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sábado, 28 de setembro de 2024

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

A Convidada escolhe: "A Boa Sorte"

 “A Boa Sorte”, Rosa Montero, 2020

Depois de “Os Cus de Judas” de António Lobo Antunes, acho que não podia ter feito melhor escolha. Para além de gostar da escrita de Rosa Montero, do que ela escreve e de como o faz, “A Boa Sorte” tem todos os ingredientes para ajudar a sair do tom depressivo de Lobo Antunes. “A Boa Sorte” é um livro positivo, optimista e é, além disso, cheio de suspense e com um encadeamento que daria um excelente filme.

Por coincidência, Rosa Montero usa inúmeras vezes a expressão “cu de Judas”, para falar de Pozonegro, o lugar escolhido pela personagem principal – Pablo Hernando – para se afastar do seu presente e, sobretudo, para tentar fugir ao seu passado. Pablo, de 54 anos, é um arquitecto famoso, que vive para a profissão, rico, meticuloso, “um animal de hábitos” (pág. 26), viúvo há sete anos e que um dia, no auge da sua carreira profissional, compra uma casa num lugar improvável, desliga o telemóvel e o computador e fica incontactável para o mundo. Mas a verdade é que não é possível fugir do passado, porque o passado é como um fantasma que está sempre presente. No microcosmo que é Pozonegro e o prédio onde Pablo mora, está lá o mundo todo: a bondade e a maldade, a velhice e a vontade de viver, a alegria e a frustração, a violência e a solidão, a inveja e a solidariedade, a cobardia e a coragem.

As personagens criadas pela autora, que nos surgem como narradoras a falar na primeira pessoa, ou pela voz de um narrador que as retrata, não são lineares, antes têm os sentimentos e as contradições que fazem delas personagens muito reais e muito concretas, moldadas pela vida. Há neste livro várias histórias de abandono, até mesmo a “Cadela” encontrada junto ao corpo da mãe morta. A violência não surge como um acto banal, mas como um fenómeno com raízes fundas numa sociedade violenta e egoísta, mas a perspectiva do livro é a da crença na mudança e na bondade humana. E Raluca, a jovem romena vizinha e colega de trabalho no hipermercado “o alegre paraíso do consumo” (pág. 28) é esse ímã de bondade, de solidariedade, de ingenuidade, é essa pessoa que se considera afortunada e a quem “a boa sorte” sempre tem acompanhado.

Para além do retrato minucioso das personagens, dos diálogos verosímeis, das situações inesperadas, Rosa Montero põe-nos a reflectir sobre a violência que está mesmo no andar de cima e que fingimos não ouvir nem ver, sobre a vida que nos afasta de quem mais amamos, sobre a falta de comunicação entre as pessoas, sobre a solidão na velhice, sobre os medos de podermos fracassar de novo, sobre os monstros sociais que se agigantam nos nossos dias em sociedades aparentemente saudáveis. É, por isso, um romance que não se limita a contar (bem) uma história, mas que nos obriga a pensar, mesmo que a leitura em determinados momentos seja vertiginosa.

Como se pode ler na sinopse: “A Boa Sorte” espelha, sobretudo, um profundo amor à vida. No fim de contas, depois de cada perda, pode haver um recomeço. Porque a sorte só é boa se assim o decidirmos.”

Almerinda Bento

16 de Setembro de 2024

domingo, 22 de setembro de 2024

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

A Convidada escolhe: "Os Cus de Judas"

“Os Cus de Judas”, António Lobo Antunes, 1979

Há precisamente um ano, andava eu a ler “Memória de Elefante” jurei a mim própria que tinha de ultrapassar a ideia feita/preconceito de que é muito difícil ler António Lobo Antunes, embora sobre as suas crónicas o consenso seja altamente favorável. A verdade é que fui acumulando livros deste autor que me iam sendo oferecidos, e como tinha de começar por uma ponta, decidi-me entrar na obra de A. Lobo Antunes, por ordem cronológica. Depois de “A Memória de Elefante”, passei a “Os Cus de Judas”, o segundo livro do autor.

