livro é pois uma memória autobiográfica da sua infância e da altura em que a sua família foi deportada para Nyamata em 1960, sítio inóspito e sem condições. A partir daí foram-se acumulando os ataques a membros da sua família, amigos e vizinhos e que culmina num genocídio. A autora conseguiu fugir para o Burundi e posteriormente para  França, onde vive.

Inyenzi significa "baratas" e é usado  de uma forma depreciativa contra os Tutsis. Dirigido a alguém que pode ser esmagado sem dó nem piedade.

"E as mães tremiam de angústia ao trazerem ao mundo um rapaz que se tornaria Inyenzi e que seria lícito humilhar, perseguir e assassinar com toda a impunidade. Estávamos cansados e por vezes cedíamos ao desejo de morrer. Sim, estávamos prontos a aceitar a morte, mas não aquela que nos foi dada. Éramos Inyensi, havia apenas que nos esmagar como baratas, de um só golpe. Mas retirou-se prazer da nossa agonia. Fez-se prolongar essa agonia com suplício intoleráveis, por prazer. Retirou-se prazer em retalhar as vítimas ainda vivas, em esventrar as mulheres, em arrancar os fetos. E esse prazer é-me difícil perdoar, vejo-o sempre diante de mim como um escárnio ignóbil." pág.123

Numa linguagem desprovida de sentimentalismos e muito crua, Scholastique conta o que viveu e mostra-nos os seus fantasmas e todas as suas feridas impossíveis de curar. Intenso e doloroso. Estrelas máximas para um tema terrível, onde o Homem mostrou o seu pior. Como se consegue ser resiliente e arranjar forças para sobreviver perante uma barbárie? Como se consegue voltar a pisar a terra onde o sangue dos familiares está entranhado na terra?

Aconselho muito.

Terminado em 21 de Agosto de 2025

Estrelas: 6* 

Sinopse
Quando uma mulher tútsi tomava conhecimento de que estava para ser mãe, a angústia arrasava-lhe a felicidade: sabia que, pelo formato do seu nariz, o aspeto do seu cabelo, o seu local de nascimento, aquele bebé estaria destinado a tornar-se, aos olhos do seu país, um Inyenzi – uma barata.

Foi esta a designação dada aos tútsis do Ruanda durante décadas e foi com o argumento de que aquele povo mais não era que um inseto desprezível que a violência ganhou gradualmente rédea solta, até 1994, quando em cerca de cem dias perto de um milhão de pessoas foram brutalmente assassinadas.

Entre elas, quase toda a família de Scholastique Mukasonga.

Anos mais tarde, em França, Mukasonga vê-se rodeada por fantasmas que a impelem a escrever, a salvar do apagamento a história daqueles que já não a podem contar e a testemunhar como foi crescer constantemente entre o medo e o carinho extremos.

Inyenzi ou as Baratas é um documento duro e enternecedor, uma carta de amor repleta de feridas impossíveis de sarar, uma memória pessoal que importa enfrentar coletivamente.

Cris

terça-feira, 9 de setembro de 2025

A Convidada escolhe: “Memória de uma Epifania”

Memória de uma Epifania” – Maria João Vaz, 2023

Conheci a Maria João Vaz numa sessão promovida pelo Bloco de Esquerda em Coimbra, no início de Março, no âmbito do II Fórum LGBTQI+. No final da sessão comprei o livro “Memória de uma Epifania” à autora, mas só agora o li, depois de ter lido “As Malditas” de Camila Sosa Villada.

Acho que André Tecedeiro consegue, no prefácio, sintetizar muito do que gostaria de aqui escrever sobre o livro: “É um livro claro, generoso e honesto. Acima de tudo, é um livro necessário” (pág. 7). E mais à frente acrescenta: “De uma forma geral, as pessoas sabem pouco sobre o que é ser trans, e o que julgam saber está cheio de equívocos.” (pág. 8).

Muito diferente de “As Malditas”, este livro surge do desejo de Maria João Vaz escrever um texto para um espectáculo de teatro que falasse da sua vida e da sua realidade, ou seja, daquilo que ela conhece melhor, projecto esse que, entretanto, evoluiu para a presente autobiografia. No fundo, Maria João Vaz sentiu necessidade de partilhar a sua experiência de mulher trans numa sociedade ainda muito alheada dessa realidade. A autora é exaustiva na partilha das suas memórias desde a mais tenra idade: a vida com os pais, os irmãos e irmã, o colégio execrável que frequentou durante sete anos, as idas à Feira Popular, o fascínio da neve e das lojas de brinquedos, mas também o desconforto desde sempre entre ela e as outras pessoas, que a levava ao isolamento, buscando a solidão e o silêncio. Nunca os pais revelaram capacidade nem sensibilidade para ver que ela era diferente, nem os próprios médicos descortinaram a origem dos ataques de pânico na escola, que para ela foi um lugar de humilhação, de prepotência e de desrespeito pelos direitos das crianças. Ao longo da vida e desde criança fez inúmeras viagens com a família, as quais reconhece não conseguir desfrutar na plenitude, mas que lhe deram uma base cultural e uma visão do mundo que é muito patente em todo o livro. O gosto secreto de vestir roupas femininas, a paixão e/ou identificação com outras mulheres mais velhas gerava nela um sentimento de culpa, de que vivia uma vida de fachada, de mentira. Para além do imenso amor pelas três filhas da sua relação com uma mulher por quem se apaixonou, os animais, e sobretudo os cães e cadelas que teve ao longo da vida, foram certamente os maiores amores da sua vida. Com formação artística na área do teatro, Maria João Vaz fez teatro, telenovelas, cinema, dobragens de filmes de animação, foi música, tendo tocado trompete no Hot Club e é escultora autodidacta . Foi uma mulher dos sete instrumentos, agarrando tudo o que podia para viver e sobreviver, num mundo que muitas vezes lhe virou as costas, a usou, foi falso e hipócrita. Mas Maria João era mulher com um sentido profundo da vida e uma busca incessante do equilíbrio e do direito a ser feliz.

Até que se dá a epifania em 2018. Maria João é muito precisa e descreve todo o seu processo de descoberta e de coming out em relação à família e ao mundo. Após cinquenta anos de condicionamento pessoal e social, descobre-se e encontra o seu verdadeiro eu. Uma epifania é sempre algo de mágico, de verdadeiramente novo, de maravilhoso, mas este processo não foi sem custos e sofrimento, significou também muita solidão e confronto com algumas pessoas que considerava amigas. Maria João Vaz partilha connosco este seu processo e embora tenha ocorrido tardiamente na sua vida, volto ao prefácio de André Tecedeiro, um homem trans, e transcrevo: “Não há solidão comparável à de vivermos longe de nós”. (pág. 7)

Num tempo em que as questões de género e a comunidade trans estão sob ataque mortal por parte da direita e extrema-direita, o conhecimento da realidade e da diversidade deverão gerar empatia e a quebra de preconceitos que se baseiam sobretudo na ignorância. Maria João Vaz foi muitas vezes aos EUA, país que sempre lhe provocou enorme atracção e até vontade de ser lugar para viver, mas, a certa altura, fruto dos ventos conservadores que dali sopram, escreve que hoje já tem pouca vontade de lá voltar. Compreende-se e lamenta-se que o mundo esteja a virar-se para o conservadorismo mais abjecto.

À autora e à coragem que reflecte ao longo deste livro autobiográfico, o meu respeito e solidariedade. A luta continua!

15 de Julho de 2025

Almerinda Bento



quinta-feira, 4 de setembro de 2025

"Eu Tituba, Bruxa... Negra de Salem" de Maryse Condé

Há livros que habitam nas minhas estantes durante muito tempo mas que depois algo os catapulta para as minhas mãos, subitamente. Desta feita foi uma categoria do Bingo de Verão do clube de leitura a  que pertenço (um dos...). 

Com uma capa que aprecio muito, esta obra é da  Maldoror, editora creio que pouco conhecida, mas que possui títulos muito interessantes. Este livro é um deles e merece destaque.

