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quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Escritores na cozinha com... Júlio Borges Pereira

Quando a Cris me convidou a “entrar na cozinha” já sabia (eu) que a ideia não ia dar bom resultado. Juntavam-se para mim dois dramas – um, o de ter um livro publicado e, o outro, o facto de ser engenheiro ( daqueles cursos antigos… ) Demorei… demorei… demorei… até que um dia me lembrei que poderia recorrer a uma pessoa amiga que vive no Brasil e que um dia me convidou a “pilotar o fogão” numa churrasqueira bem ao nível do chão. Fiquei muito atrapalhado. Estava a dar uma música do Zeca Pagodinho que parecia até (ele) que estava a gozar comigo. Resolvi por isso chamar a este prato – “Camarão Que Dorme A Onda Leva” – que foi a música que o lançou e que estava a dar nessa altura quando resolvi enfrentar o fogão...



Ingredientes

   

 

 

 

 

 



Preparação


 

 

 

 

 

 

Aspecto final ( 1 ) 
Usar um pouco de coentro em grão e amassar no almofariz ( 2 ). Juntar pimenta do reino a gosto ( 3 ).  Juntar a pimenta árabe e a paprica doce ( 4 ) , tudo a gosto mas em quantidades iguais. Moer tudo no almofariz ( 5 ).
Quanto ao camarão ( 6 ) tem de ser do cinzento, tamanho médio e não pode ser do congelado. Não esquecer de tirar o que lhe pode dar mau gosto – ver detalhe em ( 6 ).
Do camarão aproveita-se tudo. Cabeças, cascas e rabos tudo deve ser posto num recipiente ( 7 ) para depois se fazer um caldo. Entretanto salgar um pouco o camarão ( 8 ), juntar sumo de duas rodelas generosas de abacaxi ( 9 ) que é mais ácido que o limão mas deixa um sabor mais refrescante. Misturar bem o sal e o li mão no camarão ( 9 ) e ajeitar tudo muito bem ( 10 e 11 ). De seguida tapar com um pano ( 12 ) e deixar a marinar por umas 2 horas.


 

 

 

 

 

 

Pegar nas cabeças e em todas as cascas guardadas do camarão e verter para dentro de uma “super panela com coador “ ( 13 ), cheia de água ( 14 ), tapar (15 ) e deixar ferver, ferver, ferver…
Enquanto isso começa-se a fazer o molho que vai servir de tempero ao camarão. Para isso, deitar numa panela larga, esmaltada ( 16 ) um pouco de óleo ( 17 ), juntar duas cebolas de tamanho médio previamente picadas ( 18 ) e juntar uma mação também devidamente cortada em pequeninos pedaços ( 19 e 20 ). 
Deixar refogar ( 21 ) não esquecendo de ir mexendo para não queimar ( 22 ). Sentir o aroma  deste preparado que começa a prometer um camarão bem temperado. Para isso, pegar no almofariz em que foi feita a mistura das pimentas e da paprica e juntar um pouco dessa mistura do almofariz ( 23 ), ao conjunto deste refogado ( 24 ) continuando a mexer por mais alguns instantes.

 

 

 

 

 

 


Desligar o fogo quando o refogado estiver pronto. Este refogado ( 25 e 26 ) é o tempero para o molho.
Para fazer o molho propriamente dito bater no “liquidificador” as rodelas de 6 tomates italianos ( 27 ) até ficarem bem batidos ( 28 ). De seguida desengatar a jarra do suporte e verter ( 29 ) e verter o molho do tomate ( batido)  para dentro da panela em que está o refogado ( 30 ). Reacender o fogo e mexer bem ( 31 ). Poucos instantes depois, juntar e distribuir lentamente um fio de vinho tinto seco na mistura do molho com o refogado. Antes disso baixar o fogo. Este é um dos segredos da receita ( 32, 33, 34, e 35 ). O vinho tem que ser seco. Não pode ser adocicado.
De seguida levantar e baixar o fogo durante uma hora, intervalando a subida e a descida do fogo de quarto em quarto de hora e sempre que o fogo estiver alto  nunca deixar de mexer para não queimar e manter um bom aspecto ( 36 ).
Segundo segredo. Muito importante. Juntar uma pitadinha de açúcar ( 37 ) no molho do refogado ( 38 ) quando ele estiver bem quente, a fervilhar.
Vamos agora voltar à “super panela com coador” com o caldo para o macarrão ( 39 ).

   

 

 

 

 

 

 

 

Depois de quase duas horas de fervura dentro da “super panela”, as cascas e cabeças do camarão já produziram um caldo. Está na hora de tirar a parte do coador e assim retirar todos os restos das cascas e cabeças do camarão ( 40, 41, 42, 43 ) ficando só o caldo ( 44 ). Não esquecer de entretanto e, de vez em quando, ir mexendo o refogado com o molho que está ao lao, ao lume ( 45 e 46 ).
Chegou a hora de tornar a pegar no camarão que estava a marinar no sal e no sumo de abacaxi ( 47 ). Destapar ( 48  e  49 ). Descascar (50 ) e picar ( 51 ) mais um pouquinho de cebola e numa frigideira esmaltada ( 52 ) juntar um pouco de óleo ( 53 ) e deitar nela a cebola picada ( 54 ) para fazer um refogado para o camarão.