Este livro que ele dedica ao amigo Daniel Sampaio, começa com a profunda ironia de um narrador que nos fala da sua infância muito ligada aos animais do Jardim Zoológico, dado viver perto do Jardim e portanto não ser alheio aos sons dos animais e às suas características. Mas, de todo aquele mundo de animais, a sua maior e mais agradável memória prende-se com o rinque de patinagem e a elegância do professor preto “rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas”(pág. 9). Em contraponto a estas memórias ruidosas, luminosas e felizes, a casa das tias na Barata Salgueiro cheirava a mofo e a velho e os reparos que lhe faziam sobre a sua magreza, apenas viam a tropa como salvação para vir a tornar-se um homem. Até que chegou esse dia em que “a tribo” se foi despedir dele no dia em que embarcou para Angola.

O resto do livro, ao longo de 23 capítulos de A a Z, é a memória da guerra, desde a chegada a Luanda, de onde seguiam para “os cus de Judas” os lugares para onde eram mandados para morrer, “em nome de ideais veementes e imbecis, em dois anos de angústia, de insegurança e de morte” (pág. 26). Esse longo relato de memórias, de flashes da sua experiência nesses “cus de Judas” é feito pelo narrador a uma mulher com quem está num bar ao fim da tarde e prolonga-se até ao amanhecer do dia seguinte no apartamento do narrador. Ácido, irónico, contundente, sarcástico, traz consigo a realidade da repressão, da PIDE, do salazarismo, da violência fascista, da Mocidade Portuguesa, das senhoras do Movimento Nacional Feminino, da União Nacional. O medo da morte, a solidão, o desamparo, a angústia são os sentimentos possíveis naquele absurdo para onde foram lançados um milhão e quinhentos mil homens que passaram por África. Os homens que deixaram as mulheres grávidas, que só souberam da notícia do nascimento das filhas e filhos por aerograma, que regressaram tristes e carregados de silêncios.

“Trazemos o sangue limpo, Isabel: as análises não acusam os negros a abrirem a cova para o tiro da PIDE, nem o homem enforcado pelo inspector na Chiquita, nem a perna do Fernando no balde dos pensos, nem os ossos do tipo de Mangando no telhado de zinco. Trazemos o sangue tão limpo como o dos generais nos gabinetes com ar condicionado de Luanda, deslocando pontos coloridos no mapa de Angola, tão limpo como o dos cavalheiros que enriqueciam traficando helicópteros e armas em Lisboa, a guerra é nos cus de Judas, entende, e não nesta cidade colonial que desesperadamente odeio, a guerra são pontos coloridos no mapa de Angola e as populações humilhadas, transidas de fome no arame, os cubos de gelo pelo rabo acima, a inaudita profundidade dos calendários imóveis” (pág. 188).

O regresso a Lisboa, à cidade feliz da sua infância, das lembranças dos animais do Jardim Zoológico e do professor negro que ensinava as meninas a patinar, é o regresso a uma cidade que o acolhe com indiferença, tal como as tias que ao vê-lo “envergando um fato de antes da guerra que me boiava na cintura” (pág. 195), apenas conseguem mostrar o seu desagrado:

 – Estás mais magro. Sempre esperei que a tropa te tornasse um homem, mas contigo não há nada a fazer.” (pág. 196)

Impossível ficar indiferente ao que foi a guerra colonial, contada com a crueza de quem a viveu e que decidiu trazê-la a público, através de uma escrita dura e elaborada. Impossível ficar indiferente.

9 de Setembro de 2024

Almerinda Bento

 

 

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

"Gente Pobre" de Fiódor Dostoiévski

Queria gostar muito deste livro mas estive sempre a lê-lo com uma sensação de irritação constante. Teria sido pela forma em como Dostoiévski escreve? Pela caracterização das personagens? Por senti-lo datado, fruto de uma época (escrito em 1846) e não me saber distanciar convenientemente? Algo me irritou mas não sei definir com clareza pelo que irei ler outro livro deste autor para tentar perceber se as sensações se mantêm.

