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sexta-feira, 29 de março de 2024

"Um Amor" de Sara Mesa

Que história esta! Que forma de escrever e que personagens!

Tudo prende. Sobretudo a estranheza da pequena povoação e seus habitantes onde Nat, tradutora de profissão, procura refúgio. O que está por detrás da sua mudança? Razões económicas ou outras mais profundas?

Os personagens, que vão surgindo com o decorrer da trama, estão caracterizados esplendidamente com as suas idiossincrasias particulares, os seus discursos quase obscenos e estranhos, apanharam-me de surpresa e enamorei-me deles de imediato. A história leva-nos para alguns caminhos mas não descortinamos quais, embora nos ponhamos a pensar que sim. Mas seria demasiado óbvio e a mestria da autora mostrou-se também aqui. Acertamos sempre... ao lado!

La Escapa, a povoação, está repleta de preconceitos e tabus que se misturam com os da própria Nat. Sim, a povoação, ela própria, parece um personagem, funcionando como um todo, porque todos os seus habitantes possuem algo de estranho e parecem esconder alguma coisa.

As tentativas de Nat de se integrar no meio ambiente e até arranjar amigos revelam-se difíceis, demoradas e com algumas surpresas desagradáveis.

Gostei muitíssimo desta obra e só não lhe atribuo 6 estrelas porque algo no final me passou ao lado, muito embora o tenha lido várias vezes. Diria que Nat procurava um caminho interior, um equilíbrio emocional e que, com todos os acontecimentos ásperos que sofre, acaba por encontrá-lo. Mas gostava muito de falar com alguém (com spoilers) sobre esta história apaixonante.

Terminado em 3 Março de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

A história decorre em La Escapa, uma pequena povoação rural, para onde Nat, uma jovem tradutora, se mudou por razões económicas e também em busca de equilíbrio emocional.

Os outros habitantes da zona com quem se relaciona acolhem-na com distante normalidade. Mas na povoação respira-se um ambiente de preconceito, incompreensão e estranheza em relação a tudo o que é diferente, em particular a uma mulher que vive só.

La Escapa, dominada pelo monte El Glauco, vai confrontando Nat com silêncios, equívocos, preconceitos e tabus e também com ela própria e os seus fracassos. 

Cris

 

quarta-feira, 27 de março de 2024

"Tess dos D'Urbervilles" de Thomas Hardy

Este romance foi publicado em Inglaterra pelo autor em 1891 e retrata muito bem essa época de costumes rígidos, com papéis bem definidos entre géneros e tendo a mulher o seu campo de acção muito limitado. Uma fina crítica transparece desta trama mas, no entanto, a história acaba por ter o fim espectável para essa época. É uma história triste, onde a protagonista, mesmo com a garra que lhe é atribuída é vencida pela leis e ditames da época.

Contudo, Tess revela-se uma mulher lutadora, independente e corajosa face aos acontecimentos que vão marcar a sua vida para sempre. Há determinados factos aos quais o autor, segundo a minha opinião, poderia ter dado mais destaque, explorando melhor as emoções da protagonista. Mas, é precisamente nesses pontos fortes da trama que Thomas Hardy revela uma mestria na escrita que espanta o leitor fazendo-o ir atrás nas páginas e relendo partes com o intuito de se certificar que nada lhe escapou. Essa técnica literária acontece em vários momentos e dá-se na passagem de um capítulo para outro.

O ambiente campestre está bem caracterizado e as paisagens tornam-se visíveis ao olhar do leitor como se de um filme se tratasse. As leis e costumes rurais numa Inglaterra no final do séc. XIX, um retrato da sociedade, uma crítica velada às convenções sociais e ao falso moralismo que imperava, tudo o autor soube colocar aqui, lembrando que, muito provavelmente, se se excedesse, este livro não seria publicado. A acção decorre lentamente mas prende.

Li esta obra conjuntamente com alguns leitores amigos e gostei muito da conversa final onde, ao contrário daqui, os spoilers são permitidos. Fiquei com vontade de ler o "Longe da Multidão" que mora cá nas estantes.

Gostei muito e recomendo para quem quer fazer uma viagem no tempo.

Terminado em 29 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

“E como poderia eu sabê-lo? Não passava de uma criança quando há quatro meses deixei esta casa. Porque é que a mãe não me disse que eu poderia correr perigo? Porque é que não me avisou?»