 

 

 

 

 

 

 


Mexer bem o refogado para o camarão ( 55 e 56 ). Juntar também um pouco de alho picado ( 57, 58 e 59 ). Em seguida juntar então o camarão ao refogado de óleo , cebola e alho ( 60 ), mexendo lentamente e pouco. O camarão não precisa ser muito mexido. Mexer mas com muito cuidado ( 61, 62 e 63 ), nem convém, para evitar que se comece a desfazer e se comece a estragar o aspecto final. No entanto, com muito cuidado deve ser virado pelo menos uma vez na frigideira.Para aromatizar e dar mais um pouco de gosto juntar pedacinhos de coentro ( 64, 65, 66 e 67 ). Quem não gostar de coentro pode substituir por salsinha. 
Chegou então a hora de juntar o camarão ao molho com tomate que preparámos anteriormente na panela ( 68 e 69 ).

 

 

 

 

 

 

 


Depois de acabar de deitar todo o camarão da frigideira para o molho de tomate preparado ( 70 e 71 ) chegou a hora de tornarmos a destapar a “super panela”  ( 72 )  onde está o caldo de camarão ( 73 ). Para dentro desse caldo fervente vai então meter-se o macarrão ( 74, 75, 76 e 77 ) inteiro. Esse é um detalhe importante – não deve partir-se o macarrão ao meio. Ele cabe inteiro e na vertical na “super panela”. Juntar um pouco de sal ( 78 ).
Mais uma mexida no molho com o camarão ( 79 ) e o macarrão está em pouco tempo pronto para ser retirado da “super panela” ( 80 ) e posto em dois pratos ( dose para duas pessoas ( 81 e 82 ). Sobre o macarrão deitar então, com uma colher ( 83 ), o camarão com o molho, cuidando-se já ( 84 ) do aspecto final.

 

 

 

 

Terminando a receita…
Para completar a apresentação do prato juntar pedaços de queijo “gorgonzola” ( 85 ), ou, em vez dele, e para quem não gostar ( como é o meu caso ) substituir o malfadado queijo por noz moscada.  Acabar a decoração do prato a gosto juntando talvez uma folhas de manjericão fresco. Sugestões em ( 87 e 88 ). No entanto não esquecer que macarrão sem ser acompanhado com um fio de azeite “do bom” não procede. É “fundamental”.
Em ( 90 ), o aspecto final do prato – “Camarão Que Dorme A Onda Leva”, uma homenagem minha ao Zeca Pagodinho que completa agora 50 anos de carreira.
Detalhe importante – este prato dever ser comido com garfo e colher. Deve ainda, se possível, ser cozinhado ao ar livre, e, particularmente se se quer terminar bebendo algo forte não convém que existam desníveis do terreno. Sobre este último ponto não existem imagens disponíveis!


O Último Retornado

O meu encontro “virtual” com a Cris aconteceu pelo facto de lhe ter chamado a atenção numa livraria um livro escrito por mim e em que a “sinopse” referia que eu tinha nascido em Benguela. Benguela, Angola. A terra da Cris.   Este livro tem-me trazido muitas alegrias e palavras que há muito precisava ouvir.
Através dele reencontrei pessoas que cresceram comigo.
Através dele pude revelar uma história que sendo verídica e trágica me levou a aprender muito sobre a vida.
Com os mais velhos encantei-me pelas suas palavras afáveis e regressos emocionantes aos dias que vivemos em África.
Com os mais novos tenho-me surpreendido pela curiosidade que demonstram por este romance que vivi.

Como sempre não posso uma vez mais deixar de te agradecer à Cris este convite. As tuas provas são sempre “Provas de Fogo” e estava a ver que desta vez não ia conseguir superar.
Quero deixar aqui duas coisas – o registo do meu profundo reconhecimento, gratidão e admiração por todas as tuas iniciativas e, em segundo lugar e por último, solidariarizar-me com todos os outros  ( e outras ) participantes deste “Escritores Na Cozinha…” que eventualmente se tenham queimado, ou mesmo aqueles que ainda lutam para sair dos cuidados intensivos. A todos o meu Abraço Angolano Solidário… “Unidos Venceremos”

P.S. – o meu agradecimento à Marilena, uma jovem e talentosa escritora Brasileira de 28 anos de Belo Horizonte, que teve o trabalho de repetir toda a receita fotografando passo a passo todos os detalhes. Recordar também que quando fomos buscar o “digestivo” – uma cachaça artesanal de “Três Pontas”, Minas Gerais e que eu aceitei com sabor a maracujá, me aconteceu um facto estranho. Fomos buscá-la a um apartamento, num 5º andar, a poucos metros da casa em que degustámos o “Camarão”. Na varanda desse apartamento tomei o primeiro gole da taça. No segundo seguinte fiquei com a sensação que se passasse a perna por cima do corrimão da varanda, seria capaz de pôr o pé no chão. No caso, na estrada. Tudo me parecia ao mesmo nível. Tinha até a sensação que seria capaz de sair “andando” por cima das copas das árvores. Foi o único gole que bebi de tal “cachaça”. Logo pousei a taça. Por isso recomendo, mesmo sem fotografias, que no caso de um digestivo forte, convém que além de ser ao livre, esta receita seja efectuada num terreno sem qualquer declive….

