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segunda-feira, 7 de abril de 2025

“A Velha Senhora Webster” de Caroline Blackwood

Com um quê de autobiográfico esta obra possui nas suas páginas uma pitada de humor mesclado com poder descritivo sobre o ambiente vivido, tantas vezes pesado, e as personagens, que captam de imediato a atenção do leitor. É um retrato de três gerações, estando no centro da narrativa a bisavó Webster. Três mulheres retratadas, com as suas particularidades muito vincadas, irreverentes, muito à frente do seu tempo. Ficaram aqui, nestas páginas, um pouco da História de Inglaterra, um retrato de época de uma classe social aristocrata.

Uma bisavó fria e excêntrica, uma filha ausente e enlouquecida, uma neta completamente irreverente, alegremente com pretensões a suicida (não encontro outros adjectivos que reproduzam tão bem a tia Lavínia!). A narradora é a bisneta da Sra. Webster, adolescente, que passa algum tempo da sua vida com a bisavó.

“De súbito, a bisavó Webster pareceu-me impressionante. Sobrevivera a tanta gente. Conseguira ser ao mesmo tempo o começo de uma linha e o final de uma linha. Na minha família parecia ser o alfa e o ómega.” Pág 136

Uma escrita fantástica mas simples ao mesmo tempo, certeira e perspicaz, como gosto. Escrita que neste livro faz total diferença. A história, contada de outra forma, perderia o seu encanto. Romance curto, pincelado com um humor algo macabro mas muito intenso.

Um tesouro para ser lido e apreciado.

Terminado em 28 de Fevereiro de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse
A Senhora Webster é um monstro fabuloso, a mais fria das matriarcas, que preside com mão de ferro sobre uma paisagem de vidas arruinadas. Mas esta é apenas um dos parentes frios e excêntricos que a narradora adolescente tem de suportar. Outros entes queridos incluem uma avó desvairada e uma tia promíscua e alegremente suicida. Este romance macabro, mordazmente engraçado e parcialmente autobiográfico revela a loucura gótica que grassa nos bastidores das grandes casas da aristocracia, tal como é testemunhada pelos olhos impiedosos de uma adolescente órfã.  

Cris


quarta-feira, 2 de abril de 2025

“Como o Ar” de Ada D’Adamo

Que livro este! Antes de mais, quero dizer-vos que adorei a capa (sim, os meus olhos são os primeiros a avisar-me que “preciso” de um determinado livro!). O abraço que se sente ao olhá-la fez-me bem.

Depois, quero referir que é impossível ficar indiferente a esta leitura. Já não é o primeiro livro que leio sobre acontecimentos pessoais de um autor falecido pouco tempo após a sua publicação. Como este. E isso pesa muito. É um relato fortíssimo contado por Ada sobre períodos da sua vida, sobretudo o nascimento de sua filha Daria, portadora de uma incapacidade muito grande, "holoprosencefalia", e a sua luta com um cancro aos cinquenta anos. Passado e presente mesclados criam momentos de muita empatia com esta mulher lutadora, que tudo fez para que a filha tivesse o melhor do mundo (terapia e amor) e que sabe escrever muito bem, com sentimento mas com uma clareza impressionantes. 

As suas palavras tiveram tal peso na minha leitura que, mesmo agora, pouco posso falar sobre esses momentos lidos sem vivenciar de novo o que senti na altura. É um retrato visceral que tem um enorme impacto para quem o lê. Estejam preparados para uma leitura forte, impactante, dura, sobre momentos de dor que ninguém devia viver. Considero-o, no entanto, um hino à vida, ao amor.

Uma reflexão profunda sobre a doença, o aborto, a deficiência por parte de quem já cá não está. Este livro recebeu o Prémio Strega 2023. Esta autora italiana não o pode receber em mãos.

Para reler. Recomendadíssimo.

Terminado em 25 de Fevereiro de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse
O destino de Daria, a filha, começa a escrever-se quando um diagnóstico inesperado vem ensombrar o seu nascimento. A vida de Ada, a mãe, sofre um enorme sobressalto quando, quase aos cinquenta anos, descobre que uma doença grave lhe consome o corpo e encurta os dias. Mais do que sentença de morte, o cancro que lhe vai roubando as forças torna-se uma oportunidade para se dirigir à filha e contar-lhe a sua história.
Tudo passa pelos corpos de Ada e Daria: as lutas quotidianas, a raiva, os segredos, mas também as alegrias inesperadas e os momentos de uma ternura infinita. Dilacerantes, as palavras que a mãe oferece à filha atravessam o tempo – passado e presente entrelaçam-se numa dança que parece eterna.
Vencedor do prestigiado Prémio Strega 2023, Como o Ar é um romance de extraordinária força. Relato do inabalável amor entre mãe e filha, é também uma história de coragem em que cada momento é oferecido ao leitor como uma dádiva.

