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sexta-feira, 6 de junho de 2025

A Convidada escolhe: "Anónimos de Abril"

 

Anónimos de Abril” – Vol. 1

José Fialho Gouveia, Rogério Charraz, Joana Alegre, 2005

Este é o primeiro volume de um projecto que começou em Janeiro do ano passado com o espectáculo Anónimo de Abril em Lisboa, no Tivoli. O livro reúne histórias de doze mulheres e homens que lutaram pela liberdade, que estiveram entre aqueles muitos milhares que exultaram na rua com a revolução, mas de quem a História não fala.

Transcrevo a dedicatória a abrir o livro

À Celeste,

à Aurora,

ao Alberto,

à Herculana,

ao Luíz, à Albina,

à Branca,

ao Fernando,

ao João, ao José, ao Fernando,

ao Francisco

e a todos aqueles que, de forma mais ou menos anónima, ousaram lutar contra um regime que durante quarenta e oito anos intimidou, espancou, prendeu, torturou e matou.”

São histórias de vidas simples, de luta, contadas pelas próprias ou pelos seus filhos/as ou netos, quando os pais ou avós já não estão vivos, ou a partir de registos em jornais da época numa pesquisa que, segundo os seus autores, “tem ainda muito caminho para percorrer”. No final de cada uma das histórias uma canção que pode ser ouvida e seguida através de um QR Code.

É um tributo singelo, mas muito bonito a pessoas a quem devemos a enorme gratidão pelo seu gesto, pelo seu heroísmo, pelo seu exemplo.

Celeste Caeiro a quem ficamos a dever o simbolismo dos cravos associados à revolução de Abril e que ainda teve a felicidade de descer a Avenida da Liberdade nos 50 anos do 25 de Abril.

Aurora Rodrigues que aprendeu na sua experiência na prisão da ditadura que “O medo foi sempre a grande arma da repressão. Todavia, há alturas na vida em que não se pode recuar. Essa era a altura. Tinha de vencer o medo.” (p. 25)

O padre Alberto Neto assassinado em 1987, tendo o seu homicídio nunca sido esclarecido, “Tinha Deus por companheiro/ O Senhor como aliado/ E rezando foi guerreiro/ Contra a guerra e contra o Estado”. (p. 57)

O casal Herculana e Luíz Carvalho, os únicos familiares de um preso político no Tarrafal a visitarem o filho. Mas a sua acção e solidariedade tiveram um alcance muito para além do amor de pais, alargando-se a todos os presos que no Tarrafal estavam com o filho Guilherme.

Albina Fernandes, mulher dedicada ao ideal do partido, foi mãe de Daniela e de Rui Pato. O relato de sofrimento que foi a vida desta mulher e que é contado através dos filhos neste “Anónimos de Abril” é bem o retrato da brutalidade que foi a repressão perpetrada pela ditadura a quem se opunha ao regime. No documentário “Aqueles que Ficaram (Em Toda a Parte Todo o Mundo Tem)” da autoria de Marianela Valverde e Humberto Candeias, com testemunhos de familiares – mulheres e crianças – de presos políticos e militantes na clandestinidade, temos a perspectiva daqueles que se viram privados do contacto com os maridos e pais e dos traumas daí decorrentes.

Branca Carvalho, uma jovem que viveu praticamente um ano na clandestinidade e que, através de um relato em forma de carta ao filho, lhe explica as privações e imensas dificuldades que acarretava o facto de se abandonar tudo – família, amigos, trabalho – sem saber por quanto tempo, “As vidas que escolhêramos não tinham prazo de validade” (p. 101) Uma das questões que ela realça tem a ver com um aspecto que foi muito silenciado e que ela aborda: a marginalização ainda maior por que passavam as mulheres na clandestinidade, passando por mulheres do “casal”, numa posição de subalternidade - “sentia-me reduzida a tarefas domésticas, (,,,) “Cedo percebi que o Partido aproveitava mal as capacidades de trabalho das “suas” mulheres revolucionárias. Uma atitude algo machista disfarçada e dissimulada em razões de segurança, notaria, com amargura, muitos anos depois.” (p. 100)

Costuma-se dizer que o 25 de Abril foi uma revolução sem sangue, mas a verdade é que no final desse dia, quando Marcelo Caetano já se tinha rendido, a partir da sede da PIDE na António Maria Cardoso, uma rajada assassina acabou com a vida de 4 homens que se juntavam na alegria da vitória sobre a ditadura. São os Mortos de Abril como lhe chamam os autores do livro: Fernando Giesteira, José Barneto. João Arruda e Fernando Reis. “Só houve quatro mortos no 25 de Abril e a justiça foi branda com os elementos da PIDE. Ainda assim, o caminho para chegar à Liberdade interrompeu muitas vidas. Além dos que morreram às mãos da polícia política, convém não esquecer os mais de cem mil mortos na Guerra Colonial. O vermelho dos cravos de Abril também foi feito de sangue”. (p. 136)

O livro termina com um depoimento sobre Francisco de Sousa Mendes, um dos jovens militares que constituiu a coluna militar liderada por Salgueiro Maia que na madrugada do 25 de Abril partiu da Escola Prática de Cavalaria a caminho de Lisboa. Francisco é neto de Aristides de Sousa Mendes, que na sua qualidade de diplomata e desobedecendo às ordens de Salazar, salvou milhares de judeus ao conceder-lhes vistos que lhes permitiram fugir de uma morte certa.