Não é a primeira vez que leio não ficção sobre a caça às bruxas de Salém, ocorrida em 1692 em Salém, Massachusets (EUA) e esta narrativa teve por base a existência de uma mulher negra, acusada de bruxaria, Tituba. Tudo começou quando algumas crianças começaram a ter comportamentos estranhos aos quais os médicos declararam ser obra de bruxaria. A histeria foi de tal ordem que foram acusadas perto de 200 pessoas. Tituba e mais duas mulheres foram as primeiras.

Mas esta história não começa aqui e o leitor vai até Barbados, Antilhas O livro começa de uma forma muito impactante:

"Abena, a minha mãe, foi violada por um marinheiro inglês na ponte do Christ the King, num dia de 16**, enquanto o navio se dirigia para Barbados. Foi dessa agressão que nasci. Desse acto de ódio e desprezo." pág 11

A narrativa é efetuada na primeira pessoa, como se fosse a própria Tituba a contar a sua vida, desde a sua infância em Barbados. Temas como o racismo, a escravatura estão fortemente tratados pelo que é um livro com uma forte crítica social e política.

Não se sabe ao certo o destino de Tituba e a autora, livremente, ficcionou uma história que fez o meu agrado e que fará o vosso certamente! Leiam!

Terminado em 18 de Agosto de 2025

Estrelas: 6

Sinopse

Eu, Tituba, Bruxa... Negra de Salem foi publicado pela primeira vez em 1986, e conta a história de Tituba, mulher negra, escrava, julgada e condenada no célebre julgamento das bruxas de Salem, de 1692. Maryse Condé traz-nos a incrível história desta mulher, valendo-se da imaginação para compor os pormenores que o tempo ocultou, e recorrendo aos mesmos fios que tecem e orientam toda a sua obra literária: a escravatura, a influência do colonialismo na cultura e na história das Antilhas, as raízes africanas, a condição feminina e a condição do negro no mundo.

Cris

terça-feira, 2 de setembro de 2025

A Convidada escolhe: “As Moscas de Outono”

As Moscas de Outono” – Irène Némirovsky, 1931

Num espaço de um mês este é o segundo livro que leio desta escritora ucraniana de ascendência judia que faleceu prematuramente num campo de extermínio nazi em 1942. Como já em publicação anterior sobre “O Baile” referi, esta repetição e revelação deveram-se à escolha desta autora e do livro “As Moscas de Outono” para o encontro de Junho do Clube de Leitura de Leia Mulheres Lisboa.

Também este é um pequeno livro, muito conciso, que conta a história dos Karine que, de alguma forma, tem paralelismo com a vida de Irène Némirovsky. Trata-se de uma família abastada que tem de fugir na sequência da revolução russa, passando por Odessa, Marselha e finalmente Paris, que vive nessa altura a chegada da primeira vaga de emigrantes russos. A família Karine vive numa casa insalubre, mas, com o tempo, vai-se habituando à cidade, ao clima e à população, apesar de as condições de vida no exílio em nada se assemelharem às que deixara na Rússia. No entanto e como é apanágio de quem é forçado a exilar-se, a adaptação não é sem dor e nos diálogos dos diversos membros da família Karine perpassa o desespero, a tristeza, a saudade. “A vida, insensivelmente, organizava-se” (pág. 78), eles tinham as suas rotinas “jantavam à pressa, deitavam-se e dormiam sem um único sonho, derreados pelo afanoso dia de trabalho” (pág. 72). “Eles, (os Karine) iam, vinham, de um muro ao outro, silenciosamente, como as moscas de Outono, quando o calor, a luz e o verão aparecem, voam penosamente, exaustas e arreliadas, contra os vidros, arrastando as asas mortas” (pág. 52). Ao contrário, Tatiana Ivanovna que era ama da família há 51 anos, não consegue adaptar-se à mudança e vive do passado, da sua amada terra, das recordações e da saudade dum tempo que terminou. Sobretudo, faltava-lhe a neve da sua terra distante. “A velha sorria, fechou os olhos. Tinha nascido numa zona rural, longe dos Karine, no norte da Rússia, e para ela nunca havia demasiado gelo nem demasiado vento.” (pág. 25). A incompreensão de Tatiana por atitudes da jovem Loulou “És demasiado velha, não podes compreender” (pág. 60) e até a forma como a família encarava o assassinato ainda recente de Youri “uma tristeza enregelada” (pág. 63) fazem da velha ama uma personagem singular e, quanto a mim, central nesta obra. O seu alheamento num mundo em que não se consegue integrar são a sua forma de sobreviver.

Apenas um detalhe que achei interessante. O romance começa num Natal antes da revolução, quando Youri e Cyrille partem para a guerra e Tatiana se despede deles enquanto prepara as suas malas e termina em Paris, na noite de Natal quando os Karine saem para festejar em casa de amigos deixando a velha Tatiana em casa. É um ciclo que se fecha na noite de Natal.

Este romance, com tradução do francês de Diogo Oliveira Paiva, tem belíssimas descrições de ambientes e de estados de alma e revela uma enorme capacidade da autora em analisar as pessoas, conferindo-lhes densidade e autenticidade. Tal como “O Baile”, este “As Moscas de Outono” não mede o seu valor pela quantidade das páginas. Muito bom.

1 de Julho de 2025

Almerinda Bento 

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

"Um País Sem Amor" de Yaroslav Trofimov

Foi- me recomendado este livro por uma amiga livrólica e, por acaso, tradutora do mesmo, como sendo muito bom. O tema interessou-me sobremaneira porque pouco sabia da História da Ucrânia e, assim, passou à frente da eterna pilha dos livros a ler.

Cumpriu a sua missão e foi diretamente para o quadro de honra! Muito interessante a conjugação dos factores históricos de um país que foi sempre tão devastado por guerras, mortes e fome com a história ficcionada de uma jovem judia ucraniana, Débora Rosenbaum. A cereja no cimo do bolo foi o facto de Débora ser apaixonada por literatura!

Vamos acompanhando a sua vida conjuntamente com a História da Ucrânia desde 1931 a 1954, sem que esta última seja metida à pressão! Para além de conter relatos impressionantes dos efeitos devastadores da era soviética, das consequências das acções de Estaline na vida do povo ucraniano, o leitor fica a conhecer como é viver com medo todos os dias, com as denúncias (inclusivé de familiares), com a propaganda mentirosa, os espiões, os desaparecimentos de pessoas de um dia para outro, as execuções e deportações em massa. Com os efeitos da II Guerra também.

As vivências de um povo que viveu com o medo, a fome e a morte sempre presentes nas suas vidas! A FALTA DE LIBERDADE.

Super recomendado! 

- (...)"Estamos a lutar contra a história. A história é uma animal selvagem e sedento de sangue. Está outra vez a virar-se contra este país, destruindo-o e refazendo-o. Não podemos por-nos no seu caminho sem fazê-la parar. Só podemos ter esperança de que não nos atinja com as suas garras, enquando avança à força. De que não reapare en nós. De que esmague outros. Só podemos tentar ser invisíveis. Invisíveis para sobrevivermos.

- É um mundo horrível - disse Débora. -Como ficou assim?" Pág 91 

Terminado em 10 de Agosto de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse 
Yaroslav Trofimov, nascido na Ucrânia e correspondente de guerra do Wall Street Journal, passou todo o ano de 2022 na linha da frente da invasão russa. A reportagem que daí nasceu, finalista do Prémio Pulitzer, e a memória da sua avó inspiraram este poderoso romance, ancorado na Ucrânia do século XX.

Debora Rosenbaum, uma jovem ambiciosa e apaixonada por literatura, chega a Kharkiv, a capital da nova República Soviética Ucraniana, determinada a construir o seu próprio futuro - o passado, com as suas formas obsoletas e proibitivas, ficou para trás. Mas os ideais da era soviética rapidamente se revelam ilusórios: a fome varre os campos e o menor desvio da ideologia ditada por Moscovo é punido.