Quando Tess Durbeyfield, instigada pela pobreza, se dirige à abastada família D’Urbervilles, o encontro com o seu “primo” Alec revela-se um momento perigoso. Um homem, Angel Clare, oferece-lhe o que parece ser amor e salvação, e Tess tem de decidir se revela o seu passado ou se mantém o silêncio, na esperança de um futuro melhor.
Tendo como personagem uma Tess crítica e vítima das convenções sociais, este é um dos romances mais comoventes de Thomas Hardy.

“E é quando consideramos a capacidade de Hardy para criar homens e mulheres que tomamos realmente consciência das profundas diferenças que o distinguem dos seus pares. Olhamos de novo para várias das suas personagens e perguntamo-nos qual o motivo que nos fez recordá-las. Lembramo-nos das suas paixões. Lembramo-nos de como se amaram profundamente umas às outras e quantas vezes com que trágicos resultados.”
Virginia Woolf

Cris

segunda-feira, 25 de março de 2024

"Teoria King Kong" de Virginie Despentes

Um gosto amargo mas bom ficou no meu palato depois de ter lido este livro. Passo a explicar… 

A escrita é crua, dura sem pejo de ferir susceptibilidades. Gostei e estranhei. Mas não a entranhei de todo.

Os temas tratados são muito pertinentes. A autora coloca o dedo na ferida, faz-nos pensar e pensar e pensar… Livro pequeno em formato de bolso, mas com uma mancha gráfica compacta, para ler sem parar mas também para voltar atrás e reler. E sublinhar.

Um auto-retrato onde descreve situações pelas quais passou na sua vida. Define-se a si própria como alguém que está contente como é, “mais desejosa que desejável” (pág. 10.). Contra a mulher perfeita, submissa aos valores que lhe querem impor, um ideal de mulher que, acredita, não existe. Aborda e desconstroi todos os estereótipos do que é ser mulher e ser homem.

Temas como a violação a que foi sujeita e as reacções e comportamentos durante e depois, suas e dos outros, a esse acontecimento, marcam um dos capítulos deste livro - (“com efeito, nisto da violação, é preciso sempre provar que não se estava de acordo”- pág. 45, “sempre culpadas do que nos fazem”- pág. 51). Seguem-se assuntos igualmente fortes como a prostituição (“A sexualidade masculina, em si própria, não constitui uma violência contra as mulheres se estas consentirem e se forem bem remuneradas. O que é violento é o controlo exercido sobre nós, essa faculdade de decidir em nosso nome o que é ou não é digno” - pág. 89), a pornografia (“Não é a pornografia que choca as elites mas a sua democratização” - pág. 104), reacções exteriores à sua pessoa, ao seu primeiro livro publicado: “Baise-moi” (“O que tenho de suportar enquanto escritora é o dobro do que um homem suporta” - pág. 144).

Não existe uma única página que não nos confronte e interpele. Desconstrói sentimentos de hipocrisia, recalcamentos que rondam as definições do que é ser mulher e ser homem.

Diria que é um livro marcante mas que é preciso ter estômago para o ler. Não foi o conteúdo que me chocou mas a forma de o expressar. Creio, no entanto, que foi esse o objectivo.

Terminado em 22 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

TEORIA KING KONG é um grito de guerra e uma interrogação feroz da sexualidade feminina. Virginie Despentes desafia os discursos bem-comportados sobre a violação, a prostituição e a pornografia a partir das suas próprias experiências, desconstruindo os modos de apropriação do corpo feminino que levam à subordinação social, económica e sexual.

Um manifesto iconoclasta e irreverente para um novo feminismo. 

Cris


sexta-feira, 22 de março de 2024

"A Madrugada em Birkenau" de Simone Veil

Gosto muito de ler literatura de testemunho, sobretudo de épocas e sobre acontecimentos em que os Homens se esqueceram que a Paz é um dos bens mais preciosos. A falta de humanidade, de empatia para com o outro ser humano que se encontra ao nosso lado e que nessas alturas está ao rubro, dever-nos-ia NÂO ESQUECER. E no entanto...

Simone Veil nasceu em França em 1927 e tinha 16 anos quando foi deportada juntamente com a mãe e uma das suas irmãs. Morreu em 2017 com 90 anos. O seu testemunho (e bem como os restantes que surgem neste livro) foi recolhido por David Teboul, fotógrafo e cineasta, que acabou por ficar seu amigo.

É muito pouco o que posso dizer sobre esta leitura porque ficaria sempre aquém do seu conteúdo. Do seu testemunho enquanto prisioneira em vários campos de concentração, ficou-me sempre a impressão de alguns factores que, à semelhança de outras leituras, ficaram-me gravados na memória: 

1- O facto de muito poucas pessoas adivinharem o horror que estava para vir e, assim permanecerem no local onde residiam, não tentando fugir atempadamente. Quando quiseram fugir era já tarde demais.