Aguardemos pela continuação deste projecto de memória, agora que, como nunca antes, a memória da ditadura é tão importante para que não se caia de novo noutra.

5 de Maio de 2025 

Almerinda Bento 

terça-feira, 3 de junho de 2025

A Convidada escolhe: "Corpo Vegetal"

Corpo Vegetal, Julieta Monginho, 2024

 

Este é o quarto livro de Julieta Monginho que leio. Leio-o quando a sociedade portuguesa é sacudida pela notícia da violação de uma jovem por três “influencers” que filmaram o acto e o partilharam na internet, tendo a violação sido vista por milhares de pessoas, sem que alguém se tenha levantado para denunciar o abuso. Leio-o, quando recentemente, um conhecido sociólogo português acusado de assédio afirmou sentir-se “profundamente injustiçado, profundamente magoado. Apesar desta mágoa toda acho que não consigo odiar. Elas [as mulheres que acusam] de alguma maneira são vítimas do neoliberalismo que se instalou e é pena que não assumam a sua responsabilidade, porque isso é típico do neoliberalismo, é transferir para os outros as responsabilidades.” A violação é o que está no centro de “Corpo Vegetal”, com as consequências devastadoras para a vida de uma mulher na sequência da violação.

Os verbos que dão nome aos seis capítulos do livro - Cair, Correr, Caminhar, Recuar, Voar, Dançar – acompanham Mimi, a personagem central, que podia ser qualquer uma das muitas mulheres que se confrontam com esse crime hediondo que atenta contra a sua autonomia e que tantas vezes fica impune, numa sociedade que inverte/subverte a situação, desculpabilizando os homens e olhando para as mulheres como culpadas. «Ela estava a pedi-las!» sintetiza uma visão discriminatória e culpabilizadora, tantas vezes assumida por quem detém a justiça, que deveria, ao invés, ser respeitadora da igualdade e dos direitos de todas as pessoas, independentemente do género.

Mimi é tradutora, tem 48 anos, é mãe de Bea e separada de Miguel, com quem mantém uma relação de amizade e cumplicidade que a separação não matou. Os pais, já idosos, são acompanhados por Isa, uma cuidadora brasileira e Rosalina, uma amiga artista que visita os pais de Mimi são as pessoas do círculo familiar da personagem central.

No polo oposto, Samson X Baxter, o autor americano de cinquenta e muitos anos, que Mimi só conhece do último livro que anda a traduzir e dos emails que trocam e videochamadas que fazem para tirar dúvidas. Até que há “esse maldito dia” do assalto sexual e com ele o pasmo, o horror, a paralisia, o desespero, a ambivalência entre denunciar ou ficar parada, adiar ou agir e enfrentar o poder. Do encontro em Lisboa, sobra a orquídea Juana que se “tornou prova de terror” (p.26) e a repulsa bem no fundo do seu “corpo rasgado” (p.10).

A narrativa coloca Mimi e coloca-nos a nós, leitores, perante várias perguntas. O que fazer? Denunciar? Como fazer uma denúncia? A quem se/me dirigir? Vale a pena avançar quando “já ninguém acredita em nada” (p.81) e já ninguém acredita no #metoo? A violência misógina das mensagens que o advogado de Samson X lhe envia é o espelho duma sociedade em que a impunidade dos agressores é total. De que lado está afinal a justiça, quando os direitos à privacidade e à autonomia são postos em causa, quando são pedidas à vítima provas de que não fez nada de mal (p. 120)? Nunca li “O Processo” de Kafka, mas em dada altura da leitura deste “Corpo Vegetal” recordei “O Castelo” e as barreiras intransponíveis que a burocracia cria para impedir o acesso à justiça.

Contudo, é no seio da família e das amigas, que Mimi ganha força para avançar e fazer ouvir a sua voz. O pai que “considera a insubmissão o único sentido da História, o único sentido da vida” (p.18) e que (se) apoia (n)a filha para escrever a sua “Teoria Geral da Insubmissão”. Isa que ouve e é quem ouve os seus segredos mais íntimos. A filha que pressiona para que a mãe se mexa e que é quem denuncia publicamente o violador. Miguel, o Próspero de “A Tempestade” que consegue mobilizar uma pequena Vila alentejana (a ilha) para a alegria do encontro com a cultura. Miguel, o que está lá sempre para a ouvir. Tão importante saber ouvir! Rosalina, que desenha árvores e que tem a arte da escuta dos outros. A mãe e as memórias da roda de mulheres que se juntavam para ouvir as novelas e daí até à ideia de se criar “uma comunidade de leitoras” (91). “Tontices, dizia ela. Mais lúcidas que os meus devaneios. A cadência da voz, a vivacidade, as mãos nodosas, falantes, sobrepostas à paisagem. Uma serenidade alheia aos meus últimos dias. Queriam mostrar-me outra possibilidade de viver.” (p. 93)