Júlio Borges Pereira
       


12 comentários:

  1. Ora aqui está uma excelente ideia!
    Duas artes; a leitura/escrita e a culinária, numa conjugação muito interessante. Dois prazeres, para mim dos melhores, pois se ler é o meu Sol e a pintura o meu ar, comer é mesmo, mesmo a minha praia!
    Esta receita do Júlio Borges Pereira, deve ser divina e vou experimentá-la logo que possa, isto porque estou a seguir uma dieta rigorosa, por mais umas semanas, porque tenho que perder uns quilos que acumulei sem dar por isso.
    Quanto aos ingredientes, aqui na região de Lisboa e para quem não sabe, procurem nas lojinhas do Mercado da Ribeira. Tudo o que é exótico há por lá.
    Parabéns pela ideia e prometo que vou acompanhar.
    Maria João

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  2. Olá Maria João. Nunca me tinha passado pela cabeça que um dia seria eu a passar-te uma receita. Tu, filha de um grande caçador, mestre em muitas artes.
    Obrigado por me teres dado a esperança de que, apesar da desconfiança, irás experimentar.
    Como é habitual não vou aqui escrever todas aquelas coisas que não gostas que se saibam, como é o facto de já seres Avó. Uma Super Avó, há uma meia dúzia de dias. Não vou dizer isso. Vou só comunicar aqui que tens uma netinha chamada Leonor, com alguns dias de existência e que chegou para confirmar que , embora isso seja difícil, consegue ser mais bonita que tu.
    Também não vou aqui dizer que "isso de - não sei como ganhei mais uns quilos que preciso de perder" é totalmente falso. Sabes sim como os ganhaste. Afinal não é por acaso que conheces todos os produtos culinários exóticos e onde os encontrar. Mas como não queres que se saiba, também não vou escrever isso aqui. A quem ler - "acreditem - a Maria João não sabe que é nas lojinhas da Ribeira em Lisboa onde se pode encontrar todo e qualquer produto culinário por mais exótico que seja". Ela está completamente "por fora" desse tipo de assunto.
    Na verdade, em termos de "linha" e "estética" continuas, como sempre, muito bem. Não precisas perder nada e mudando um pouco de assunto, nunca te perdoaria se perdesses essa tua forma de escrever bonita e que deixa transparecer a escritora que teima em não publicar um livro que sei que escreveste mas que também não vou revelar aqui. Como tal também não vou revelar que escreves excepcionalmente bem e que estás perfeitamente à altura de contar uma história a partir de uma dica, bem ao estilo da espectacular introdução dos primeiros momentos de "OUT OF ÁFRICA", mais conhecida entre nós como "África Minha". Noto em ti muito dessa capacidade de contar histórias, prendendo-nos a atenção em detalhes fantásticos e na harmonia das palavras com os grandes momentos que com elas descrecves.
    Obrigado por mais esta tua prova de Generosidade de dares atenção a esta minha aventura de beira-mar, com ondas e camarão. Sei que vais experimentar a receita e folgo em saber que vives em Lisboa onde certamente poderás ser prontamente atendida minutos após tal ousadia.
    Obrigado Maria João por não me teres deixado sózinho em mais este desafio, tão difícil para mim como voar de parapente, mesmo sem sair do chão. És solidária.
    Um beijo grande para ti e para o teu tesouro com alguns dias de existência, que te enche de orgulho e vaidade,
    Júlio

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  3. Oh Júlio, não me desmascares, são tantos os segredes que mantenho guardados!
    Mas é verdade, gosto de ler um bom livro, de olhar o mar e sonhar, de desenhar, de ouvir música e, claro, que de comer também. Gosto de comida étnica, se possível logo, logo a seguir à nossa boa gastronomia tradicional. Por aqui em Lisboa, podemos escolher, porque há muita oferta. Temos a sorte de ter o exótico, dentro das várias artes, o que para mim é fantástico, porque aprecio muito. Gosto da gastronomia brasileira, da indiana, da Israelita, da japonesa, da angolana e da francesa e até da chinesa, imagina! Sei onde as posso encontrar, fora dos circuitos normais. Das italianas e americanas que se vendem por aí, não sou adepta. De todo! Portanto, confesso que gosto de comida e também da exótica, desde que bem confecionada. Mas, vou revelar-te um dos meus segredos, não sei cozinhar! Infelizmente tenho pouca prática nestas matérias, acho que porque tive sempre quem cozinhasse para mim.
    Bem, engordei, é verdade! Engorda-se também quando se deixa de fumar e isso aconteceu comigo. As pupilas gustativas ficam ainda mais apuradas e a comida, que é um prazer por excelência, pode muito bem substituir o prazer do cigarro, o que é um perigo. E mais não conto. Sobre este assunto, prefiro ficar-me por aqui…hehehe.
    Aproveito esta oportunidade, para te agradecer o apoio que me tens dado nesta fase em que me estreie como avó, da pequenina e tão querida Leonor e em que simultaneamente tenho tido a minha mãe, também tão querida e já tão velhinha, a precisar de tanto de mim. Estou a viver a dualidade, sem dó nem piedade, mas com a mesma entusiasmo que dedico aos meus outros prazeres. Tens sido um bom amigo, obrigada!
    E olha, logo que possa, vou experimentar esta receita que deve ser divinal!!