Quando a Segunda Guerra Mundial lança os exércitos sobre a Ucrânia, os campos dourados de trigo tingem-se de sangue. Debora é forçada a abandonar tudo e a enfrentar escolhas impossíveis num país dilacerado por dois regimes totalitários, que se transforma no lugar mais mortífero do mundo.

Cris


sexta-feira, 29 de agosto de 2025

"O Rapaz Que Veio do Mar" de Garrett Carr


Narrativa lenta mas saborosa de se fazer. Os personagens vão tomando forma aos
nossos olhos e aprofundando algumas caracteristicas com o decorrer da leitura que se desenvolve durante cerca de duas décadas. O leitor é transportado para uma vila piscatória na costa oeste da Irlanda e a trama centra-se em Ambrose Bonnar, a sua família e o menino que adota "vindo do mar". A criança é encontrada num pequeno "bote" improvisado, não se conhecendo os progenitores.

Tensões familiares nascem com a chegada de Brendan, "o menino do mar" como toda a vila o passa a referir, visto não ter sido aceite por Declan, filho efetivo de Ambrose, nem por mais dois membros da família, a tia e o avô. As alterações de comportamento são perceptíveis por todos.

Bendan, ao crescer, mostra-se misterioso e é alvo de um ambiente algo mítico do qual ele se aproveita claramente.

A leitura decorre entre essas tensões e a vivência quotidiana desta familia e as dificuldades que Ambrose, seu amigo mais próximo e colegas possuem na actividade piscatória, relatos que, creio, serão fidedignos de uma realidade por que passam muitos dos pescadores.

Uma narrativa que liga aos detalhes e que é prazerosa de se fazer para ser efetuada a um ritmo lento. Gostei particulamente de andar devagar e reduzir o ritmo da leitura a que esta obra obriga e a que estou habituada. Abrandar.

Uma originalidade que apreciei bastante foi o facto desta narrativa ser efetuada na terceira pessoa, sendo o narrador a própria vila. O "nós" está sempre presente, quer nos momentos mais íntimos dos personagens, quer quando são narrados acontecimentos em grupo. É também através deste narrador que somos postos ao corrente da opinião da vila sobre os acontecimentos que afetam esta família. Não me lembro de ter lido algo semelhante, um livro com um narrador colectivo.

O final termina com uma réstia de esperança, que me agradou.

Terminado em 31 de Julho de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse 
Esta é a história de uma família, da comunidade de uma aldeia piscatória e de uma criança.
Estamos em 1973. Numa comunidade unida na costa oeste da Irlanda, um bebé é encontrado abandonado na praia. Batizado de Brendan por Ambrose Bonnar, o pescador que o adota, o rapaz tornar-se-á uma fonte de fascínio e esperança para uma comunidade apanhada na tempestade de um mundo em rápida mudança.
Ambrose, mais à vontade no mar do que em terra, acolhe Brendan em sua casa por amor. Mas é uma decisão que fraturará a sua família e forçará este homem a tentar compreender-se a si próprio e àqueles de quem cuida.
Ambientado ao longo de vinte anos, O Rapaz que Veio do Mar, de Garrett Carr, é um romance sobre um rapaz inquieto a tentar encontrar o seu lugar no mundo. É uma exploração dos laços que nos fazem e nos unem, enquanto uma família e uma comunidade avançam irresistivelmente para o futuro.

Cris




quinta-feira, 28 de agosto de 2025

"A Guerra Que Me Ensinou a Viver" de Kimberly Brubaker Bradley

Este livro é a continuação de uma história que me deu muito prazer de ler (opinião aqui) e mal soube que a história de Ada tinha continuação, comprei o livro em segunda mão. Assim que chegou, peguei nele. Poderia não ser de leitura compulsiva como o anterior mas isso não aconteceu. A história puxa pelo leitor e as páginas voam.

Ada tem problemas de socialização, dificuldades em interpretar o mundo porque o seu vocabulário é reduzido devido à quase inexistência de amor por parte da mãe e por ter estado confinada a um espaço restrito. Como pano de fundo, ainda a II Guerra Mundial.

Há guerras externas e internas e Ada precisa aprender a ultrapassá-las. Gostei muito desta leitura que embora dirigida a um público mais juvenil, prende qualquer adulto pela forma como a trama é narrada. Zero momentos mortos, lágrima no canto do olho ao ler como a autora conseguiu transcrever tão bem os sentimentos dos personagens. 

Leiam que merece muito a pena!

Terminado em 22 de Julho de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse
A prova de que o amor ultrapassa todos os obstáculos. Para Ada, os tempos de sofrimento e infelicidade parecem ter ficado no passado. Depois de se mudar com o irmão para casa de Susan e de finalmente poder contar com o amor de uma família, a sua vida começa a ganhar um novo sentido.

Só que a guerra está longe do fim e, além do medo, também traz consigo algumas surpresas inesperadas e perigosas que podem abalar a tranquilidade de todos.

Na nova casa de Ada surge misteriosamente uma rapariga desconhecida, Ruth. A tensão aumenta quando Ada e a sua família descobrem que Ruth é judia e que fugiu da Alemanha. Será ela uma espia ou uma valiosa aliada no meio da calamidade? Que preocupações trará consigo esta estranha e que adversidades estarão à espreita?

Entre dúvidas e receios, é chegada a hora de Ada aprender a aceitar e a acreditar — em si própria, na sua família, na sua capacidade de superar o medo e, claro, no amor. Conseguirá ela vencer mais esta guerra?

Um livro esplêndido para todas as idades.
Uma lição de vida face a todas as guerras que travamos diariamente.

Cris 


quarta-feira, 27 de agosto de 2025

"Crime na Mesopotâmia" de Agatha Christie

Leio com interesse médio os livros desta grande senhora do crime que é Agatha Christie. Faço-o porque leio em conjunto com uma grupeta e a interação é muito gira. Todos botam palpites e, quase sempre, poucos acertam. 

E referi que leio com um interesse médio porque o estilo de apresentação das personagens e das suas interações não me desperta, sinceramente, grande empatia. As pistas falsas semeadas e o facto de todos terem motivos, enervam-me. Desta feita, por acaso até acertei no assassino mas foi um palpite completamente descabido (pensei no indivíduo menos provável) embora as razões pelas quais o fez e de que modo o concretizou me tivessem passado completamente ao lado. A bem da verdade achei meio pateta como conseguiu assassinar alguém da forma como foi descrito. 

Mas vou insistindo porque pode ser que haja algum que me agrade mais. Que me desculpem os amantes de AC mas esta autora não me atrai deveras. Mas como disse, o convívio compensa... :)

A narradora é uma enfermeira que é contratada para tomar conta de uma mulher de um arqueólogo famoso, supostamente por ter reações esquisitas, levando as pessoas em seu redor e atribuir-lhe problemas mentais. Encontram-se a efetuar uma pesquisa arqueológica nos arredores de Bagdade, Iraque. Um assassinato põe fim a um ambiente estranho, uma tensão crescente sentida pela enfermeira. Hercule Poirot entra em acção.

Terminado em 20 de Julho de 2025

Estrelas: 3*+

Sinopse 
Amy Leatheran é uma jovem enfermeira encarregada de acompanhar o casal Kelsey na sua viagem para Bagdade. Finda a tarefa para a qual fora contratada, Amy prepara o seu regresso a Londres quando é inesperadamente contactada pelo Dr. Leidner, um arqueólogo de renome, para dar assistência à sua mulher, Louise. De facto, Louise é uma pessoa extremamente nervosa e sofre de súbitos e incontroláveis ataques de pânico. No cenário longínquo de uma escavação arqueológica nas margens do rio Tigre, Amy conquista o afecto e a confiança de Louise, que lhe faz confidências sobre o seu passado e chama a atenção para os estranhos acontecimentos que ocorrem no acampamento e cuja origem é unanimemente atribuída aos seus próprios problemas nervosos. Mas depressa se torna óbvio que as suas suspeitas estavam correctas. E quando a tensão tinge o seu auge eis que surge o inigualável Hercule Poirot, numa oportuna viagem pela Mesopotâmia. Por entre um labirinto de segredos e mentiras, Poirot parece, desta vez, ter chegado tarde de mais...   Agatha Christie nasceu Agatha May Clarissa Miller, em Torquay, na Grã-Bretanha, em 1890. Em 1971, a rainha Isabel II consagrou-a com o título de Dame of the British Empire. Deixando para trás um legado universal celebrado em mais de cem línguas, a Rainha do Crime, ou Duquesa da Morte (como ela preferia ser apelidada), morreu em 12 de Janeiro de 1976. Em 2000, a 31st Bouchercon World Mystery Convention galardoou Agatha Christie com dois prémios: ela foi considerada a Melhor Escritora de Livros Policiais do século XX e os livros protagonizados por Hercule Poirot a Melhor Série Policial do mesmo século.