“Corpo Vegetal” vai ser objecto de uma conversa no próximo encontro de Leia Mulheres no Aljube. Como todos os livros que li de Julieta Monginho, também neste, cada frase tem muitas camadas. Lemos uma vez, voltamos atrás e descobrimos outros sentidos. É uma leitura que, embora nos puxe para avançar, nos obriga a alguma serenidade e vagar. Certamente que no encontro de leitoras no Museu do Aljube muito será dito para além deste pouco que aqui fica escrito neste simples texto. Um livro com muitas camadas focando um assunto central que exige resposta urgente e firme.

8 de Abril de 2025

Almerinda Bento

Nota: escrevi este texto a ouvir “From Gardens Where We Feel Secure” de Virginia Astley, que não conhecia e a que o livro faz referência na página 129.

Confusa, talvez, mas o corpo adquirira por mim uma espécie de lucidez que só a ele pertencia. O que me escapava, ele sabia de cor. Sabia-o há muito, muito tempo. Clamava por água e por luz, para sobreviver, como a orquídea. Clamava por repouso e palavras secretas para regressar à vida. Pedi para me porem a tocar Virginia Astley, From Gardens Where We Feel Secure. (…) Os sinos em repique, as teclas como gotas, pétalas, caules tenros ao vento. Esse o meu lugar.

Um caule ao vento, o meu corpo. Um corpo e a sua paisagem, algo com medo de sentir.”



segunda-feira, 28 de abril de 2025

"Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule" de Édouard Louis

Já tinha ouvido falar bem deste livro e o empréstimo de uma amiga fez com que passasse à frente dos que cá tenho...

Antes de mais quero referir que fiquei fã da escrita do autor. É o seu primeiro romance, auto ficção. escrita com uma clareza impressionante, vinda de alguém que, provavelmente, reflectiu muito sobre os acontecimentos descritos, se auto analisou  com profundidade, de alguém que superou traumas e factos de uma dureza tremenda. A escrita na primeira pessoa traz, como gosto, um aspecto muito pessoal a esta história. 

História que me tocou profundamente. Eddy cresce entre o amor e o ódio a si próprio. Sente que é diferente dos rapazes que conhece, dos irmãos. Os outros fazem-no sentir diferente, tratam-no com desprezo, é objecto de bullying. São cenas violentas, impressionantes. Nascido uma pequena aldeia, o espaço onde circula é claustrofóbico, as opiniões sobre a sua diferença espalham-se rapidamente.Os pais não são um porto de abrigo. A pobreza é extrema, a fome não fica de fora da porta de sua casa. Não conhece outras realidades, não sabe o que se passa consigo, o seu corpo não obedece à sua tentativa de se normalizar, de ser igual aos demais.

"Mas em primeiro lugar não pensamos espontaneamente na fuga porque ignoramos que existe outro mundo. Não sabemos que a fuga é uma possibilidade. Tentamos inicialmente ser como os outros, e eu tentei ser como toda a gente." pág 136
...
"Estava finalmente curado. No caminho de regresso da escola para chegar a casa, repeti essa verificação vitoriosa como um refrão que tivesse ouvido continuamente, cada vez mais forte, de modo algum apaziguador, já que, pelo contrário, sentia o meu corpo cada vez mais exaltado, senão mesmo desenfreado." pág. 143

Muito duro, cru. Vidas que nos atingem com força e que nos fazem pensar e reflectir sobre o sofrimento de quem pode estar a passar pelo mesmo.

Quero muito ler os outros livros do autor, difíceis de encontrar, para saber mais sobre ele.

Terminado em 22 de Março de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse
Criado no seio de uma família da classe trabalhadora, na Picardia, interior da França, Eddy não é igual às outras crianças. Os seus modos, a sua maneira de falar e a sua delicadeza valeram-lhe humilhações, ameaças e a incompreensão, tanto por parte dos colegas de escola, como do pai, um duro, alcoólico e irascível, e da mãe, uma mulher cansada e alheada.

Eddy cresce assim, preso na contradição de tanto gostar como odiar a pessoa que é, do fascínio e asco pelos seus desejos mais íntimos, de querer a liberdade de uma outra vida, mas nunca conseguindo colocar verdadeiramente de parte o seu amor pelos pais.

Primeiro romance de Edouard Louis, que lhe valeu o imediato aplauso da crítica e a fama internacional, Para Acabar de Vez com Eddy Bellegueule é um livro audacioso, feito de memória pessoal e de ficção, um romance temerário e franco, que procura responder à derradeira pergunta: como pode cada um de nós inventar a sua própria liberdade?