Este é um romance epistolar pelo que todo ele se centra nas cartas trocadas entre um funcionário já entradote na idade e uma jovem costureira, ambos muito pobres. Da parte dele sente-se nas palavras que lhe dirige, amor e paixão, com um tom paternalista que não me seduziu. Da parte deda, uma amizade, o sentir que se encontra só, sem amigos e só ele é quem lhe dá atenção. Amor desesperado, sem futuro, desgraças umas atrás das outras que ora aproximam, ora afastam estas duas personagens.

O ambiente social no bairro de São Petersburgo é muito bem descrito e a leitura, para além do tom crescente de irritabilidade que me fez sentir, flui bem nas suas poucas páginas.

Veremos o que Dosto me fará sentir num próximo livro...

Terminado em 12 de 1Agosto de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse
Romance epistolar, Gente Pobre marca a estreia de Dostoiévski na literatura, em 1846 -­ quando o autor tinha apenas 25 anos -­ ­­, e estabelece desde logo os fundamentos para uma abordagem social, psicológica e profundamente corrosiva da compreensão humana.

O autor transporta-nos para um dos bairros mais miseráveis de São Petersburgo, onde um funcionário de meia-idade troca correspondência com uma jovem costureira. Demasiado pobres para se casarem, o seu amor passa todo e apenas por cartas mantidas ao longo do tempo, que reflectem a cruel realidade do quotidiano num ambiente de extrema precariedade.

A análise pormenorizada das personagens e das suas convicções, enquadradas por um pano de fundo de crítica subtil, ganha em Dostoiévski uma força e um poder imagéticos que extravasam as páginas dos seus livros. Genialmente construído com um mínimo de descrição, este é um romance que obriga o leitor a reinventar tudo aquilo não é dito.

Cris

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A Convidada Escolhe: “A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”

A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”, Patrícia Reis, 2024

Antes de tudo, Patrícia Reis adverte o/a leitor/a que “esta não é uma biografia imparcial” (p. 17) nem é “uma radiografia” (p. 17) e que lhe “foi muito difícil terminar esta biografia” (p. 13). Ligam biografada e biógrafa o facto de serem amigas, jornalistas e a tristeza e a solidão de Maria Teresa Horta, desde a morte do marido, não ter deixado de, até certo ponto, contaminar a feitura deste livro.

Cada uma das cinco partes de que é feito “A Desobediente” tem, a encimar os diferentes capítulos que as constituem, os nomes de cinco das muitas obras de Maria Teresa Horta: “Espelho Inicial”, “Estranhezas”, “Anunciações”, “Jardim de Inverno” e “Poesis”.

A primeira parte – “Espelho Inicial” – que se ocupa da infância, da adolescência, da sua paixão por Luís de Barros e das escolhas de Maria Teresa Horta até ao nascimento do seu único filho, é o período estruturante de todo o resto da sua vida. Fala da mãe, da avó Camila sua grande aliada, do pai, do sentimento de desamor, de solidão e abandono, a percepção dos preconceitos em relação às mulheres e a intrepidez que desde sempre assume na escrita. A sua personalidade nos meios onde se move tem a marca da luta pela liberdade que então não existia em Portugal. Apaixonada pela escrita, pela poesia e também pelo cinema, para além de sócia de um cineclube, faz parte da direcção do cineclube ABC o que era inédito na altura. A censura, as intervenções da PIDE e o ódio visceral de Moreira Baptista secretário da Informação por Maria Teresa Horta são episódios num país que nega direitos básicos, que vicia as eleições e que manda assassinar Humberto Delgado, para além de torturar todos os que se opunham ao regime. No entanto, é também nesta altura que ela começa a entrar em contacto com escritores e a receber apoios e incentivos dos seus pares.