Cris 

terça-feira, 26 de agosto de 2025

A Convidada escolhe: “A Outra Filha”

A Outra Filha” – Annie Ernaux, 2011

Depois de “Os Anos”, este é o segundo livro que leio de Annie Ernaux. Em todo ele encontro o estilo autobiográfico e certos detalhes que se observam em “Os Anos”, como por exemplo a referência às fotografias, embora aqui as fotografias sejam escassas. A fotografia a sépia que os pais disseram ser dela, afinal era de uma irmã que morreu dois anos antes de a narradora ter nascido. Essa morte e essa outra filha, foi algo sempre silenciado até ao dia em que a narradora ouviu uma conversa entre a mãe e uma cliente. Foi uma descoberta dolorosa para uma menina com dez anos, numas férias de Verão de 1950. 

A morte da outra filha, um assunto que foi sempre silenciado pelos pais. Naturalmente, algo que foi muito penoso na vida do jovem casal e que nunca conseguiram revelar à segunda filha, tida como filha única. No entanto, numa idade avançada da mãe, diagnosticada com doença de Alzheimer e numa consulta médica, entre as respostas dadas às perguntas do médico, falou que tinha tido duas filhas.

O livro é uma carta à irmã. E embora a narradora pudesse ter questionado primas, tias e tios sobre essa irmã, a verdade é que houve sempre um pudor, uma incapacidade de transpor esse silêncio que os pais criaram. “… não interroguei… porque eu não queria saber. Preservar-te tal qual te recebi aos dez anos. Morta e pura. Um mito. (…) Antes de começar esta carta, eu sentia uma espécie de tranquilidade em relação a ti, que agora ficou pulverizada. (…) Tenho a impressão de não possuir uma linguagem para ti, para te exprimir, de só saber falar de ti em modo de negação, do constante não-ser. Tu estás fora da linguagem dos sentimentos e das emoções. Tu és a antítese da linguagem. (…) Tu só existes através da impressão que deixaste na minha existência. Escrever-te mais não é do que percorrer a tua ausência. Descrever a herança de ausência. És uma forma vazia impossível de preencher com a escrita.” (págs. 42 e 43)

Este livro tem muito a ver com vida e morte. Com família. Com silêncios. Com fantasmas. Com traumas que ficam para a vida. A autora-narradora, ainda antes de escrever esta carta à irmã sentiu necessidade de voltar à casa de infância, àquela onde ela e a irmã tinham nascido e que há muitas décadas estava na posse de outros proprietários. “Tinha uma espécie de sensação plena, feita de espanto e de contentamento obscuro por me encontrar ali, naquele exato lugar no mundo, entre aquelas paredes, perto daquela janela, por ser o olhar que contempla o quarto onde tudo começou para uma e outra, para uma e depois a outra. Onde tudo se decidiu. O quarto da vida e da morte, que estava banhado de luz naquele fim de tarde. O lugar do enigma do acaso.” (pág. 61)

Annie Ernaux é uma autora a quem apetece voltar. Diz-me tanto e está tão próxima da alma humana. Este livro foi traduzido para a nossa língua por Tânia Ganho.

24 de Junho de 2025

Almerinda Bento

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

"Mulheres Refugiadas em Portugal - De casa para um lugar qualquer" de Francisca Gorjão Henriques

Este livro reune narrativas de três mulheres refugiadas em Portugal: Sandra do Zimbabwe, Olena de Maripol na Ucrânia e Maryam do Afeganistão.

Não se conhecem entre si mas possuem um passado comum em termos de discriminação/ guerra que as levaram a abandonar o seu país de origem. Ninguém pode pensar que é levianamente que se abandona o sítio onde se nasceu. Questões sociais, culturais e políticas graves fizeram com que as suas vidas estivessem em perigo.

A autora vai intercalando a sua investigação e análise dos factos com os relatos intensos destas mulheres. Gostei muito. Às vezes é preciso ler certos depoimentos para aprofundar ideias e opiniões. 

Um único senão: o livro é pequeno para a fome que deixa no leitor. Há certamente diferentes vivências que é necessário conhecer. Leiam porque vale a pena!

Terminado em 18 de Julho de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse 

A chamada "crise dos refugiados" de 2015 transformou a realidade do acolhimento em Portugal.

Mas, se o processo de inclusão social é um desafio para todos, o grupo bastante heterogéneo das mulheres migrantes enfrenta barreiras ainda mais difíceis de ultrapassar.

Sandra, Maryam e Olena chegaram, sob um estatuto de protecção internacional, provindas do Zimbabwe, da Ucrânia e do Afeganistão, onde corriam perigo de vida.

Por mais de um ano, abriram a porta de casa para este retrato.

Apresentaram família e amigos, narraram circunstâncias e episódios, confessaram angústias e comemoraram vitórias.

O que o leitor tem entre mãos é o relato das suas vidas reiniciadas, quase do zero, com uma força que lhes permite continuar a ser quem são, mesmo depois de terem atravessado o inimaginável.

Cris


sexta-feira, 22 de agosto de 2025

"Desconhecido Nesta Morada" de Kathrine Kressmann Taylor

Romance epistolar que se lê em pouco mais de uma hora e que preenche todos os requisitos para ser um dos livros que não se vai esquecer tão depressa. 

Trata-se de um conto publicado em finais de 1938 e cuja função, segundo a autora, seria a intenção de mostrar ao povo americano o que se estava a passar na Alemanha, factos totalmente desconhecidos e ignorados. "Queria escrever sobre aquilo que os nazis faziam e mostrar ao público americano o que estava a acontecer a pessoas reais, vivas, apanhadas pela vaga de uma ideologia perversa" pag. 86

Tendo por base o facto de conhecer pessoalmente algumas situações em que alguns seus amigos alemães voltaram para a Alemanha e, num curto espaço de tempo, se transformaram em nazis empedernidos e cruéis, a autora criou uma ficção em que através de troca de cartas entre dois amigos, quase irmãos, um alemão e outro judeu americano, o leitor se apercebe da mudança drástica que sofre a sua amizade.

O desfecho é surpreendente. Cheguei ao final e recomecei a meio para ter a certeza que nada me escapou. Fan-tás-ti-co! Façam um favor a si mesmos e leiam este livro, pf. Uma pérola este livro, não só pela história em si mas pela intenção com que foi escrito e pela época e lugar físico em que foi elaborado

Terminado em 11 de Julho de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse
Max e Martin são amigos dedicados e coproprietários de uma galeria de arte nos Estados Unidos da América.

Quando, em finais de 1932, Martin decide voltar para a sua Alemanha natal com a família, os dois mantêm-se em contacto através de cartas e é a partir da sua troca de correspondência que se constrói este romance.

Max, em São Francisco, continua a gerir o negócio, especialmente próspero entre a comunidade judaica, a que ele pertence.

Já Martin, na Alemanha, encontra um país em transformação, que tem sobre ele um impacto inultrapassável.

Publicado originalmente em 1938 e elogiado pela crítica como «a denúncia mais eficaz do nazismo que surgiu no campo narrativo», Desconhecido Nesta Morada tornou-se ao longo das décadas um fenómeno editorial com milhões de leitores em todo o mundo, revelando em Kathrine Kressmann Taylor uma autora de enorme presciência.