Cris


quinta-feira, 24 de abril de 2025

“Homens Sem Regras” de Edward Cahill

Ouvi várias referências a esta obra e passei-a à frente de muitas que cá tenho. Tudo  começa com um rusga policial em Nova Iorque nos anos 60, num bar clandestino frequentados maioritariamente por gays. São presos aqueles homens que não conseguem fugir atempadamente. O autor aborda a construção de três personagens, desconhecidos entre si, que se vêm atrás das grades. Roger, banqueiro de Wall Street, casado e pais de duas crianças; Julian, professor universitário, comprometido com uma jovem amiga, amante de Gus; e Danny, jovem irlandês, cuja família o expulsou de casa devido à sua forma de estar e de se apresentar, gerente de um supermercado. Todos têm a perder caso se saiba que se encontravam nesse bar, os empregos e as vidas duplas que possuem.

Vamos acompanhando as reacções e a vida destes homens, desconhecidos entre si, e os problemas que sentem e surgem com essa detenção. São libertados. E quando julgam que se livraram dos seus medos… E mais não conto porque perderiam todo o interesse na leitura que saltita na descrição dos acontecimentos e sentimentos entre eles. Nada me pareceu irreal, bem pelo contrário. A dureza, a brutalidade nele retratada, a incompreensão, o julgamento negativo sobre a sua homossexualidade, questão em nada relevante no contexto de trabalho, por exemplo, e que é determinante para o despedimento. Tudo me pareceu verosímil e bem retratado. As dúvidas e incertezas que muitos homens sentiam, a vida dupla…

Os temas apresentados ainda são actuais nalgumas partes do mundo como por ex.a repressão sexual. A questão da procura de identidade muito bem retratada também. O final fica um pouco em suspenso. O que se poderá inferir daí? 

Nada a apontar na trama bem direccionada. Um único senão: achei desnecessárias algumas descrições que, segundo a minha opinião, em nada acrescentaram ao romance. Não era o que procurava aqui.

Terminado em 20 de Março de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse

VENCEDOR 2023 BEST INDIE BOOK AWARD
FINALISTA DO INDEPENDENT PUBLISHER BOOK AWARDS 2024
SELEÇÃO PRÉMIO VCU CABELL FIRST NOVELIST AWARD
Um romance tocante e repleto de nuances, que traça o destino de três homens surpreendidos por uma rusga policial num bar clandestino de Nova Iorque nos anos 60.

Roger é um banqueiro de Wall Street e um homem de família com um segredo muito bem guardado.

Quando se vê confrontado com o alarido e o brilho das lanternas policiais, a vida que ele tão cuidadosamente criou ao longo dos anos – um escritório com vista para a Broadway, uma casa em Beechmont Woods, uma mulher e dois filhos – está prestes a desmoronar-se.

Julian, professor de literatura na Universidade de Columbia, vive uma vida tranquila até à sua primeira relação séria, que o leva ao limite.

Como poderá ele explicar ao seu amante, Gus, um jovem artista destemido, que não pode estar com ele no fim de semana porque tecnicamente ainda está comprometido e a sua noiva vem de visita?
Mas, quando Gus é ferozmente atingido pela polícia na mesma rusga policial, Julian esquece tudo para ir em seu auxílio, mesmo que isso signifique deitar tudo a perder.

Para Danny, um despreocupado e atrevido católico irlandês que vive no Bronx, a rusga policial é um momento galvânico de máxima exaltação.

O rapaz pouco tem a perder, já que a família acabou de o deserdar, mas assim que o seu nome aparece no jornal associado à obscuridade dos bares gay, é despedido do seu emprego como gerente de supermercado.

É aqui que se dá o início da sua viagem descendente de promessas e juras de vingança.

Com um ritmo acelerado e totalmente absorvente, Cahill mantém-nos ansiosos por saber o que vem a seguir, conduzindo o leitor a uma tensão crescente, confinada aos limites do medo, do amor e da vergonha.

«UMA PROSA EXTRAVAGANTE E SEDUTORA.

UM TRIUNFO ABSOLUTO!» Amber Dermont
«A NOVA IORQUE DE MEADOS DO SÉCULO XX NUNCA FOI TÃO ASSUSTADORA NEM TÃO BELA.» Benjamin Nugent

Cris



quarta-feira, 23 de abril de 2025

A Convidada Escolhe: "Um Dia na Vida de Abed Salama"

Um Dia na Vida de Abed Salama, Nathan Thrall, 2023

Desde que me conheço que ouço falar da Palestina e do conflito que opõe Israel à Palestina, com a anexação sistemática de território, com as restrições de mobilidade que tornam a Palestina uma prisão a céu aberto, dos quilómetros de muro que separam os territórios e os povos, das ocupações por colonatos israelitas, das prisões arbitrárias, das mulheres que dão à luz nos checkpoints porque não chegaram a tempo à maternidade… e penso que desde o dia 7 de Outubro de 2023 já ninguém pode dizer que não sabe, que não viu o genocídio que está a acontecer na faixa de Gaza e na Cisjordânia. Ele passa todos os dias nas televisões e já não há palavras para um horror desta envergadura.