2- O factor sorte. Impressionante como a sorte ou o azar ditavam a vida ou a morte!

3- A luta por um objectivo (alguém "lá fora" que queriam muito ver ou o facto de existirem familiares próximos no campo que se ajudavam uns aos outros). Neste caso, Simone tinha a mãe e uma irmã. A mãe, embora fraca e doente, foi sempre o pilar de força e coragem de que necessitava.

De resto, pouco mais direi. É para ler, gente, é para ler! Foi uma mais valia muito grande poder acompanhar Simone nestes dias de muita dor mas ficar a conhecer, também, todas as dificuldades por que passaram, ela e sua irmã, depois do "fim" da guerra. Porque o desconhecimento, a indiferença dos outros podem matar. O seu percurso profissional foi notável vindo a destacar-se como magistrada no seu país natal. Posteriormente foi ministra da saúde e a primeira mulher Presidente do Parlamento Europeu.

Uma força, um exemplo.

"Quando se foi tratada como carne, é muito difícil convencer-se de que se permaneceu um ser humano. Esse era o combate que travávamos. O combate mais difícil. Nós tínhamos fome, tínhamos sede, tínhamos sono. Quando se fica dias sem dormir, não se sabe mais onde se está, perde-se o sentido de orientação, O sentimento dominante é o de um corpo e de um espírito humilhados. Mas éramos três, isso preservava-nos. Apoiávamo-nos constantemente. À nossa volta, constituíam-se pequenos grupos, mas a família era o que havia de mais forte." (pág 85). 

Obrigatório ler!

Terminado em 19 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

"Um testemunho do holocausto, uma narrativa pessoal (inédita) por uma das mais destacadas figuras da política europeia da segunda metade do século xx.

Numa primeira parte do livro, Simone Veil fala da sua infância, da família, recorda o início das perseguições raciais em França, e relata a deportação, a vida nos campos de Drancy, Auschwitz-Birkenau, Bergen-Belsen, e o impacto destes acontecimentos na vida que se lhes seguiu.

Na segunda parte, dialoga com antigos companheiros sobreviventes do holocausto, e com a irmã, membro da Resistência, e que reencontrou no fim da guerra.

Um extraordinário documento histórico, enriquecido por muitas fotografias (dos anos trinta e de anos recentes): deportada aos 16 anos, Simone Veil veio a tornar-se a francesa mais popular e uma das mulheres mais importantes da política europeia do século xx. Simone Veil habita literalmente este livro.

O leitor ouve a sua voz e sente a sua liberdade interior." 

Cris

 

quarta-feira, 20 de março de 2024

"O Fantasma de Anya" de Vera Brosgol (GN)


Quando me ofertaram esta graphic novel fiquei surpreendida porque desconhecia a sua existência. Gostei muito de a ler. 

Trata assuntos bastante actuais de uma forma simples, com ilustrações cuidadas, muito expressivas e inteligentes, em tons de branco, preto e cinzento. Talvez por isso, a nossa atenção é fixada sobretudo nas expressões faciais de Anya e restantes personagens. Prendemo-nos de imediato!

Anya é adolescente e possui os problemas próprios que nos "atacaram" em todo ou em parte: acha-se gorda, desengraçada, e está apaixonada pelo rapaz mais popular e giro da escola. Mais: é imigrante e não se sente pertença de sítio nenhum. 

Uma queda num buraco fundo, "alguém" estranho que lhe aparece vai transformar o seu mundo e a forma como o encara.

Muito pertinente, incisivo nos temas que aborda, esta GN prende e considero-a leitura para todas as idades.

Terminado em 14 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

Uma novela gráfica premiada para adolescentes desempoeirados, sem medo de fantasmas.

Um livro premiado que conta uma história repleta de segredos, reviravoltas e emoção. Apesar do seu mau-humor, inseguranças, fraquezas e sarcasmo, Anya conquistará leitores de todas as idades. Anya é uma adolescente como tantas outras: sente dificuldade em integrar se no colégio por ter uma família imigrante, está descontente com alguns aspetos do seu corpo e tem um fraquinho por um rapaz que já tem namorada. A queda num poço antigo e fundo vai trazer-lhe uma nova amizade bastante peculiar: o fantasma de Emily, uma rapariga que morreu há um século, que depressa se torna uma ajuda preciosa (e invisível) para o dia a dia de Anya. Até que começam a surgir problemas… Novela gráfica premiada que conta uma história repleta de segredos, reviravoltas e emoção.