Cris

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

"A Guerra Que Salvou a Minha Vida" de Kimberly Brubaker Bradley

Adoro, adoro quando um livro me devora! A sensação de fazer parte da história, de estar presente e assistir aos acontecimentos assim tão intensamente é o que me faz ler, ler e ler. 

Andava há muito para comprar este livro, pese embora a capa sugira um livro juvenil. Não sei quem mo aconselhou mas já constava da minha whishlist há muito. Encontrei-o na Feira do Livro de Lisboa este ano nos caixotes da Penguin. Sabia que a autora tem outro, com uma capa do mesmo género mas esse não o encontrei. Agora que sei que esta história tem continuação já o mandei vir. Pego nele mal chegue, isso é certo.

Falando em capas, esta faz todo o sentido. Tudo o que ela possui é relevante. Agradou-me muito isso porque (nem preciso dizer...) existem capas que parece que quem as fez ou escolheu não leu o livro!

Como pano de fundo, a II Guerra Mundial. No princípio, ela surge como uma "personagem" bem secundária, quase sem relevância. A narradora é Ada, uma menina que vive em condições difíceis com o seu irmão mais novo e a sua mãe. Difíceis é dizer muito pouco mas, não querendo dar spoilers, fico-me por aqui. 

Quando a guerra se intensifica e o perigo de Hitler invadir Londres se torna mais palpável, é organizada uma viagem para zonas campestres (zona de Kent, perto do Canal da Mancha) e as crianças são levadas para que outras famílias possam cuidar delas até que possam regressar em segurança. Ada e Jamie conseguem partir também. Digo conseguem porque era necessário uma inscrição e a sua mãe não o tinha feito.

E realmente a vida de Ada sofre uma alteração de 360 graus. Para melhor. E é com ansiedade que vamos dando conta de tudo porque passou Ada, nos seus pequenos 10 anos. Ela própria não sabe dar nome aos sentimentos, às emoções, às novidades boas que esta nova vida lhe traz. O sentimento de impermanência é constante: vai ter de voltar quando a guerra acabar, por isso acha melhor não se habituar...

Maus tratos, desamor, revolta, traumas, ataques de pânico, isolamento, insegurança mas também o outro lado da vida: o amor e a alegria, a confiança e a certeza que o futuro pode ser melhor, e sobretudo que as limitações físicas de nascença não nos definem.

A história da Ada tem continuação. Estou mortinha para que o livro chegue!

Terminado em 10/07/2025

Estrelas: 6*

Sinopse
Vencedor do John Newberry Medal Honor Book, o mais importante prémio de literatura infantojuvenil norte-americano.
Um livro emocionante e arrebatador para ler com um sorriso nos lábios e lágrimas nos olhos.

Tudo o que Ada conhece do mundo é o pouco que consegue ver a partir da janela. Sempre viveu com a mãe e o irmão mais novo num apartamento minúsculo, de onde está proibida de sair. Ada apenas teve a infelicidade de nascer com um pé aleijado, mas isso é mais do que motivo para a mãe se envergonhar dela, maltratando-a e escondendo-a.
Com a aproximação da guerra, todas as crianças de Londres são enviadas para um campo fora da cidade, e Ada aproveita a oportunidade para fugir com o irmão. Os dois são acolhidos por uma família que os ama incondicionalmente, sem distinções nem preconceitos, e Ada pode finalmente aprender a ler, a escrever e a montar a cavalo.
Pela primeira vez na vida, faz amigos e percebe o verdadeiro significado da palavra felicidade. Mas tudo pode ser posto em causa quando o passado volta para pôr Ada novamente à prova.

Imperdível e obrigatória, esta é a história das inúmeras batalhas que temos de travar para conquistarmos o nosso lugar no mundo.
Um livro multipremiado: Publishers Weekly Best Books, Wall Street Journal Best Children’s Books, Kirkus Best Books, Goodreads Choice Awards Nominee for Best Middle Grade Book, Chicago Public Library’s Best of the Bests Books, Schneider Family book Award, Josette Frank Award. 

Cris

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

A Convidada Escolhe: "O Baile"

O Baile” – Irène Némirovsky, 1930

É um livro que se lê dum fôlego. Nunca tinha lido nada desta autora. Procurei “As Moscas de Outono” na Biblioteca Municipal a que estou ligada, por ser o livro que escolhemos este mês para o Leia Mulheres Lisboa e acabei por trazer “O Baile”, o único de Irène Némirovsky que a biblioteca municipal tinha.

Ao lê-lo, lembrei-me de Stefan Zweig e de “O Morto” de James Joyce em «Dubliners», talvez mais pelas personagens e pelos ambientes, do que propriamente pela história. Trata-se de um livro invulgar, perturbador, muito bem escrito e que fica a remoer, sobretudo pelo insólito.

Tudo se desenrola em torno de um casal de novos-ricos e da filha adolescente. Digamos que nenhum deles está de bem com a vida. Eles – os Kampf – porque querem ostentar um estatuto que não têm, mesmo que o dinheiro lhes sobre. O teste do algodão não engana; são inseguros, falsos, medíocres. Antoinette, a filha com catorze anos já não é uma criança, aspira a ser desejada porque já se sente uma mulher; a mãe, no entanto, trata-a como uma criança e tem uma relação conflituosa com a filha, não conseguindo compreender a filha nem estabelecer com ela uma relação minimamente empática nem maternal. Antoinette sente que ninguém a ama, é profundamente infeliz, sente-se “miserável e só como um cão perdido” (pág. 32). Por outro lado, acha os pais hipócritas. É em torno deste mal viver que se desenrola este pequeno conto que tem um desenlace insólito.

Perfídia? Intencionalidade? Vingança? Penso que sim. O desespero, a solidão e o desamor podem detonar reacções descontroladas protagonizadas por jovens. Temos assistido a isso, aqui e ali no mundo.

5 de Junho de 2025

Almerinda Bento 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

"Boulder" de Eva Baltasar

Livro de poucas páginas mas com muitas camadas que me levaram a lê-lo mais devagar do  que esperava. Não é uma leitura ligeira e faz-nos pensar bastante. 

A narradora é cozinheira num cargueiro. Solitária, não se considerando uma cozinheira de mão cheia, sabe que, no entanto, cumpre as suas funções. Trabalha por cama e comida, não recebendo salário. Essa vida basta-lhe até que conhece uma mulher por quem se apaixona. Muda a sua vida, o amor inunda-lhe o corpo e as palavras. Mudam-se para Reiquiavique, onde Samsa arranja emprego. 

O dia a dia traz a monotonia que Boulder tenta combater. Quando Samsa pretende ter um filho, a suas vidas sofrem alterações que a autora soube transpor com mestria para o papel. A entrada de um novo ser cria rotinas e desafios que Boulder não sabe superar. Será que o quer verdadeiramente? 

Uma viagem ao interior de uma mulher, aos seus pensamentos e desejos e às suas resoluções ao verificar que se ia sentindo presa cada vez mais sem vontade própria que a satisfizesse.

Li com gosto mas não me satisfez na sua totalidade. Realidades diferentes que não me tocaram?

Terminado em 8 de Julho de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse
A trabalhar como cozinheira num cargueiro, uma mulher conhece e apaixona-se por outra mulher, Samsa, que lhe chama «Boulder». Quando Samsa consegue um emprego em Reiquiavique e o casal decide mudar-se, Samsa quer ter um filho. Tem quarenta anos e não pode deixar passar a oportunidade. Boulder, menos entusiasmada, não sabe como dizer não e vê-se arrastada para uma jornada difícil.

Enquanto assiste ao modo como a maternidade transforma Samsa numa estranha, Boulder vê-se obrigada a organizar as suas prioridades. Pode o anseio por liberdade superar o desejo por amor? 

