El-Rei,
Nosso Senhor, Sebastião José, Ana Cristina Silva, 2024
Neste
romance biográfico sobre a vida e obra de Sebastião José de
Carvalho e Melo, Ana Cristina Silva ajuda-nos e recordar a segunda
metade do século XVIII em Portugal, sobretudo o período de vigência
do rei D. José I, altura em que Sebastião José conseguiu alcançar
a notoriedade que o levou a ficar na História.
O
romance está organizado em dezoito capítulos encimados por um
sumário que acompanha a vida do Marquês de Pombal que nem sempre
segue uma ordem cronológica.
Nascido
no último ano do século XVII e falecido em 1782, foi ao longo de
vinte anos do reinado de D. José I que paulatinamente ganhou uma
relevância e um poder tal, passando de “fidalgote” à segunda
figura do reino. Ainda no tempo de D. João V tinha sido enviado para
Londres como embaixador e para Viena como emissário para mediar o
conflito entre o papado e Maria Teresa de Áustria, mas só em 1750,
ao ser nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra, o rei D. José I lhe atribui um cargo de peso no reino. No
entanto, são o terramoto de Lisboa em 1755 e a tentativa de
regicídio em 1758, as peças fundamentais para a ascensão de
Sebastião José na vida política portuguesa da altura. Homem
ambicioso, com uma energia imensa e grande capacidade de trabalho,
para além da visão do mundo e da realidade do país e da cidade de
Lisboa após o terramoto, Sebastião José aproveitou o seu lugar de
privilégio como secretário do reino para se vingar das humilhações,
invejas e intrigas de quem o via como “fidalgote” e passar a
figura temível da corte a quem todos faziam vénias. Com uma visão
moderna para a cidade arrasada, rodeou-se de grandes nomes para
construir uma Lisboa nova, de modo a que “nunca
mais ninguém apelidaria Lisboa de «a famosa estrebaria»” (pág.
33). Tendo como principais alvos a abater o duque de Aveiro, os
Távora e os jesuítas da Companhia de Jesus, conseguiu insinuar-se
junto ao rei e encontrar culpados para o atentado ao rei, sendo
implacável e sem remorsos nas punições que decretou. “Quantas
vezes se tem a oportunidade de mudar um país e ao mesmo tempo
derrubar os inimigos?” (p.
148). No entanto e desde sempre, Sebastião José se apercebeu que
sendo a segunda pessoa mais importante do reino, a sua dependência
do rei era absoluta. Em 1759, quando o rei lhe conferiu o título de
conde de Oeiras, ele que nunca antes tinha tido um título
nobiliárquico, “o
seu sangue passou a ser o sangue da alta nobreza” (p.
195).
O
declínio físico do rei assolado por várias doenças ditou o fim do
conde de Oeiras, que entretanto, aos 70 anos, tinha também recebido
o título de Marquês de Pombal. Afinal, a vassalagem, a preferência
por “ser
temido a amado” (pág.
288) ocultava a hipocrisia dos vassalos do rei, os ódios contra o
secretário de D. José I, a sua fragilidade e o ódio do povo que se
manifestava n’”as
piadas e versos que pretendiam evidenciar a familiaridade reiterada
do secretário do Reino com o crime e a malvadez.” (pág.
330). A morte do rei e a subida ao trono de D. Maria conduzem à
exoneração e exílio de Sebastião José para a vila de Pombal,
longe da corte e sem acesso ao conforto do seu magnífico palácio de
Oeiras que a sua mulher Eleonor Ernestina tão dedicadamente tinha
providenciado. O processo dos marqueses de Távora é aberto, os
quais são ilibados, ao passo que o Marquês de Pombal é considerado
culpado, sendo poupado à morte devido ao seu estado de saúde
extremamente débil.
Muitíssimo
inteligente, toda a sua vida foi pautada pelo tacticismo e a ambição
de que o seu nome perdurasse para a história como um grande político
com uma obra vastíssima em vários campos, no sentido de engrandecer
o país, retirando-o do obscurantismo e fanatismo e dos abusos da
velha aliança com a Inglaterra. Por isso, na fase final da sua vida,
quando o brilho do poder já não incidia sobre ele, dedica-se a
escrever tentando deixar as memórias da sua acção de modo a que a
sua reputação não fique manchada para o futuro.
Como
é timbre da escrita de Ana Cristina Silva, neste romance histórico
a autora é exímia em analisar os estados de alma de um homem com
uma personalidade complexa, ambicioso, implacável com os seus
adversários, apaixonado, sensível, brutal, manipulador e que apesar
do seu poder absoluto, tinha momentos de absoluta solidão e
fragilidade. Só alguém como Ana Cristina Silva para mostrar uma
época importantíssima da nossa história, a partir duma personagem
que, passados quase três séculos, continua a ser controversa.
26
de Março de 2025
Almerinda
Bento
Palavras-chave:
Marquês de Pombal, D. José I, ambição, poder,
Manuel
da Maia, Carlos Mardel, Eugénio dos Santos