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    1. Olá Maria João,
      Sempre me surpreendes com os teus comentários.
      Confesso que fiz e continuo a fazer um esforço enorme para não revelar o título do teu livro já que por enquanto o queres só escrito para a tua netinha, a Nônô. Ela vai maravilhar-se quando chegar a idade de olhar para ti com enorme supresa e repleta de Amor pela Avó. É um sacrfício para mim estar tão perto de poder revelar mais este teu segredo de um "livro escondido" de todos nós Angolanos, mas que nos atiraria para dentro dele logo, pelo excelente título que escolheste para ele. Bem... é melhor parar por aqui senão "entrego-te" como Escritora.
      Vou a seguir responder a um comentário que a Manuela Alves (que não conheço pessoalmente) postou no outro BLOG da CRIS - "O TEMPO ENTRE OS MEUS TACHOS" mas ao qual não consigo responder por lá. Por isso vou responder à Manuela Alves por aqui mas na resposta que vou enviar-lhe já a seguir não me vai ser possível evitar falar de ti. Se tiveres tempo lê e logo perceberás o porquê.
      Até já Minha Maravilhosa Amiguinha do Tempo em que Brincávamos aos Carrinhos em Estradinhas Feitas à Mão no Chão do Infantário. Hoje, como tu dizes, percorres com ele (carrinho) uma dualidade - o Amor pela Excelente Mãe que Deus te Deu, e agora também pelo Amor que tens pela linda Leonor que Deus te enviou, escolhida a dedo em Beleza e Ternura, num olhar que acabou de chegar e desde o primeiro momento, pelo que me contaste, se revelou Maravilhoso.
      Um beijo Amiguinha e Muito Obrigado por mais este teu comentário,
      Júlio

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    2. Olá Manuela Alves,
      Muito Obrigado pelo seu comentário no outro BLOG da CRIS - "O TEMPO ENTRE OS MEUS TACHOS". Tentei responder por lá, mas não sei porquê, não consegui.
      Acabei de responder à Maria João e não foi por acaso que nessa resposta lhe disse que falaria dela nesta resposta ao seu comentário.
      De facto tenho-me alegrado com todos os comentários resultantes do livro e agora com as promessas de que vão experimentar esta receita que foi um dos grandes desafios bem ao estilo das surpresas que a Cris nos vai pregando.
      Não me é possível, entre todos os comentários que tenho recebido, escapar de estabelecer um paralelo entre a Manuela Alves e a Maria João, pela prova que constituem da diversidade cultural que me surpreende e extasia. Desde logo, quanto à Maria João, conheço-a pessoalmente. Quanto à Manuela Alves nunca a vi. Mas se na Maria João fico admirado com o trabalho que o Tempo fez moldando-a como uma pessoa com determinação, já a Manuela Alves chegou-me desprovida do Tempo de Recordar Entre Nós. Chegou-me por um dos caminhos do livro revelando-me que o tinha tornado a ler. E se a Maria João viveu em Angola, já a Manuela Alves não. Mas pelo livro, pareceu-me ter vontade de lá voltar (a Angola). E começa aqui um deslumbramento pela diversidade. Fui por isso sentar-me à sombra de uma frondosa árvore. Apesar de virem muitas pessoas para o almoço, eram todas da mesma família de Belo Horizonte. Tinham ido comprar ingredientes que faltavam.
      Aquele jardi, exterior à casa, era muito florido e foi inevitável não assentar o queixo na mão, na espera do camarão a "marinar" . O céu estava completamente limpo, num azul que não desmentia o sossego daquela manhã quente de Belo Horizonte.
      De novo relembrei a Maria João, filha de caçador de muitas artes. Ela é capaz de misturar uma música Africana com a arte de tecer palavras, trazendo-me a sensação da harmonia entre o tempo da sua adolescência e a sua determinação de Mulher. Relembrava-a Jovem, Muito Bonita, e capaz de tranquilamente molhar as mãos nas densas quedas de água Angolanas. Tinha e tem, para isso, a protecção da sabedoria do pai. Já a Manuela Alves chegou-me despida de todo esse Tempo mas com a vertigem de textos que não deixam dúvidas sobre como Escrever sobre Horizontes Imtemporais. Fui-me deslumbrando. Aventurei-me em vôos arrojados em cada linha dos seus textos que percorrem cenários de uma beleza nunca antes por mim imaginada. Maravilhei-me. Mas... alguma coisa se mantinha estranha...! Quando regressámos ao chão resolvi falar-lhe dos sonhos.Mostrei-lhe o - "Speaking of Dreams". Joan Baez. Arrisquei, e... acertei! Á primeira frase da canção a Manuela Alves chorou de emoção. Fiquei então a saber que é capaz de voar, mas que ao mesmo tempo, é capaz de chorar. De emoção. De paixão. Procurando um rosto. Um rosto que tem do Amor a Expressão. Confessou-me. E sem nunca ter visto a Manuela Alves imagino-a Joan Baez. E se à Maria João estendo o olhar adolescente e nela reconheço que é capaz de molhar as mãos nas densas quedas de água misturando a harmonia com o som dos ritmos Africanos, já na Manuela Alves vislumbro o pingar maravilhoso das notas de um piano. Uma melodia de Mozart com a face da Joan Baez. Sendo eu incapaz de teorizar sobre a beleza do que de si já li, sempre me retiro e cumpro a letra da canção - "vou encostar-me ao vento para te ver dançar". Esperando um próximo vôo.
      ... agora sinto um cansaço no braço e na mão em que apoiei o queixo. Quase que se estragava a receita. Há muito que o camarão tinha "narinado" no sumo de ananás.
      ...quero ainda assim aqui confessar que, como Angolano, gosto desta receita Brasileira, mas que ela ficaria muito melhor se ao camarão, marinado ou não, juntássemos déndém e mais o pirão. De qualquer modo, posso garantir - É BOM DEMAIS!
      Abraço Angolano e Muito Obrigado por mais este seu coemntário Manuela Alves,
      Júlio