Recentemente, vi “No Other Land” vencedor do óscar para melhor documentário, que retrata o dia a dia da ocupação israelita e a resistência palestiniana. Já depois de ter recebido o óscar, o realizador foi preso e agredido. Este “Um Dia na Vida de Abed Salama”, escolhido para leitura num dos clubes de leitura que acompanho, é um impressionante testemunho e relato de um episódio, mas é muito mais do que isso, porque nos dá o contexto histórico de um povo até aos nossos dias. Permito-me transcrever as palavras de Francisco Louçã, um dos coorganizadores deste clube de leitura, a propósito deste livro: "Thrall, judeu, educado na Califórnia, vive em Jerusalém (já viveu em Gaza) e é jornalista. Nunca escondeu o seu empenho na denúncia dos abusos da ocupação israelita. Este livro, de que a edição portuguesa foi a primeira tradução, foi publicado em 2023 e ganhou o Pullitzer numa categoria de não-ficção em 2024, e é uma poderosa reportagem sobre um pai que procura o filho, que pode ter sido vítima de um acidente com o seu transporte escolar. Não é um romance, mas retrata os seus personagens com um cuidado que faz disto uma grande peça da literatura. Não é um manifesto, mas mostra-nos as condições degradantes da vida da população palestiniana, bem como a persistência da resistência - e até a humanidade que se descobre em alguns dos representantes do outro lado. E é tremendo, caminhamos para o abismo e sabemo-lo desde a primeira página. É por isso uma desistência fatalista? Não, será mesmo um dos livros mais cheios de esperança dos últimos anos, pois naquele horror absoluto encontram-se gestos e emoções que compreendemos e nos comovem."

O livro começa com um prólogo que ajuda a situar-nos em Anata, o local onde Abed Salama vive com a sua família. Um local caótico, sem infraestruturas, que antes tinha sido uma zona rural. Abed é casado com Haifa, tem dois filhos: Milad de 5 anos e Adam de 9. Milad vai fazer um passeio escolar e a carrinha em que viaja com os colegas e os professores é abalroada por um camião e incendeia-se. Aquilo que deveria ser um dia feliz para as crianças tornou-se uma tragédia para as cinco crianças e a professora que morreram e para o condutor da carrinha que ficou com danos irreversíveis. “O acidente destruíra todas as famílias, cada uma à sua maneira”. (p. 194)

O livro relata-nos as condições que propiciaram o desastre, a ausência da prestação de socorro pelas autoridades israelitas, os bombeiros que não apareceram, o não deixarem as ambulâncias palestinianas passarem nos postos de controlo, todo um labirinto de restrições que espelham a desumanidade das autoridades israelitas numa situação de desastre, mas que é o espelho do dia-a-dia da população árabe. As dificuldades de Abed até saber para que hospital Milad tinha sido levado, se estava vivo ou não resultam do facto de ser palestino, de ter um cartão de identidade de cor verde, sinal de que já tinha sido preso. Mas o livro está igualmente cheio de exemplos de solidariedade entre árabes e judeus, o que é o raio de esperança neste conflito sem fim à vista.

Quando pensamos na expulsão e fuga de mais de oitenta por cento dos palestinianos naquilo que foi a Nakba em 1948, as acções de resistência, as Intifadas, as prisões de crianças, os massacres, as organizações políticas no terreno com as suas diferenças, as traições, os acordos de Oslo, as resoluções nunca cumpridas, compreendemos que o ódio é o combustível para um conflito interminável e em que o desequilíbrio de forças é brutal. No documentário “No Other Land” é inesquecível a cena em que os tanques e os buldozers vêm derrubar uma escola, mas antes os soldados israelitas fecham a porta da escola para que as crianças não possam sair. Têm de saltar pela janela se não querem ficar debaixo dos escombros.

Este ódio está bem expresso no epílogo do livro “Um Dia na Vida de Abed Salama”, a propósito de uma reportagem televisiva feita pelo israelita Arik Weiss sobre o acidente da carrinha. “O motivo de interesse da história não era o acidente em si, mas a reacção de alguns jovens israelitas, que exultaram com a morte das crianças palestinianas. Arik ficara consternado com a enxurrada de publicações e comentários no Facebook que celebraram a perda de vidas:

«Hahahaha 10 mortos hahahaha, bom dia.»

«É só um autocarro cheio de palestinianos. Nada de especial. É pena que não tenham morrido mais.»

«Óptimo! Menos terroristas!!!!»

«Notícias alegres para começar a manhã.»

«O meu dia tornou-se uma doçura!»