Apesar do seu mau-humor, inseguranças, fraquezas e sarcasmo, Anya conquistará leitores de todas as idades.

Cris

segunda-feira, 18 de março de 2024

Para os Mais Pequeninos: "O Meu Pai Tem Muita Pinta" de Bea Taborda e César Barceló


Um livro com uma história simples, com acontecimentos do dia-a-dia, que envolvem um pai e uma filha. A pequena narradora dá-nos a conhecer o seu pai: o que faz no trabalho e como gosta de desenhar; as suas conversas e todos os pequenos pormenores que transformam o seu pai num companheiro de brincadeiras mas, também, em alguém em quem confia e lhe dá apoio.

A história pode ser simples mas por detrás dela estão descritas as pequenas coisas que fazem o dia a dia, um dia cheio de significado e importância: os pequenos gestos de amor que contribuem para um crescimento saudável.

Vão gostar de ler e observar as imagens tão ricas que ilustram bem o conteúdo! Uma boa prendinha para os pequeninos darem no dia do Pai. Juntos, esta leitura tornar-se-á um verdadeiro deleite!

 





Cris

quinta-feira, 7 de março de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Fevereiro

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Fevereiro.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Cidália Ferreira

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

Cris

segunda-feira, 4 de março de 2024

"Mulheres da China" de Xinran

Livro de não ficção que habitava nas minhas estantes há demasiado tempo. Às vezes os clubes de leitura fazem-nos pegar nos livros “esquecidos” e, neste caso, a surpresa não poderia ter sido melhor.

Na capa é referido: "Um livro que começa onde Cisnes Selvagens de Jung Chang terminou: a vida das mulheres chinesas depois de Mao".

Xinran é jornalista e, presentemente, não vive na China. Mas apresentou, durante aproximadamente oito anos, um programa na rádio, “Palavras na Brisa da Noite” que, pese embora tivesse de passar pelo crivo da censura do Partido, conseguiu ser um espaço de reflexão e partilha de muitos problemas e questões levantadas pelas mulheres chinesas, que até aí, não tinham voz. Começou a receber inúmeras cartas, muitos pedidos de ajuda e de opinião, muitas das quais não poderia ler em público. De qualquer modo, durante esse tempo conseguiu dar a conhecer um pouco a realidade da mulher chinesa, Confesso que todo este livro foi, para mim, uma descoberta constante.

A radio era a porta-voz do Partido pelo que só podiam transmitir o guião depois de devidamente escrutinado e o programa final depois de gravado e editado passava por um departamento que supervisionava tudo. Logo, as chamadas recebidas não podiam ser atendidas em tempo real. No entanto, entrevistou várias mulheres - jovens e mais velhas - e pode perceber a diferença de atitudes entre elas e a descrença das mais novas face às atitudes dos homens que consideravam machistas. O fosso entre gerações mostrava-se grande.

A história das mulheres da China e das suas lutas por igualdade de tratamento não caminha de par em par com a história das mulheres ocidentais. "Nos anos 30 do século XX, quando as mulheres ocidentais já estavam a exigir a igualdade sexual, as mulheres chinesas estavam apenas a começar a desafiar a sociedade dominada pelo homem, não querendo que os pés fossem ligados ou que os casamentos fossem arranjados pela geração mais velha" (pág 65).

Xiran conta-nos em cada capítulo histórias de vida de algumas mulheres chinesas e, ao mesmo tempo, um pouco da sua história familiar. Alguns relatos são impressionantes.

Em 1997 Xiran sai da China e vai viver para Inglaterra. O sentimento que passa ao leitor neste livro todo é que tudo o que viveu foi demais para ela. Precisava sair. Viver livre.

Recomendo muitíssimo. Tenho outro livro da autora na estante que quero ler em breve, "Mensagem de Uma Mãe Chinesa Desconhecida".

Terminado em 13 de Fevereiro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse

Durante oito inesquecíveis anos, a jornalista Xinran apresentou na China um programa de rádio em que muitas mulheres falavam de si próprias e da sua vida. «Palavras na Brisa Nocturna», assim se chamava, rapidamente se tornou no mais famoso programa de rádio chinês. Nele se revelava o que significa ser mulher na China de hoje. Nesta primeira obra impressionante, Xinran revela as muitas formas como foi obrigada a contornar o sistema e dá voz a todas as mulheres chinesas, independentemente do seu estrato social. Este é um livro que começa onde «Cisnes Selvagens» de Jung Chang terminou: a vida das mulheres chinesas depois de Mao.

Cris