Cris

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

"Sorrisos de Bombaim" de Jaume Sanllorente

Ler um livro assim faz-nos pensar no que podemos fazer para sermos um pouco melhores. Num mundo onde o ódio se espalha como um rastilho de pólvora, saber que existem pessoas que fazem da sua vida uma dádiva para os outros faz-nos reflectir: o que fazemos nós com as nossas "skills", os nossos dons. Pomo-los a trabalhar para nós somente ou pensamos nos outros também?

A forma como um jovem, a partir de duas visitas que fez à Índia, transformou a sua vida e lutou para conseguir mudar as condições de vida de crianças de um orfanato é qualquer coisa de surpreendente. O que viu nessas viagens marcou-o de tal forma que não descansou até conseguir meios para alterar aos poucos a vida desses meninos que, por terem nascido numa casta inferior, a nada tinham direito. Jaume percebeu que lutar pelo direito a uma educação para essas crianças seria uma forma de lhes dar "uma cana de pesca" para que pudessem melhorar o seu futuro.

Sair da sua zona de conforto, com persistência e muita força de vontade, fez com que Jaume modificasse a vida de muitos meninos. Um exemplo de coragem e força de vontade!

Admirável. Leiam. Livro de não ficção que merece mais relevo do que teve.

Terminado em 4 de Julho de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse
Depois de conhecer um pequeno orfanato que se prepara para fechar as suas portas colocando quarenta crianças na rua e nos prostíbulos da cidade de Bombaim, Jaume Sanllorente toma a decisão que mudará o resto da sua vida. E, em consequência disso, mudará as vidas de muitas outras pessoas. O seu destino está agora inscrito nas paredes de Bombaim. Uma lição de amor, entrega, sacrifício e esperança que nos convida a percorrer o caminho para um mundo melhor. 

Cris

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

"Lobos" de Tânia Ganho

Gostei muito dos dois livros anteriores da Tânia Ganho e tinha muita curiosidade em ler este, sobretudo porque sabia que a autora fazia voluntariado no Centro de Recuperação do Lobo Ibérico em Mafra e o que estava a escrever tinha a ver com lobos e com essa sua experiência.

Confesso que a leitura do "Apneia" me foi deixando, cada vez mais, em apneia, com uma revolta muito grande pelo que a personagem principal e o seu filho estavam a passar, principalmente porque as injustiças narradas constituem o dia a dia de muitas pessoas, ainda hoje. 

Com esta leitura de "Lobos" isso não aconteceu. Foi uma leitura mais calma mas não menos impactante. No cômputo final creio que ainda gostei mais deste. São tratados muitos temas actuais, que (nota-se!) têm por base uma profunda pesquisa sem que, contudo, o leitor sinta que a autora se limitou a despejar informação. E o que se aprende, senhores!!! Tanto conhecimento que nos é passado em matérias tão diversas e actuais!

Claro que, após ter lido o livro e ouvido a autora falar tão bem, numa apresentação, fiquei com vontade de ler "O Pintor de Batalhas" de Arturo Pérez-Reverte, livro que mora cá em casa há muito.  Nas primeiras páginas lê-se uma citação desse autor: "Há lugares de onde nunca se regressa". E este livro fala-nos precisamente disso, das vivências que vamos tendo nas nossas vidas, que nos marcam profundamente e as quais nos é difícil deixar ir, libertar.

A acção decorre, maioritariamente, no tempo da pandemia mas vai fazendo algumas analepses e focando-se em temas como a guerra, a pandemia, abusos sexuais, Alzheimer, consoante as personagens. Vamos conhecendo o seu passado e como ele influencia e marca o presente. 

Freda, Helena, Leonor, Stefan, Amélia, todos nos ficam no coração de uma forma ou outra. E o António? Personagem secundária que não se esquece mesmo. 

Gostei muito e recomendo. Venha o seguinte, Tânia!

Terminado em 24 de Junho de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse

Fedra passou mais de vinte anos nalguns dos piores lugares da Terra. Depois de ter estado no Ruanda, Kosovo, Iraque, Mali, a antropóloga forense regressa por fim a casa. O seu novo trabalho no Instituto de Medicina Legal obriga-a a mergulhar diariamente nas profundezas sórdidas da dark net, uma experiência irreparavelmente solitária.
Stefan vive na cabana que construiu numa floresta. Após décadas de nomadismo, o antigo repórter de guerra alemão leva uma vida de eremita, procurando na sua relação com a natureza um contraponto à crueldade humana que testemunhou.

Leonor, uma adolescente de 14 anos, isola-se no apartamento familiar, num bairro privilegiado de Lisboa, após ser vítima de um crime sexual. Helena, a mãe, revela-se incapaz de lidar com o trauma e refugia-se numa obsessão que ameaça destruí-la a ela e à filha.
Nos bastidores destas vidas que se entrelaçam, Amélia, uma mulher no limite da memória e da sobrevivência, guarda a chave de um mistério que poderá nunca ser desvendado.

O regresso de Tânia Ganho à ficção apresenta-nos pessoas que enfrentam os seus demónios num momento de viragem das suas vidas e do mundo. 

Cris 



quinta-feira, 14 de agosto de 2025

"Qual é o Teu Tormento" de Sigrid Nunez

Li a sinopse e gostei, por isso quis ler este livro. Agora que o terminei sei bem que partes gostei e aquelas que achei desnecessárias porque me fizeram perder o fia à meada. Creio que a autora se perdeu em divagações que quase me fizeram quase desistir de o ler e que não achei pertinentes para a história em si.

Tirando essas, talvez umas 30/40 páginas, e analisando o cômputo final achei muito interessante como a autora narra esta história, de como aborda um tema tão pesado, a finitude de quem sabe que o fim está próximo e aguarda em sofrimento a própria morte. E, também, de como se torna difícil para quem está próximo agir e comportar-se da "melhor" maneira.

Duas amigas, uma com uma doença em estado terminal, após demorada conversa, decidem passar juntas os dias que ainda possuem. Sendo que a intenção de uma delas é pôr termo à vida para o que necessita de ajuda da outra, a narradora. São as personagens centrais do enredo

Todos os sentimentos envolvidos, de parte a parte, estão rigorosamente colocados no papel com mestria. A narradora questiona-se frequentemente como agir, o que falar, e vai recordando pequenos episódios passados. E neste processo há uma amizade que se fortalece e risos, muitos risos, também os há, surpreendentemente.

Gostei do final. Que final seria possível sem ser o previsível? Este. 

Não se lê este livro com um sentimento de opressão e isso agradou-me muito. 

Terminado em 30 de Junho de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse

Todo o ser humano tem necessidade de falar sobre si e de ser ouvido.

É com esta convicção que a mulher que aqui nos narra olha em redor, presta atenção às histórias das pessoas e se questiona sobre as suas dores.

Quando toma conhecimento de que uma amiga que não vê há longos anos está internada com um cancro terminal, visita-a e aceita partilhar casa com ela e acompanhá-la até ao fim.

Conversam, riem, leem, veem filmes, recordam a juventude e as relações mais ou menos complicadas dos seus passados, produzindo uma reflexão comovente, polvilhada de humor e de crítica social, sobre o nosso tempo e o absurdo da vida e da morte.

Qual É o Teu Tormento é um texto extraordinário de homenagem ao poder da empatia e do companheirismo.

Cris 


quarta-feira, 13 de agosto de 2025

"Água Salgada" de Charles Simmons

Livro rápido de se ler e que prende depressa o leitor porque logo no começo é largada uma bomba: "No verão de 1963 apaixonei-me e o meu pai afogou-se". Gosto quando o início tem o condão de nos agarrar e quando até nos é contada grande parte da história. Isto tem de ser feito com a sabedoria necessária para nos instigar a leitura. Foi o caso.

Um livro bom para se ler no verão, leve q.b., que nos conta a história de um adolescente de 16 anos e da sua família próxima, que decorre num verão em que vários acontecimentos se tornam impactantes para o seu crescimento e personalidade. Um verão de descobertas diversas que vão desde o amor até desilusões bem maiores. As tensões familiares sempre presentes.

Passado junto a uma região costeira, o mar está presente com a sua calmaria mas também revolto como só ele sabe ser. 