O que chocara Arik não era tanto o conteúdo das mensagens, mas o facto de muitos dos seus autores exibirem livremente as suas identidades. Como afirmou na introdução da peça jornalística, essas pessoas escreviam sem se esconderem atrás de um teclado anónimo, sem vergonha. E muitas das publicações eram escritas por estudantes do ensino básico e secundário. Arik ficou intrigado com esse elemento. Estes adolescentes estavam a viver um período de paz invulgar. Alguns deles eram demasiado novos para se lembrarem da violência dos anos 90 e da Segunda Intifada, mas pareciam ser mais racistas do que as gerações mais velhas.” (p. 195)

“Um Dia na Vida de Abed Dalama” é um valioso trabalho de não-ficção, um instrumento muito honesto e corajoso para mostrar a realidade do conflito israelo-palestiniano. Um livro notável, a ler e divulgar.

26 de Fevereiro de 2025

Almerinda Bento

terça-feira, 22 de abril de 2025

"Vamos Fazer Melhor" de Gidon Lev com Julie Gray

Acho importante ler o testemunho de alguém que viveu a II Guerra, que foi afectado profundamente por ela. Gidon Lev Tinha seis anos quando foi preso, juntamente com a sua família, tendo sido levado para Theresienstadt, campo de concentração na cidade de Terezin, na República Checa. 

Theresienstadt foi uma fortaleza construída entre 1780 e 1790 por ordem do imperador austríaco José II. O forte foi usado para manter prisioneiros militares e políticos. Em 1941 a cidade foi transformada num gueto murado,, mostrado como modelo de recolocação de judeus e que mais não era que um campo de concentração temporário onde os prisioneiros eram reencaminhados posteriormente para Auschwitz. (Fonte dos dados históricos: Wikipédia). Mais tarde ou mais cedo, os prisioneiros  que não morriam de fome, doenças ou assassinados em Theresienstadt, acabavam nas câmaras de gás deste campo de extermínio.

Um factor comum à maior parte dos sobreviventes dos campos de concentração, era a necessidade premente de sobreviverem fora deles, uma urgência de viver e esquecer o mais rapidamente possível o que tinham acabado de presenciar e vivenciar. Poucos falavam do que lhes tinha acontecido. É preciso lembrar que a recepção por parte de quem nunca esteve num campo também não era muito calorosa, nem tampouco imaginavam os horrores que se cometeram lá. A vida fora dos campos não trouxe a ajuda de que necessitavam. O silêncio foi a opção mais escolhida.

Gidon Lev sobreviveu. Tinha dez anos quando foi libertado juntamente com a sua mãe. Este livro fala-nos dos tempos passados nesse campo, e também, da sua vida pós libertação até aos dias de hoje. Ainda vivo, Gidon passou por muitos reveses (por exemplo um cancro e recidivas). A sua resiliência é um exemplo a ter em conta.

Vale muito a pena conhecer a sua vida.

Terminado em 19 de Março de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse
Aos seis anos, Gidon Lev foi colocado no Transporte M com o número 885 e preso no campo de concentração nazi de Theresienstadt, até completar dez anos.

É uma das duas mil crianças que se calcula terem sobrevivido ao campo.

O seu pai foi enviado para Auschwitz, onde foi tatuado como prisioneiro B12156.

Perdeu vinte e seis familiares no Holocausto.

Apesar de tudo o que Gidon enfrentou, e agora com noventa anos, continua a acreditar que muitas pessoas boas fazem coisas boas para tornar a nossa sociedade num lugar melhor.

E é isto, entre outras coisas, que lhe dá uma enorme quantidade de esperança.

É a esta Esperança que se agarra.

Gidon acredita que temos de fazer do mundo um lugar melhor, cada um à sua maneira.

Independentemente do que enfrentamos, é tão fácil - e grandioso - quanto isso.

Partilhando a sua história de vida, espera inspirar e ajudar as pessoas a perceber o que é ser esperançoso e que tudo é possível, mesmo nos momentos mais negros.

Encarar a vida de forma positiva pode salvar-nos a nós próprios, e ao mundo.

Cris


segunda-feira, 21 de abril de 2025

"Uma Família Em Bruxelas" de Chantal Akerman

O começo é abrupto, como se fosse o seguimento de uma ideia já referida: "Além disso..." colocando o leitor num estado de surpresa e atenção que me agradou. A escrita é corrida, algo repetitiva, quase oral, que me levou a ler algumas partes em voz alta para ver se funcionava melhor comigo. Mas nem assim me agradou. Gostos...

É um monólogo intenso, compacto, um fluxo de pensamento constante que, a mim, me cansou sobretudo pela quase inexistência de pontuação pese embora seja um livro muito pequeno em tamanho e páginas. A narradora é uma mulher que perdeu recentemente o marido, e que recorre a vários episódios do passado, saltitando entre pensamentos, acontecimentos com as duas filhas, o marido e ela própria e o presente.

O tema do Holocausto paira muito ao de leve e, não fora a referência de uma amiga a esse facto, creio que ter-me-ia passado despercebido muito embora a narradora, cujo nome nunca é referido, tenha mencionado que perdeu familiares "nos campos" e que a mãe morreu em 1942, não tendo conseguido realizar os projectos que tinha com ela. 