Minha Senhora de Mim” foi uma pedra no charco na literatura feita até então por mulheres e de tal forma incomodou o poder, que a violenta agressão feita a Maria Teresa Horta por um grupo de legionários, iria motivar a criação de “Novas Cartas Portuguesas”. Jornalistas e também amigas de Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno decidem ao longo de nove meses escrever uma obra ímpar que vai abalar concepções sobre as mulheres, sobre a política e até sobre a própria criação literária. Uma sociedade podre e cheia de contradições não podia ficar indiferente àquela obra que é apreendida ao fim de três dias de ter sido publicada. Natália Correia, Maria Lamas, José Gomes Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues e tantos outros, para além de todos os apoios internacionais com destaque para Simone de Beauvoir e Marguerite Duras vão ser alguns dos nomes que acompanharam a onda de extraordinária solidariedade para com as três escritoras e que ficou conhecido como o processo das Três Marias que terminou com a sua absolvição no dia 7 de Maio de 1974.

A revolução aconteceu, mas as contradições criadas com as reivindicações das mulheres e com as reivindicações feministas não deixaram de existir por uma revolução democrática ter acontecido. Havia no Portugal acabado de chegar à democracia muita incompreensão e insensibilidade sobre as reivindicações específicas das mulheres, nomeadamente a questão do aborto, um tabú, a par de tudo o que tivesse a ver com os corpos das mulheres. Tema tão caro a Maria Teresa Horta, mulher assumidamente feminista, e que está no coração da sua poesia, desde sempre. Aliás, e como a biografia sobre Maria Teresa Horta abundantemente refere, nem o 25 de Abril trouxe maior visibilidade à obra da poetisa, nem lhe granjeou grande popularidade. Ser feminista não traz popularidade nem simpatia, mesmo no seio da esquerda. E então quanto à direita, nem se fala.

Se a obra de Maria Teresa Horta está largamente divulgada, traduzida e estudada em todo o mundo, nomeadamente “Novas Cartas Portuguesas”, com destaque no Brasil, os prémios e o reconhecimento em Portugal vieram, embora tardiamente. A quarta parte da biografia dá destaque a algumas das suas obras e ao romance “As Luzes de Leonor – A Marquesa de Alorna, uma sedutora de anjos, poetas e heróis”, a que dedicou treze anos de intenso trabalho, uma verdadeira “devoção”, em que “Leonor e Teresa se confundem”. (pág. 357) Insubmissa, desobediente, coerente, Maria Teresa Horta recusa receber o prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus das mãos do então primeiro-ministro Passos Coelho (2011).

A última parte da biografia começa com a morte inesperada de Luís de Barros, poucos meses antes da pandemia. A perda e a solidão são imensas, depois de uma vida de paixão intensa pelo marido ao longo de 56 anos. Maria Teresa Horta sabe que a salvação está na poesia e decide dedicar mais um livro ao marido, desta vez com o título “Paixão”. Embora mais limitada ao espaço da casa, continua sempre a escrever e sempre atenta ao mundo e à política. Mesmo a terminar a biografia, transcrevo este período que é significativo sobre esta mulher extraordinária: “O modo como está o mundo também te diz muito sobre o modo como está a vida das mulheres. Imagine-se as mulheres da Ucrânia, as atrocidades que sofrem, os devaneios pelos quais têm passado. As notícias são importantes por isso, para conseguirmos medir a pulsação das coisas”. (pág. 404)

É sempre com muito respeito e humildade que escrevo sobre livros que li e que me merecem consideração para fazer uma apreciação, como registo que gosto de partilhar. Este livro, entre outros, é um deles. Antes do mais pela consideração que me merece uma mulher feminista que toda a vida assumiu a liberdade e que nunca virou costas às dificuldades e às suas convicções mais profundas, numa postura de coragem e de coerência num mundo tão adverso à frontalidade e ao feminismo. E claro, também pela coragem da autora e pelo trabalho de grande fôlego e valor que é o de biografar uma mulher com uma vida tão rica e tão inspiradora. Parabéns. Muito obrigada às duas.


22 de Agosto de 2024

Almerinda Bento




segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Resultado do Passatempo "Toca a comentar!" - Mês de Agosto

Anunciamos o vencedor deste passatempo referente ao mês de Agosto.

Este é o link para o post onde se encontra anunciado o passatempo.