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  4. Olá Júlio,
    devo dizer-te que depois desta tua faceta de cozinheiro, já nada mais me surpreende vindo de ti. Como sabes e temos falado bastante acerca desta tua nova descoberta, adoro cozinhar, mais até do que comer, e esta vai ser certamente a minha nova surpresa para a família. As comidas quer angolanas quer brasileiras fazem parte dos meus menus diários em casa; o frango de caril ou a muamba, o pirão, o feijão preto brasileiro e até o bóbó de camarão, não falando nas doçarias, como brigadeiros de vários sabores, beijinhos de côco,as trufas, e todas as receitas com as nossas frutas angolanas e brasileiras, são o que mais me agrada fazer e dar a degustar aos meus familiares e amigos. Devo dizer-te que tirei daqui algumas dicas que me vão ajudar bastante na maneira de cozinhar;
    Por isso Júlio, continua a dar-nos destas ótimas receitas de marisco(que adoro) e outros ingredientes que nos deliciam, e se não for pedir muito, dá-nos outro livro por favor.
    obrigado por tudo com que nos presenteias.
    Não posso deixar de agradecer à Cris, por tudo quanto tem feito por ti e por nós. Obrigado Cris pela sua disponibilidade e incentivo ao nosso amigo Júlio. Ele merece e nós também.

    Grande abraço Angolano e já agora Brasileiro( o país que me dá a ilusão de estar na nossa Angola).
    Laura Ferreira

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    1. Olá Laura,
      Obrigado por este teu comentário.
      Não queiras saber os trabalhos que passei para este desafio da Cris. Mas ainda hei-de promover um abaixo assinado para que a Cris, ela própria, nos apresente uma receita. É que tenho magicado que a Cris nos tem convidado, fazemos as coisas, mas... quem as come?! Até hoje não vi nem um bocadinho do camarão que fiz."Cris... fica aqui o recado - nós, ficamos à espera de Ti, na Cozinha".
      Voltando a Ti, Laura. Quem cresceu contigo lembra-se bem de como sempre foste bonita. Mandaste-me umas fotografias da Turquia e posso garantir-te que continuas bonita, mas ali, falta-te o Sol de Angola. Mesmo com toda a riqueza da Turquia à tua volta, trocava-a pela alegria da nossa rua.Pelo aro da tua bicicleta. Pelos amores dos nossos corações jovens. Interessante é que a cada manhã ninguém supõe que quando entra a Directora do BES, Braga perde uns séculos e se reduz a um fechar de mão no travão antigo da bicicleta, porque a menina desceu e pôs o pé no chão. Ainda não sabia dar a volta e queria subir a rua, de volta para casa. Que em vez das imensas folhas de cálculo misturando poupanças e riquezas, a Directora transportava, escondido, um coração desenhado no caderno da escola, rua abaixo. Com os sonhos a brincarem de mãos dadas no recreio do Colégio do Ultramar.
      Não ligues... a Cris é que come sempre os pratos, mas estas sobremesas do mato são nossas. Quem sabe ela não se mete no carro e vem de Benguela, aonde nasceu, ter connosco aqui.
      Entretanto tivémos sorte. É que Caetano que afirmou que mesmo por absurdo o "déndén" nunca seria "light" não sabia que também por absurdo, aqui, às margens do Catumbela, todos somos light. Sobretudo as raparigas. E o déndén também. Mas adoro o talento dele.Ùltimamente tem-me prendido numa frase de sua autoria - "Explique-nos Luanda!".
      Bem... uma vez que aqui continuamos, vou pedir-lhe para voar e se juntar à Cris. E virem até aqui.Depois, na Sombrinha, faremos tocar o Zé Viola. Cabelo branquinho, mas doçura na voz, a arrepiar num merengue. Até ao coração... Haveremos então de cruzar as pernas e sentar no chão. Em volta e na relva da piscina. Um pouco mais distante brincaria um grupo de crianças - Cátia, Pedro, Carolina e tantas, tantas. Delas se destacaria uma que só brincaria com balões. Ao som do rio, balançaria os pés sentada na ponte. Por cima da corrente.. Depois afirmaria - "tu és rio. Vis-te por aqui crescer a minha mãe". E do nada surgiria então um silêncio. O rio aquietar-se-ia, tal como na Bahía fazia o mar quando Caymi dizia -"o mar serenou quando Ela pisou na areia". Das mãos da criança subiria um balão com um coração. Igual ao do caderno e do recreio. Com o mesmo nome - "Laura". O Catumbela cresceria então de novo e na corrente forte estremeceria um lamento-"Laura... quanta saudade".
      Nunca de lá saímos. Essa é a verdade.
      E agora que já todos comemos, bebemos e dançámos, vamos pôr o Caetano no avião, a Cris no maximbombo e rezar para que ela chegue a Benguela. Quanto a nós - vamos cair na piscina e beber o que da receita escondemos como mais precioso - " a cachaça de Três Pontas, caseira, do Interior de Minas Gerais". E depois... ao primeiro gole...ver as caravelas nas águas dela. Porque tudo é possível. Se cá metem os barcos nas garrafas, lá vamos soltá-los e... sonhar. E se não fosses tão bonita perderia a vergonha e enxugar-te-ia o cabelo na toalha. Assim vou disfarçar e no gira-discos vou pôr a tocar um quarenta e cinco rotações - Gianni Morandi. Logo logo vai acender-se o céu.
      Para Ti. Laura, um beijo de Muito Obrigado por teres escrito que me dei bem na cozinha.
      Quanto a Ti, Cris -já estamos de novo à tua espera. A estrada está má, mas penso que não vais escapar da Cozinha. Vou começar a mexer os pauzinhos. Vou até encomendar uma "reza".
      Adeus Laura. Um beijo e Muito Muito Obrigado,
      Júlio