O AVC do marido despoleta esta dor que é sentida, a dor do luto, uma intensa solidão que o leitor sente através das repetições de frases e pensamentos. 

Compreendo a intenção da autora mas não me prendeu como esperava e gostaria.

Terminado em 30 de Março de 2025

Estrelas: 4*

Sinopse
Pela janela de um apartamento em Bruxelas vê-se uma mulher, quase sempre vestida de roupão e envolta nas suas memórias. Ela acaba de perder o marido. Por isso passa muito tempo ao telefone, a falar com as filhas, uma em Ménilmontant, um bairro de Paris, outra na América do Sul, e com a família espalhada pelo mundo.

Nesse labirinto de vozes, evoca o vazio que a cerca, com a delicadeza de uma fuga musical. Para além do nome impronunciável da Shoah e do silêncio dos sobreviventes, fala de uma solidão indescritível e dos pequenos arranjos com a vida.

Memórias no meio das banalidades do quotidiano. Uma história de luto sublimada por palavras, Uma Família em Bruxelas é uma conversa íntima como um livro aberto.

Cris

sexta-feira, 18 de abril de 2025

A Convidada Escolhe: "Na Terra dos Outros"

Na Terra dos Outros, Manuel Abrantes, 2024

Este romance da autoria de Manuel Abrantes é fruto do seu trabalho de investigação na área da Sociologia do Trabalho e das Desigualdades. A figura central é Maria do Carmo, uma rapariga que sai da sua terra aos 11 anos e que vai ao longo da vida trabalhar como empregada doméstica nas casas dos outros.

A par da vida de Maria do Carmo, o livro faz-nos percorrer a vida do nosso país até à actualidade. Maria do Carmo é uma menina que não teve infância e que foi desenraizada para a grande cidade, como aconteceu a tantos milhares de mulheres. Vidas de solidão, de abandono, de humilhação, de subalternidade, de invisibilidade, de negação de direitos. De ficar no quartinho dos fundos, de comer as sobras dos outros, de só sair ao domingo de manhã para ir à missa com a patroa, de nunca ser elogiada pelo seu trabalho, de estar sob suspeita de roubar os patrões, de não ter direito ao descanso… Sempre na terra dos outros. Num Portugal do analfabetismo, da emigração para fugir à fome e à pobreza, da guerra colonial, da PIDE, das conversas em família, da liberdade com o 25 de Abril, da explosão nas ruas com o primeiro 1º de Maio, dos patrões apavorados com as reivindicações, das infraestruturas que se estendem aos campos, das telenovelas, dos subúrbios que crescem…. Tanta mudança! E para as empregadas domésticas, o que mudou?

O autor densifica a história desta mulher como trabalhadora que faz parte de um extenso grupo de mulheres fundamentais para o funcionamento da sociedade, as cuidadoras invisíveis que depois de trabalharem uma vida inteira descobrem que nunca foram inscritas na Segurança Social e, portanto, não têm direito à reforma; das mulheres contratadas por empresas de limpeza que apenas recebem uma parte ínfima do que deviam; do trabalho escravo das mulheres migrantes. Escrava dos patrões, escrava do marido e dos filhos, que a consideram inútil, atrasada e frustrada, só uma enorme força interior permite a esta mulher sair da amargura e da prisão que tem sido a sua vida.

Maria do Carmo cresce sempre com vontade de fugir para um novo começo. Será com a mudança de casa e de patrão, com o casamento, com a possibilidade de ter uma casa que seja sua, com o nascimento dos filhos, será deixando o marido e os filhos e seguir sozinha e liberta para um outro destino? Para um outro trabalho? Maria do Carmo rebela-se, volta atrás, tem remorsos por deixar os filhos, sonha, não tem com quem “confidenciar as suas emoções” (pág. 101), culpabiliza-se, cai, levanta-se, luta. A cena da bicicleta (págs. 166 e 167) é das mais expressivas sobre a capacidade desta mulher lutar e se erguer das adversidades. “O que ela se interrogava era como faria para abrandar e imobilizar a bicicleta sem tombar desamparada. Ocorreu-lhe que seria mais prudente conservar-se em movimento, rua após rua, esquina após esquina. Ali estavam já os dois jovens diante do bloco de apartamentos, os seus filhos adolescentes a olharem para ela pasmados, tão pasmados que seriam incapazes de rir ou de protestar.”

Carmo é uma lutadora, uma resistente. Quantas mulheres como Maria do Carmo conhecemos? Por quantas passamos no dia-a-dia nos transportes públicos bem cedo pela manhã a caminho da primeira casa do dia, do idoso acamado a quem é preciso lavar, dar os medicamentos e o almoço, de mais um escritório para limpar ao fim do dia? Mulheres anónimas, invisíveis, mal pagas, descartáveis.

Manuel Abrantes quis com este livro retirar estas mulheres da invisibilidade. Quis dar-lhes nome, rosto e futuro. Um dia, uma das patroas de Maria do Carmo, uma das poucas que se sentara para a ouvir, dissera: “…que a vida de Maria do Carmo já dera voltas suficientes para encher um livro.” (pág. 282). Ele aqui está.