Assim, através do Random.Org, de todos os comentários efectuados nesse mês, foi seleccionada uma vencedora! Foi ela:

Alexandra Guimarães

Parabéns! Terás que comentar este post e enviar um email para otempoentreosmeuslivros@gmail.com até ao próximo dia 22, com os teus dados e escolher um de entre estes dois livros:

 

Cris

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

"Notas Sobre o Luto" de Chimamanda Ngozi Adichie

Já há muito que queria ler este livro. Sabia do que se tratava, tanto mais que o título não engana ninguém. Gosto muito desta autora e dela já li "Meio Sol Amarelo", em 2010, e adorei (opinião aqui).

Peguei nele agora com o objetivo de preencher uma das categorias do "Bingo de Verão Dona Leitura", "Livro referenciado noutro livro". Estava a ler o último livro da Tânia Ganho,"0 Meu Pai Voava" (opinião aqui), em que numa das suas páginas refere este. O tema é pesado, sobretudo se sofremos recentemente o luto de algum familiar, em particular o pai.

Como não foi o caso, consegui distanciar-me o suficiente para apreciar a leitura de ambos com a devida distância. Este é um livro escrito na primeira pessoa onde se mesclam sentimentos muito intensos de choque, pena, dor, raiva, saudade e impotência. Chimamanda sabe verbalizá-los e colocá- los no papel, o que pode ajudar quem lê a interpretar os seus próprios sentimentos. 

O pai de Chimamanda morreu durante a pandemia, longe da autora, o que fez com que surgissem várias situações que dificultaram o processo de luto, nomeadamente as deslocações que estavam restringidas, o que fez com que Chimamanda não estivesse junta com sua família para receber e dar apoio.

Escrito com muita sensibilidade e, mesmo sendo composto por textos curtos, essa delicadeza passa para o leitor. Gostei muito.

"Escrevo sobre meu pai no pretérito e não consigo acreditar que escrevo sobre o meu pai no pretérito."

Terminado em 9 de Agosto de Agosto de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse

No dia 10 de junho de 2020, na Nigéria, o académico James Nwoye Adichie morreu subitamente.Chimamanda Ngozi Adichie, sua filha, partilha connosco os efeitos devastadores que esta morte teve em si. Tece na sua própria experiência os fios da história da vida do pai até aos seus últimos dias, já em confinamento, em que conversava com os filhos e os netos por videochamada.  Notas sobre o Luto é um tributo a uma vida vivida em pleno. É a história do amor imenso de uma filha por um pai. Ao falar-nos sobre uma das experiências humanas mais universais, é um livro sobre aquilo que nos une a todos.

Cris

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

"À Espera de Ser Preso Durante a Noite " de Tahir Hamut Izgil

Livro de não-ficção que não podia deixar de ler. Há temas que me puxam porque, pela sua veracidade, sinto que preciso ler. A leitura para mim é, além de algo prazeroso, uma fonte de aprendizagem. Sei que muitas pessoas não gostam de ler precisamente sobre assuntos verídicos onde a alma humana é exposta no seu pior. Mas considero que, para além do conhecimento que adquirimos, também é nesses momentos que o Homem mais revela o seu lado bom, excepcional até.

Mal tive conhecimento deste livro e li a sinopse sabia que era para ser lido... para ontem. Era sobre um assunto sobre o qual nada conhecia e esta leitura, escrita na primeira pessoa, foi uma verdadeira viagem ao terror do que pode ser viver sob ameaça constante. A ansiedade que o autor e sua familia sofreram nos últimos anos que viveram na China, é visível na escrita e passa para o leitor. Não é que seja um livro muito gráfico nos momentos descritos, visto Tahir ter tido "sorte" e não ter sofrido cenas de tortura. Mas como bem refere a contracapa "o terror está na antecipação" face ao que aconteceu a uma grande maioria do povo Uigur e do que poderia ter acontecido a Tahir e sua família. 

Tahir é poeta, escreve. O que há de mais desolador para um escritor quando tem de medir as suas palavras, quando tem de apagar os seus ficheiros, quando o medo se instala?