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    2. Olá Laura,
      Obrigado por este teu comentário.
      Não queiras saber os trabalhos que passei para este desafio da Cris. Mas ainda hei-de promover um abaixo assinado para que a CRIS, ela própria, nos apresente aqui uma receita. É que tenho magicado que a Cris nos tem convidado, fazemos as coisas, mas... quem as come?! Até hoje não vi nem um bocadinho do camarão que fiz. "CRIS... fica aqui o recado - nós , ficamos à espera de Ti, na Cozinha".
      Voltando a ti Laura. Quem cresceu contigo lembra-se bem de como sempre foste bonita. Mandaste-me umas fotografias da Turquia e posso garantir-te que continuas bonita, mas que te faltava lá, o Sol de Angola. Mesmo com toda a riqueza da Turquia à tua volta, trocava-a pela alegria da nossa rua. Pelo aro da tua bicicleta. Pelos amores dos nossos corações jovens. A cada manhã ninguém supõe que quando entra a Directora do BES, Braga perde uns séculos e se reduz a pouco mais que um fechar da mão no travão antigo da bicicleta, porque a menina desceu do selim e pôs o pé no chão. Ainda não sabia dar a volta e queria subir a rua, de volta para casa. Em vez das imensas folhas de cálculo misturando poupanças e riquezas, a Directora transportava um coração desenhado no caderno da escola, rua abaixo. Com os sonhos a brincarem de mãos dadas no recreio do Colégio do Ultramar.
      Não ligues... a Cris é que come sempre os pratos, mas estas sobremesas do mato são nossas. Quem sabe ela não se mete no carro e vem de Benguela, aonde nasceu, aqui ter connosco.
      Entretanto, tivémos sorte. É que Caetano Veloso afirmou que mesmo por absurdo o "déndén" nunca seria "light". Por absurdo, aqui, às margens do Catumbela, todos somos light. Sobretudo as raparigas. E o déndém, também. Mas adoro o talento dele. Ultimamente tem-me prendido numa frase de sua autoria - "Explique-nos Luanda!".
      Bem...uma vez que aqui continuamos, vamos pedir-lhe para voar e se juntar à Cris. E virem até aqui. Depois, na Sombrinha, faremos tocar o Zé Viola. Cabelo branquinho, um merengue de arrepiar pela doçura da voz. Haveremos de cruzar as pernas, sentados no chão. Na relva da piscina. Um pouco mais distante brincaria um grupo de crianças - Cátia, Pedro, Carolina e tantas, tantas. Delas se destacaria uma, que só brincaria com balões. Ao som do rio, balançaria os pés sentada na ponte, por cima da corrente. Depois afirmaria - "tu és rio. Vis-te por aqui crescer a minha mãe". E do nada surgiria então um silêncio. O rio aquietar-se-ia, tal como na Bahía fazia a praia quando Caymi dizia - "o mar serenou quando Ela pisou na areia". Das mãos da criança subiria um balão, com um coração. Igual ao do caderno e do recreio. Com o mesmo nome - "Laura". O Catumbela cresceria então de novo e na corrente forte estremeceria um lamento - "Laura... quanta saudade".
      Nunca de lá saímos. Essa é a verdade.
      E agora que já todos comemos, bebemos e dançámos vamos pôr o Caetano no avião, levar a Cris ao maxibombo e rezar para que ele chegue a Benguela. Quanto ao Zé Viola já deve ter adormecido. Quanto a nós - vamos cair na piscina e beber o que da receita escondemos como mais precioso - "a cachaça de Três Pontas". Caseira, do interior de Minas. E depois...ao primeiro gole... ver as caravelas nas águas dela. Porque tudo é possível. Se cá metem os barcos nas garrafas, lá vamos soltá-los. Se não fosses tão bonita iria enxugar-te o cabelo na toalha. Mas assim vou disfarçar e pôr o gira-discos a tocar. Quarenta e cinco rotações e Gianni Morandi - "Non So Degno Di Te".
      Um beijo de Muito Obrigado por teres escrito que me dei bem na Cozinha.
      Quanto a ti, Cris - esperamos por ti. A estrada está má, mas penso que não vais escapar da Cozinha. Vou começar a mexer os pauzinhos. Vou até encomendar uma "reza".
      Adeus Laura. Um beijo e Muito Obrigado,
      Júlio