Gostei bastante deste romance breve mas com uma forte intensidade no que concerne aos sentimentos do personagem principal, Michael, que nos faz lembrar como tudo na adolescência pode tomar proporções maiores. Crescer, pode doer.

Terminado em 12 de Junho de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse

Água Salgada é uma obra de rara inteligência narrativa, guiada por um instinto visceral que escava o coração da história para revelar uma beleza sem igual. Charles Simmons tece uma narrativa sublime sobre a descoberta do primeiro amor e mergulha no âmago da necessidade humana de ser desejado, explorando com sensibilidade os laços entre pai e filho e os desafios da adolescência, descrevendo uma corrente intensa de anseios, descobertas e desilusões.

***

«No verão de 1963, apaixonei-me e o meu pai afogou-se.» Assim começa este romance inquietante. Numa ilha isolada ao largo da costa atlântica, Michael, de dezasseis anos, passa as férias como sempre, ao lado dos pais na sua magnífica casa de praia em Bone Point. 

Mas este não será um verão como os outros. A chegada da enigmática Sra. Mertz — herdeira de uma linhagem russa — e da sua filha Zina, uma jovem de vinte anos vibrante e irresistivelmente sedutora, desencadeia um turbilhão de emoções.

Michael será levado aos limites do desejo, experimentando a doçura e a dor do primeiro amor, os segredos da vida adulta e as consequências irreversíveis das diferentes formas de afeto. 

Entre descobertas e desilusões, este é o retrato delicado e devastador de um último verão de inocência, e o que poderia não ter passado de um amor de verão, toma um rumo inesperado.

Uma obra-prima literária com reminiscências de O Primeiro Amor de Turguénev e Werther de Goethe.

Cris 


terça-feira, 12 de agosto de 2025

A Convidada Escolhe: "Proibida na Normandia"

 
 
“Proibida na Normandia” – Rosario Raro, 2024

Esta é a história de uma mulher invulgar, determinada, que, apesar da sua vida, por ser mulher, não ficou para a história. Jornalista e fotógrafa, Martha Gellhorn nunca receou cobrir guerras no terreno, sabendo que muitos dos seus colegas de profissão relatavam guerras como se as vivenciassem no terreno, quando muitas vezes se limitavam a escrever relatos sem nunca saírem dos hotéis onde estavam hospedados. Martha Gellhorn esteve na guerra de Espanha (1937), da Finlândia (1939) e da China (1940). Não se vergou quando lhe foi recusada a acreditação para viajar num navio militar, que era concedida aos seus colegas jornalistas. Martha Gellhorn foi a única mulher presente no desembarque das tropas aliadas na Normandia no dia 6 de Junho de 1944, mas o seu nome e as suas crónicas foram censuradas e apagadas como se ela nunca lá tivesse estado. “Proibida na Normandia” é o relato dessa história.

Ela estava bem consciente da realidade do mundo do jornalismo eivado de misoginia, condescendência e paternalismo para com as jornalistas. No seu trabalho no terreno, apercebia-se do papel que as mulheres desempenhavam na guerra nas mais variadas esferas, muitas vezes subalternizadas apesar de tantas vezes desempenharem missões estratégicas e fundamentais; nas suas crónicas, ao contrário, sempre as visibilizava, nomeava-as, retirando-as do anonimato e valorizando o trabalho que desempenhavam. Ela própria, que tantas vezes foi referida com mulher de Ernest Hemingway, sempre rejeitou ser “uma nota de rodapé” na vida do marido ou de outra pessoa (págs. 129 e 363). Porque se bateu pelo direito ao reconhecimento do seu trabalho na frente de guerra, por querer publicar a verdade, mesmo quando ela não seguia a orientação do poder e da comunicação social, foi considerada antipatriota e censurada. Além de nunca ter recebido a Bronze Star Medal concedida a Hemingway, a crónica de Martha não existiu e “a sua presença foi apagada da praia de aço de Omaha” (p. 357)

O romance centrado na guerra e sendo uma reflexão sobre os horrores e as sequelas das guerras, tem um desenvolvimento ao longo do tempo desde os preparativos nas semanas anteriores ao desembarque, o desembarque propriamente dito e as semanas seguintes. Passado um ano do dia do desembarque, a comunicação social quer esquecer os horrores dos campos de concentração e a comunicação social prefere romancear e realidade, em vez de publicar a verdade.

Há, mesmo a acabar o livro, um desânimo uma desesperança expressos no vaticínio de H. G. Wells: «Se não acabarmos com a guerra, a guerra acabará connosco». A narradora imagina o mundo dois séculos depois e pergunta-se “Como será o mundo a 6 de Junho de 2144? Quem o contará?” (p. 361)

3 de Junho de 2025

Almerinda Bento



segunda-feira, 11 de agosto de 2025

"A Lista de Leitura" de Sara Nisha Adams

Um livro que se lê com muito gosto e rapidamente apesar das suas quase 400 páginas. A história atrai-nos porque o amor pelos livros está presente bem como o gosto da leitura e o seu poder curativo. Sim, ler significa aprender, viajar e criar relações de empatia e ódio pelos personagens. A ficção pode ter um efeito curativo sobre as nossas preocupações que, falo por mim, às vezes somos nós que as aumentamos com medos futuros que não têm razão de ser. Revemo-nos em muitas situações e aprendemos com elas.

E é em torno duma lista de livros a ler que surge, aparentemente do "nada", que as ligações entre as personagens se vão tornando mais fortes, laços de amizade que se criam em que os livros são o mote para encontros e reuniões. Dores emocionais que se atenuam quando essas relações se fortalecem.

"... a Ba sempre me disse que, ás vezes, quando se gosta mesmo de um livro, é preciso lê-lo novamente! Para revivermos aquilo que gostávamos e descobrirmos o que podemos ter perdido. Os livros mudam sempre à medida que a pessoa que os lê muda também," pág. 357

E como sei que um bom leitor não resiste a uma lista e "só para o caso de precisares", aqui fica a lista que está no palco deste livro que gostei muito de ler, porque " os livros mostram-nos o mundo, não o escondem":

- Mataram a cotovia,
- Rebecca,
- O Menino de Cabul,
- A Vida de Pi,
- Orgulho e Preconceito,
- Mulherzinhas,
- Beloved
- Um Bom Partido

Terminado em 30 de Maio de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse
Há livros capazes de mudar uma vida para sempre…

Mukesh leva uma vida pacata num subúrbio de Londres e tenta manter as rotinas estabelecidas pela sua mulher, Naina, que faleceu recentemente. Vai às compras todas as quartas-feiras, frequenta o templo hindu e tenta convencer as três filhas de que é perfeitamente capaz de organizar a sua vida sozinho.

Aleisha é uma adolescente que trabalha na biblioteca local durante o verão e que, curiosamente, não gosta de ler. Até que encontra um papel amachucado dentro de um exemplar de Mataram a Cotovia com uma lista de livros dos quais nunca ouvira falar. Intrigada, e um pouco entediada com o seu trabalho, decide começar a ler os livros aí sugeridos.

Quando Mukesh vai à biblioteca para devolver um dos livros de Naina e pedir outras sugestões de leitura, numa tentativa de criar laços com a neta, Aleisha recomenda-lhe os títulos da lista. É assim que, livro a livro, vão descobrindo a magia da leitura e encontrando novos significados para as suas vidas. E é através destas leituras partilhadas que Aleisha e Mukesh encontram a força necessária para lidar com os desgostos e problemas do dia a dia e reencontram a alegria de viver.

Uma história sobre amizade, amor e o poder que os livros têm de mudar a vida de quem os lê. 

Cris 


sexta-feira, 8 de agosto de 2025

"O Caderno Proibido" de Alba de Céspedes

Escrito em forma de um diário realizado por uma mulher de cerca de 40 anos, Valéria, este livro surpreendeu-me muito pelas reflexões que somos levados a fazer após o terminus da sua leitura. É casada, com dois filhos já adultos e o espaço temporal decorre já no pós II Guerra, na década de 50, em Roma. Algumas analepses colocam-nos a par do seu passado.