5 de Fevereiro de 2025

Almerinda Bento

terça-feira, 15 de abril de 2025

“Como Amar Uma Filha” de Hila Blum

Não há como não ficar presa a esta história! A narrativa tem um quê de mistério do qual o leitor se apercebe logo de início e o agarra de imediato. Uma mulher observa duas meninas enquanto brincam. Ela e nós ficamos a saber que são suas netas, filha da sua filha que não vê há muito. Esconde-se para não ser vista, espreita sorrateiramente para dentro de uma janela. Parte sem se dar a conhecer a essas netas que nunca a viram, que não sabem quem é a avó.

A trama passa-se numa cidade holandesa. Yoella vive actualmente em Israel. Foi de propósito confirmar o que lhe tinham dito, foi de propósito “conhecer” as netas, ver a filha Leah. O que está por detrás do afastamento de uma relação que, é-nos mostrado página a página, é cheia de amor e cumplicidade entre mãe e filha? O mistério adensa-se com o avançar da história. A que se deveu o afastamento aparentemente inexplicável entre as duas?

O passado regressa e é-nos dado a conhecer sempre pela perspectiva da mãe, a narradora. Conta esta história na primeira pessoa e cria assim um impacto maior ao leitor. É fácil colocarmo-nos na sua pele. Uma mãe sofrida, que recorda com dor mas muito amor também. E, no entanto, o leitor sente alguma instabilidade mental da parte da mãe que nos leva a não considerar como verdadeiros todos os pontos de vista a que se refere, sendo que se sente presente a depressão que a afectou em alguns momentos da sua vida e o amor que tem pela filha que poderá ser excessivo. 

Os pequenos erros, embora pareçam insignificantes, também afastam. Como referi temos a perspectiva de Yoella, a mãe. Gostava de ter também o ponto de vista da filha, Leah. Porque um pequeno erro para uma pessoa pode ser uma grande erro para outra...

Recomendo sobretudo se querem uma leitura muito absorvente!

Terminado em 10 de Março de 2025

Estrelas 5*

Sinopse
Uma mulher está parada no escuro, numa rua, a milhares de quilómetros da sua casa em Israel.

Espreita através de uma janela iluminada para o interior de uma moradia, nos subúrbios de uma cidade holandesa.

As duas crianças pequenas que observa, enquanto brincam entre a sala e a cozinha, são as filhas da sua única filha, as netas que ela vê pela primeira vez.

No centro da história, no passado, está uma pequena família: pai, mãe e filha – uma família cujos erros foram cometidos por amor; erros esses que se acumularam e criaram uma cisão, um intenso drama psicológico.

Com precisão cirúrgica, Hila Blum analisa as brechas que fendem o amor entre mãe e filha, as coisas que queremos ver e as que preferimos negar, enquanto desenha um mapa íntimo que põe a nu os limites da nossa capacidade de dirigir e controlar os destinos dos nossos filhos.

Enquanto isso, e ao longo do livro, Blum dialoga com outras escritoras da sua geração, cuja obra se entretece com a vida de Yoella, a mãe desta história, construindo um romance de grande força e beleza.

Cris



segunda-feira, 14 de abril de 2025

“Carta De Uma Desconhecida” de Stefan Zweig

Um homem recebe uma carta de uma desconhecida no seu aniversário. Uma carta  de amor de alguém que o amou uma vida inteira, que se atravessou no seu caminho algumas vezes mas a quem ele nunca deu importância, sequer se lembra dela. Conta-lhe como o conheceu, como o amou loucamente, física e emocionalmente sem que ele desse por isso.

Uma pequena novela que se lê num ápice mas que deixa o leitor a pensar. Quantas vezes alguém terá passado na nossa vida sem termos reparado nela? Quantas vezes atribuímos importância a outrem que nem sabe que existimos?

A escrita de Stefan Zweig é muito intensa, e muito rapidamente sentimos uma empatia muito grande pela dor dessa mulher que passa completamente despercebida na vida do personagem principal - um famoso escritor boémio, insensível. Uma mulher que se cruza com ele desde tenra idade, que consegue fazer parte de momentos muito intensos na vida desse escritor, que vê a sua vida transformar-se devido a um acontecimento imprevisto mas que prefere calar-se e passar despercebida. Uma mulher que nunca força, nunca se impõe. Escolhas que impactam as nossas vidas e a dos outros.

Leitura reflexiva, curta mas poderosa. Escritor a ter em conta para ler tudo. Recomendado.

Terminado em 8 de Março de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse
Um romancista vienense em voga toma conhecimento, ao ler o seu correio, de que uma mulher o ama secretamente, com um amor absoluto e que dura há vários anos. Intrigado, o escritor apercebe-se de que essa paixão surgiu numa rapariga de apenas 13 anos e que continua na mulher já adulta.

Cris