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    3. Olá Laura,
      Obrigado por este teu comentário.
      Não queiras saber os trabalhos que passei para este desafio da Cris. Mas ainda hei-de promover um abaixo assinado para que a CRIS, ela própria, nos apresente aqui uma receita. É que tenho magicado que a Cris nos tem convidado, fazemos as coisas, mas... quem as come?! Até hoje não vi nem um bocadinho do camarão que fiz. "CRIS... fica aqui o recado - nós , ficamos à espera de Ti, na Cozinha".
      Voltando a ti Laura. Quem cresceu contigo lembra-se bem de como sempre foste bonita. Mandaste-me umas fotografias da Turquia e posso garantir-te que continuas bonita, mas que te faltava lá, o Sol de Angola. Mesmo com toda a riqueza da Turquia à tua volta, trocava-a pela alegria da nossa rua. Pelo aro da tua bicicleta. Pelos amores dos nossos corações jovens. A cada manhã ninguém supõe que quando entra a Directora do BES, Braga perde uns séculos e se reduz a pouco mais que um fechar da mão no travão antigo da bicicleta, porque a menina desceu do selim e pôs o pé no chão. Ainda não sabia dar a volta e queria subir a rua, de volta para casa. Em vez das imensas folhas de cálculo misturando poupanças e riquezas, a Directora transportava um coração desenhado no caderno da escola, rua abaixo. Com os sonhos a brincarem de mãos dadas no recreio do Colégio do Ultramar.
      Não ligues... a Cris é que come sempre os pratos, mas estas sobremesas do mato são nossas. Quem sabe ela não se mete no carro e vem de Benguela, aonde nasceu, aqui ter connosco.
      (CONTINUA...::.................)

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    4. Entretanto, tivémos sorte. É que Caetano Veloso afirmou que mesmo por absurdo o "déndén" nunca seria "light". Por absurdo, aqui, às margens do Catumbela, todos somos light. Sobretudo as raparigas. E o déndém, também. Mas adoro o talento dele. Ultimamente tem-me prendido numa frase de sua autoria - "Explique-nos Luanda!".
      Bem...uma vez que aqui continuamos, vamos pedir-lhe para voar e se juntar à Cris. E virem até aqui. Depois, na Sombrinha, faremos tocar o Zé Viola. Cabelo branquinho, um merengue de arrepiar pela doçura da voz. Haveremos de cruzar as pernas, sentados no chão. Na relva da piscina. Um pouco mais distante brincaria um grupo de crianças - Cátia, Pedro, Carolina e tantas, tantas. Delas se destacaria uma, que só brincaria com balões. Ao som do rio, balançaria os pés sentada na ponte, por cima da corrente. Depois afirmaria - "tu és rio. Vis-te por aqui crescer a minha mãe". E do nada surgiria então um silêncio. O rio aquietar-se-ia, tal como na Bahía fazia a praia quando Caymi dizia - "o mar serenou quando Ela pisou na areia". Das mãos da criança subiria um balão, com um coração. Igual ao do caderno e do recreio. Com o mesmo nome - "Laura". O Catumbela cresceria então de novo e na corrente forte estremeceria um lamento - "Laura... quanta saudade".
      Nunca de lá saímos. Essa é a verdade.
      (CONTINUA......................)