A compra de um caderno despoleta nela uma vontade, cada vez mais crescente, de se colocar a nu perante as suas páginas. Despe-se gradualmente de preconceitos e receios perante uma escrita quase diária. Junto com essa auto-análise, que acaba por ser uma jornada de auto-conhecimento, o leitor vai conhecendo esta personagem e maravilhar-se com ela.

O problema é que Valéria sente que deve esconder o caderno. Logo aqui, o leitor apercebe-se das razões implícitas que a levam a fazê-lo freneticamente com medo que alguém o leia. A própria acção de o esconder leva a questionar-se dos motivos que a levam a tal. As questões sobre tudo na sua vida, multiplicam-se. Angústias reprimidas, frustrações e desejos que não sabia que possuía vêm ao de cima. Que papel possui no seio da sua família? Como a vêem os seus filhos e marido?

A narrativa vai crescendo de intensidade e uma trama que poderia parecer suave e ligeira torna-se forte e com momentos intensos de análise e revolta.

"Sei que as minhas reacções aos factos que anoto com minúcia me levam a conhecer-me cada dia mais intimamente. Talvez haja pessoas que conhecendo-se, conseguem melhorar-se; eu, pelo contrário, quanto mais me conheço, mais me perco." Pág 169

Leitura que se vai tornando desconfortável mas que é extremamente necessária.

Terminado em 5 de Maio de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse

Roma, década de 1950: Valeria Cossati vai comprar cigarros para o marido, ignorando que sairá da tabacaria com um caderno que há-de mudar a sua vida.

Ao transformar esse caderno num diário secreto onde regista pensamentos e desejos do dia-a-dia, Valeria transforma-o num instrumento de emancipação: liberta-se das convenções sociais, do sentido de dever para com o marido e os filhos, dos limites autoimpostos que regem o seu pequeno mundo.

A partir daqui, tudo é questionado.

Valeria compreende que está em translação e decide conquistar o lugar que escolheu para si.

Clássico redescoberto, testemunho histórico de uma época, retrato primoroso da turbulência doméstica, O caderno proibido condensa a sede de liberdade de toda uma geração e das outras que se lhe seguiriam.

Precursora da linhagem literária mais disruptiva da modernidade – de Virginia Woolf a Natalia Ginzburg, de Marguerite Duras a Vivian Gornick –, Alba de Céspedes celebra aqui o poder da escrita e a audácia indómita de uma mulher numa sociedade em ebulição.

Cris 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

"Kramp" de Maria José Ferrada

Livro pequeno, com frases curtas e capítulos curtos também que se lê num ápice. A narradora é uma menina de 7 anos, M, que acompanha, sempre que possível, o pai, caixeiro viajante, que vendia ferragens da marca Kramp pelo Chile, aquando da ditadura de Pinochet. Estas viagens com o seu pai, D, foram uma porta aberta de aprendizagens, de acontecimentos que ela soube aproveitar e que as meninas não tinham habitualmente.

D começa a verificar que quando leva a filha nas suas viagens, vende muito mais, ajudando até os seus colegas. É um mundo novo que se abre para M. O seu crescimento é marcado por estas viagens e pela profissão do pai que já mostra sinais de decadência. A mãe é descrita pela própria M como alguém ausente e triste. Deprimida?

A percepção do mundo vista pelos olhos de uma criança (de qualquer criança, na verdade) é diferente da de um adulto, tudo é maior, tem mais peso. Este livro fala-nos também sobre a mudança que a vida de M sofre. Tem a convicção que a sua presença é imprescindível para o pai, sente-se quase adulta. Consegue explicar o mundo e o seu funcionamento a partir dos produtos vendidos por M de uma forma que nos prende e faz sorrir!

Mais tarde, revisitando os lugares onde foi feliz verifica que essas percepções infantis podem não corresponder às que possui numa fase posterior. Romance autobiográfico desta escritora chilena que gostei muito de ler. Pega-se e lê-se numa tarde.

Terminado em 4 Abril de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse
Uma menina acompanha o seu pai, um caixeiro-viajante, pelo Chile, vendendo ferragens da marca Kramp, e elaborando toda uma teoria poética e filosófica sobre o mundo, construída na fronteira entre a ingenuidade e a sabedoria, através de metáforas criadas a partir dos produtos que vende, dos filmes que vê, dos fantasmas da ditadura, e do contacto social e cultural com um mundo em ruptura, interna e externa. Um livro maravilhoso, vencedor dos prémios do Círculo de Críticos de Arte, do Ministério da Cultura e do município de Santiago do Chile. 

Cris 

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

"Tese Sobre Uma Domesticação" de Camila Sosa Villada

Tendo lido o anterior livro desta autora e ficado agradavelmente surpreendida (superou em muito as minha expectativas!) - opinião aqui - tinha, é claro, que ler este. Desta feita, a surpresa não foi tão grande porque sabia ao que ia. Esperava uma escrita belíssima, temas aprofundados e tratados com espírito crítico, momentos que deduzo traduzirem pedaços da sua vida. Assim aconteceu. 

A escrita é maravilhosa, com uma crueza que achei fruto das vivências da autora. Chamar e descrever as coisas pelos nomes MAS no momento certo, enquadradas perfeitamente na trama, não é fácil porque se pode cair na vulgaridade. Isso realmente foi um aspecto que apreciei deveras. 

Li algures que a autora desde cedo começou a escrever e que, por essa razão, tem muitos textos/ livros "prontos a sair do forno". Se for verdade regozijo-me com isso. Quero ler o que for publicado sobretudo por dois motivos. Primeiro porque saber escrever não é para todos, ter uma história (ficcional ou não) muito interessante também o não é. Juntar os dois aspectos então...

Algo muito interessante, diferente neste livro em relação ao outro, é o facto dos personagens não possuírem nomes próprios. Actriz, advogado, mãe, pai, irmão, filho... Fez-me reflectir nessa escolha. Terá sido um mero estratagema de escrita ou teve outra intenção, a de colocar o leitor a pensar? Porque sem nomes próprios todos podemos ser um pouco como eles... O leitor pode espelhar-se num ou em vários personagens com mais facilidade.

Terminado em 28 de Março de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse

A atriz travesti de grande notoriedade pela sua representação de A Voz Humana, de Jean Cocteau, tem um casamento aberto com um belo advogado homossexual.

Juntos, adotaram uma criança seropositiva.

Esta nova vida familiar aparentemente estável – com dinheiro e conforto – é uma cedência aos padrões burgueses e não podia estar mais nos antípodas da antiga existência dela: boémia, despreocupada e livre.

O erotismo, a violência e a imensa ternura habitam os vínculos que unem o casal.

Mas ambos vivem acabrunhados pela culpa e por outros infernos secretos.

«Uma só travesti é suficiente para minar os alicerces de uma casa, desfazer os nós de um compromisso, romper uma promessa, renunciar a uma vida», pensa a atriz e protagonista deste romance.

Tese Sobre uma Domesticação é uma história de pactos invisíveis e paixões arrasadoras, em que uma família se agarra a breves momentos de felicidade, sem se aperceber de que foi derrotada no seu desígnio, desde o início.

Tal como o primeiro romance de Sosa Villada, As Malditas, já transformado numa série televisiva, também este Tese Sobre uma Domesticação foi recentemente adaptado ao cinema.

«O livro sobre sexualidade mais importante que li, desde Jean Genet.

Versa a amizade, o desejo e a violência.

Desafia todos os atuais enquadramentos da política e da literatura.

É um fragmento do futuro.» Édouard Louis
«Camila Sosa Villada constrói uma linguagem que parece saída dos sonhos.

Uma sensação literária.» Rolling Stone
«Este romance desafia as ideias contemporâneas de género, sexualidade e amor.» The Wall Street Journal
«Um mundo fantástico com partes iguais de violência e ternura.

Questiona as ideias contemporâneas de género, sexualidade e amor.» Wall Street Journal

Cris