Cris


terça-feira, 1 de abril de 2025

A Convidada escolhe: El-Rei, Nosso Senhor, Sebastião José

El-Rei, Nosso Senhor, Sebastião José, Ana Cristina Silva, 2024

Neste romance biográfico sobre a vida e obra de Sebastião José de Carvalho e Melo, Ana Cristina Silva ajuda-nos e recordar a segunda metade do século XVIII em Portugal, sobretudo o período de vigência do rei D. José I, altura em que Sebastião José conseguiu alcançar a notoriedade que o levou a ficar na História.

O romance está organizado em dezoito capítulos encimados por um sumário que acompanha a vida do Marquês de Pombal que nem sempre segue uma ordem cronológica.

Nascido no último ano do século XVII e falecido em 1782, foi ao longo de vinte anos do reinado de D. José I que paulatinamente ganhou uma relevância e um poder tal, passando de “fidalgote” à segunda figura do reino. Ainda no tempo de D. João V tinha sido enviado para Londres como embaixador e para Viena como emissário para mediar o conflito entre o papado e Maria Teresa de Áustria, mas só em 1750, ao ser nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, o rei D. José I lhe atribui um cargo de peso no reino. No entanto, são o terramoto de Lisboa em 1755 e a tentativa de regicídio em 1758, as peças fundamentais para a ascensão de Sebastião José na vida política portuguesa da altura. Homem ambicioso, com uma energia imensa e grande capacidade de trabalho, para além da visão do mundo e da realidade do país e da cidade de Lisboa após o terramoto, Sebastião José aproveitou o seu lugar de privilégio como secretário do reino para se vingar das humilhações, invejas e intrigas de quem o via como “fidalgote” e passar a figura temível da corte a quem todos faziam vénias. Com uma visão moderna para a cidade arrasada, rodeou-se de grandes nomes para construir uma Lisboa nova, de modo a que “nunca mais ninguém apelidaria Lisboa de «a famosa estrebaria»” (pág. 33). Tendo como principais alvos a abater o duque de Aveiro, os Távora e os jesuítas da Companhia de Jesus, conseguiu insinuar-se junto ao rei e encontrar culpados para o atentado ao rei, sendo implacável e sem remorsos nas punições que decretou. “Quantas vezes se tem a oportunidade de mudar um país e ao mesmo tempo derrubar os inimigos?” (p. 148). No entanto e desde sempre, Sebastião José se apercebeu que sendo a segunda pessoa mais importante do reino, a sua dependência do rei era absoluta. Em 1759, quando o rei lhe conferiu o título de conde de Oeiras, ele que nunca antes tinha tido um título nobiliárquico, “o seu sangue passou a ser o sangue da alta nobreza” (p. 195).

O declínio físico do rei assolado por várias doenças ditou o fim do conde de Oeiras, que entretanto, aos 70 anos, tinha também recebido o título de Marquês de Pombal. Afinal, a vassalagem, a preferência por “ser temido a amado” (pág. 288) ocultava a hipocrisia dos vassalos do rei, os ódios contra o secretário de D. José I, a sua fragilidade e o ódio do povo que se manifestava n’”as piadas e versos que pretendiam evidenciar a familiaridade reiterada do secretário do Reino com o crime e a malvadez.” (pág. 330). A morte do rei e a subida ao trono de D. Maria conduzem à exoneração e exílio de Sebastião José para a vila de Pombal, longe da corte e sem acesso ao conforto do seu magnífico palácio de Oeiras que a sua mulher Eleonor Ernestina tão dedicadamente tinha providenciado. O processo dos marqueses de Távora é aberto, os quais são ilibados, ao passo que o Marquês de Pombal é considerado culpado, sendo poupado à morte devido ao seu estado de saúde extremamente débil.

Muitíssimo inteligente, toda a sua vida foi pautada pelo tacticismo e a ambição de que o seu nome perdurasse para a história como um grande político com uma obra vastíssima em vários campos, no sentido de engrandecer o país, retirando-o do obscurantismo e fanatismo e dos abusos da velha aliança com a Inglaterra. Por isso, na fase final da sua vida, quando o brilho do poder já não incidia sobre ele, dedica-se a escrever tentando deixar as memórias da sua acção de modo a que a sua reputação não fique manchada para o futuro.

Como é timbre da escrita de Ana Cristina Silva, neste romance histórico a autora é exímia em analisar os estados de alma de um homem com uma personalidade complexa, ambicioso, implacável com os seus adversários, apaixonado, sensível, brutal, manipulador e que apesar do seu poder absoluto, tinha momentos de absoluta solidão e fragilidade. Só alguém como Ana Cristina Silva para mostrar uma época importantíssima da nossa história, a partir duma personagem que, passados quase três séculos, continua a ser controversa.

26 de Março de 2025

Almerinda Bento

Palavras-chave: Marquês de Pombal, D. José I, ambição, poder,

Manuel da Maia, Carlos Mardel, Eugénio dos Santos