Este livro é uma lição de História, infelizmente da nossa, muito triste e vergonhosa por sinal. Relato cru do que foi o campo de concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, para onde eram levados alguns dos presos políticos durante o salazarismo, muitas vezes à espera de julgamento. Os testemunhos de alguns sobreviventes serviram de base à escrita desta obra. Os presos "alimentavam-se" de torturas várias, de fome e sede, de falta de higiene, de maus tratos e onde a doença que levava à morte constituía, por vezes, a libertação esperada!
Foi "inaugurado" em 1936 com mais de uma centena de prisioneiros que era urgente afastar da metrópole pelas suas ideias diferentes do regime. Relatos brutais, inumanos do que lá se viveu e se quis esconder por muito tempo. O autor enumera os nomes dos presos no final deste livro, que lhes é dedicado, onde para além de portugueses estão também cabo-verdianos, guineenses e angolanos.
Posto isto, que me parece ser prioritário referir, tenho de parabenizar o autor pela sua escrita criativa, pela beleza do seu discurso quando seria difícil fazê-lo já que o tema é tão pesado e monstruoso. A ficção e a realidade juntas num belíssimo e importante livro, que muito recomendo.
A utilização de vários narradores, todos de nome Pedro, que se expressam na primeira pessoa, não dificulta a leitura. Pelo contrário, torna-a mais interessante. Para além de uma homenagem a todos os que por lá passaram, da crueza dos relatos que não duvidamos terem sido reais, este livro transporta-nos para uma escrita belíssima e muito cuidada sem deixar de ser simples e poética, ao mesmo tempo.
Adorei!
"Ler é silenciar o que não deve ser ouvido. Ler é calar o ruído do silêncio, esse que ensurdece. Ler é habitar o dia seguinte esculpido na nossa mente. Ler é o início do enigma. Ler é tirar e pôr em simultâneo. Ler é esvaziar o perpétuamente cheio. Estamos em plenitude. Voltar a ver, ou a ler, ou a ter um livro entre as mãos é dos mais belos reencontros que o ser humano pode vivenciar, seja na liberdade, seja no cativeiro. Para os livros não há cativeiro. Mesmo fechado, é sempre um mundo de braços abertos." (pág 104)
Terminado em 22 de Abril de 2024
Estrelas: 6*
Sinopse
A Colónia Penal do Tarrafal, criada durante o Estado Novo na ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi estreada em 1936 com centena e meia de prisioneiros políticos vindos da metrópole, que era preciso afastar, enfraquecer e usar como lição.
Embora as condições em que ali viveram – esses e todos os outros que ali foram encarcerados – sejam conhecidas (quase sem água, privados de higiene, doentes e sujeitos a torturas várias), nada melhor do que ouvi-las da boca de quem as sofreu na pele ou assistiu de perto a esse sofrimento. Nos 45 anos do encerramento do campo de concentração, Mário Lúcio Sousa, nascido no Tarrafal, toma a voz de vários prisioneiros chamados Pedro e chegados em diferentes vagas de Portugal, da Guiné, de Angola e até de Cabo Verde.
E, ao relatar a história desta prisão terrível e de quem a foi dirigindo ao longo dos anos, o presente romance homenageia simultaneamente os que ali perderam a vida e os que sobreviveram ao horror e ainda os vários modos de falar uma língua que foi, tantas vezes, a que os tramou e a que os viria a salvar.
Cris
A sua descrição/review e a transcrição do excerto da pag. 104 despertaram a minha vontade de ler este livro. Obrigada
ResponderEliminarObrigada pela recomendação. Parece, sem dúvida, um livro a não perder.
ResponderEliminarQuero muito ler. Obrigada 😊
ResponderEliminarJá comprei
ResponderEliminarVais "gostar". É duro!
Eliminar