A sua vontade de permanecer na sua terra, pensando sempre que a situação não poderia piorar, quase o impediu de sair do país. A repressão cada ver maior do governo chinês sobre o povo Uigur, as proibições constantes que impediam o acesso à informação vinda do estrangeiro, as proibições de carácter religioso, a retirada dos passaportes, os desaparecimentos de pessoas para "estudo", a vigilância constante, as denúncias, fizeram Tahir repensar a sua vontade de permanecer no seu país.

Tahir encontra-se exilado nos Estados Unidos. O meu exemplar do livro ficou cheio de post-it marcando partes que achei relevantes. Não deixem de ler com receio de não conseguirem assimilar o horror contido nestas páginas. Como referi, não possui cenas muito gráficas mas é terrível o que se capta desta obra. Urgente ser lido!

Terminado em 6 de Agosto de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse
Os uigures, uma minoria predominantemente muçulmana da China ocidental, vivem numa prisão gigantesca, controlados pelas forças de segurança e por um sofisticado sistema de vigilância biométrico. Mais de um milhão de pessoas desapareceu nos campos de concentração chineses para as minorias muçulmanas.

Tahir Hamut Izgil, um destacado intelectual e poeta, não desconhecia a perseguição. Depois de tentar viajar para o estrangeiro em 1996, a polícia torturou-o até ele confessar as acusações forjadas e enviou-o para um campo de trabalhos forçados, para «reeducação». Mas, mesmo após três anos no campo, ele nunca teria previsto a solução radical do governo chinês para a questão uigur, duas décadas depois.

Em 2017, a perseguição do povo uigur pelo governo chinês assumiu proporções terríveis. Um por um, os amigos de Tahir foram desaparecendo. Tornou-se claro para ele e para a sua mulher que a fuga do país era a única esperança da família. 

Cris

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

"A Orfã Perdida" de Stacey Halls

Desta autora li "As Bruxas de Pendle (opinião aqui) que recomendo muito! Logo que vi esta obra sabia que a iria lê-la e, esperava eu, gostar tanto dela como a anterior! A leitura correspondeu às altas expectativas.

O mergulho na história foi rápido e perfeito! Vamos para Londres em 1754. O ambiente da época é descrito de uma forma muito gráfica, com descrições pormenorizadas e rapidamente visualizamos uma Londres sombria, suja, nos seus bairros pobres e degradados. Gente que vive no limite da pobreza, sem condições de higiene, com trabalhos duros.

Bess deixou a sua filha recém nascida no Hospital
dos Expostos, pretendendo juntar dinheiro para a recuperar. Ao fim de seis anos consegue juntar aquilo que considera o suficiente para pagar as despesas que o Hospital teve com ela e vai buscá-la. Os acontecimentos que se seguem mostram uma Bess determinada, que tudo fará para recuperar a filha. 

Muito, muito bem narrado. A dado momento, embora a autora nos tenha dado a entender o que aconteceu com Clara, a filha de Bess, queremos sempre saber o que vai acontecer com esta mãe e filha! Muito intenso, revelador do ambiente pobre, sujo e precário de uma Londres do séc. XVIII, que adorei conhecer.

Recomendo muito!

Terminado em 28 de Julho de 2024

Estrelas: 5*

Sinopse
O amor de uma mãe não tem limites…

Londres, 1754. Seis anos depois de deixar Clara, a filha ilegítima, no Hospital dos Expostos, Bess regressa para recuperar a criança. Receando o pior – que Clara tenha falecido –, a última coisa que espera é que lhe digam que a criança foi resgatada… pela mãe! A vida de Bess fica de pernas para o ar enquanto tenta descobrir quem se fez passar por ela… e porquê!

Numa casa sombria afastada da cidade, uma jovem viúva não sai da sua residência há mais de uma década. Quando um amigo próximo, médico no Hospital dos Expostos, lhe sugere a contratação de uma ama para a filha, a jovem hesita em acolher uma pessoa desconhecida no seu lar. Mas o seu passado, cheio de segredos, está prestes a regressar, ameaçando destruir o mundo que ela cuidadosamente construiu.

Tendo como cenário a vibrante Londres georgiana, A Órfã Perdida explora de forma brilhante segredos familiares, o poder das classes sociais, da igualdade e do significado de maternidade.

Cris