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    5. E agora que já todos comemos, bebemos e dançámos vamos pôr o Caetano no avião, levar a Cris ao maxibombo e rezar para que ele chegue a Benguela. Quanto ao Zé Viola já deve ter adormecido. Quanto a nós - vamos cair na piscina e beber o que da receita escondemos como mais precioso - "a cachaça de Três Pontas". Caseira, do interior de Minas. E depois...ao primeiro gole... ver as caravelas nas águas dela. Porque tudo é possível. Se cá metem os barcos nas garrafas, lá vamos soltá-los. Se não fosses tão bonita iria enxugar-te o cabelo na toalha. Mas assim vou disfarçar e pôr o gira-discos a tocar. Quarenta e cinco rotações e Gianni Morandi - "Non So Degno Di Te".
      Um beijo de Muito Obrigado por teres escrito que me dei bem na Cozinha.
      Quanto a ti, Cris - esperamos por ti. A estrada está má, mas penso que não vais escapar da Cozinha. Vou começar a mexer os pauzinhos. Vou até encomendar uma "reza".
      Adeus Laura. Um beijo e Muito Obrigado,
      Júlio

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  5. Olá Laura,
    Obrigado por este teu comentário.
    Não queiras saber os trabalhos que passei. Mas ainda hei-de promover um abaixo assinado para que a CRIS, ela própria, nos apresente aqui uma receita. É que tenho magicado que a Cris nos tem convidado, fazemos as coisas, mas... quem as come?! Até hoje não vi nem um bocadinho do camarão que fiz. "CRIS... fica aqui o recado - nós , ficamos à tua espra, na Cozinha". Nós todos.
    Voltando a ti Laura. Quem cresceu contigo lembra-se bem de como sempre foste bonita. Mandaste-me umas fotgrafias da Turquia e posso garantir-te que continuas bonita, mas que te faltava lá nos olhos, o Sol de Angola. Mesmo com toda a riqueza da Turquia à tua volta, trocava-a pela alegria da nossa rua. Pelo aro da tua bicicleta. Pelos amores dos nossos corações jovens. A cada manhã ninguém supõe que quando entra a Directora do BES, Braga perde uns séculos e se reduz a pouco mais que um fechar da mão no travão antigo da bicicleta, porque a menina desceu do selim e pôs o pé no chão. Ainda não sabia dar a volta e queria subir a rua, de volta para casa. Em vez das imensas folhas de cálculo misturando poupanças e riquezas, desempenhos e rendimentos, a Directora transportava um coração desenhado no caderno da escola, rua abaixo. Com os sonhos a brincarem de mãos dadas no recreio do Colégio do Ultramar.
    Não ligues... a Cris é que come sempre os pratos, mas estas sobremesas do mato são nossas. Quem sabe ela não se mete no carro e vem de Benguela, aonde nasceu. Quem sabe não vem ter connosco aqui.
    Entretanto, tivémos sorte. É que Caetano afirmou que mesmo por absurdo o "déndén" nunca seria "light". Por absurdo, aqui, às margens do Catumbela, todos somos light. Sobretudo as raparigas. E o déndém, também. Mas adoro o talento dele. Ultimamente tem-me prendido numa frase de sua autoria - "Explique-nos Luanda!".
    Bem...uma vez que aqui continuamos, vamos pedir-lhe para voar e se juntar à Cris. E virem até aqui. Depois, na Sombrinha, faremos tocar o Zé Viola. Um merengue de arrepiar mas com doçura na voz. Haveremos de cruzar as pernas, sentados no chão. Na relva das piscina. Mas antes, a um canto e com cuidado, vamos encostar todo o alumínio anodizado. Do Banco. Depois vamos passar-lhe um papel e um fio em volta, e com uma caneta de feltro vermelho grosso, vamos escrever - "Braga. Por favor despachar. Urgente". Um pouco mais distante brincaria um grupo de crianças - Cátia, Pedro, Carolina e tantas, tantas. Delas se destacaria uma, que só brincaria com balões. Ao som do rio, balançaria os pés, na ponte, por cima da corrente. Depois afirmaria - "tu és rio. Vis-te por aqui crescer a minha mãe". E do nada surgiria um silêncio. O rio aquietar-se-ia, tal como na Bahía fazia o mar quando Caymi dizia - "o mar serenou quando Ela pisou na areia". Das mãos da criança subiria um balão, com um coração. Igual ao do caderno e do recreio. Com o mesmo nome - "Laura". O Catumbela cresceria então de novo e na corrente forte estremeceria um lamento - "Laura... que saudade".
    Nunca de lá saímos. Essa é a verdade.
    E agora que já comemos, bebemos e dançámos vamos pôr o Caetano no avião, a Cris ao maxibombo e rezar para que ele chegue a Benguela. Quanto a nós - vamos cair na piscina e beber o que da receita escondemos como mais precioso - "a cachaça de Três Pontas". Caseira, do inetrior de Minas. E depois...ao primeiro gole... ver as caravelas nas águas dela. Porque tudo é possível. Se cá metem os barcos nas garrafas, lá vamos soltá-los. Se não fosses tão bonita iria enchugar-te o cabelo na toalha. Mas assim vou disfarçar e põr o gira-discos a tocar. Quarenta e cinco rotações e Gianni Morandi - "Non So Degno Di Te".
    Quanto a ti, Cris - a estrada está má, mas penso que não vais escapar da Cozinha. Vou começar a mexer os pauzinhos. Vou até encomendar uma "reza".
    Adeus Laura. Um beijo e MUITO Obrigado pelo teu comentário,
    Júlio

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