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quinta-feira, 4 de abril de 2019

A Convidada escolhe: "Os Armários Vazios"


Os Armários Vazios
Maria Judite de Carvalho
1966
A reler Maria Judite Carvalho, uma escritora desvalorizada e injustamente esquecida. A sua escrita é muito límpida e retrata a sociedade portuguesa em que viveu e que bem conseguiu dissecar. Uma sociedade convencional, asfixiante, puritana e hipócrita onde é uma vergonha uma mulher engravidar sem ser no casamento. É preciso abafar os sentimentos socialmente reprováveis; é preciso calar e guardar segredo daquilo que se considera uma vergonha. Mas, ao mesmo tempo é a entrada num período de abertura e transformação dos costumes, protagonizada por Lisa, a filha de Dora Rosário. É o tempo dos Beatles e os ventos da mudança já sopram.
A escolha da epígrafe de Éluard para este romance “Os Armários Vazios” não podia ser mais ajustada: “J’ai conservé de faux trésors dans des armoires vides”. As duas mulheres, figuras centrais do romance – Manuela a narradora e a amiga Dora Rosário – confrontam-se com a realidade de terem alimentado uma vida de ilusão e de apego a falsos tesouros.
Dora abdicou da sua autonomia e realização pessoal, vivendo em função da personalidade apagada do marido que entretanto faleceu. É ainda uma mulher jovem, mas para a filha Lisa “a minha mãe é uma pessoa sem idade e sem solução”. Neste romance, aliás, surgem amiúde reflexões sobre a juventude (Lisa), ou a eterna juventude (avó Ana), sobre o que é ser velha ou sentir-se velha, a ambiguidade entre o que é “já ser velho” ou “ainda ser novo”. E estas ideias e expressões ganham valor diverso, no caso de se falar de uma mulher ou de um homem. Aquela mulher que ainda não tem 40 anos já é velha, mas aquele homem que já passou a barreira dos 40 ainda é novo!
É um romance de mulheres, sobre mulheres: a narradora, Dora, Lisa, Ana, a tia Júlia. E dois homens: Ernesto Laje e Duarte. Independentemente das diferenças e do estatuto social dos dois, são seres emocionalmente frágeis e dependentes. Duas transcrições do romance, que sintetizam as personalidades destes dois homens: “Talvez gostasse também, embora menos, com os homens nunca se sabe. Os pobres foram feitos para ter um harém em que todas as mulheres se entendessem como Deus com os anjos, e isso foi-lhes proibido pela Santa Igreja. O que hão-de eles fazer? Acumular ou então, mais raramente, deixar uma para pegar noutra, é normal.” São palavras de Ana, mãe de Duarte a Dora, depois de lhe ter confessado que o filho pensara separar-se de Dora para ir viver com outra mulher pouco antes de adoecer. Ou Ernesto que confessa a Dora “Não sou feliz. Na verdade não sou feliz. Note que gosto muito da Manuela. A verdade é que é precisamente essa a razão por que não sou feliz e procuro aqui e além, desculpe a franqueza, um momento de exaltação.” De seguida, “Ernesto embrenhou-se numa confusa tragédia de casal sem filhos e do desgosto que tinha de não os possuir. Ele, Ernesto Laje, era um lutador, mas que gostaria de saber para quê ou para quem lutava. Assim…” Mais à frente, Manuela, a narradora conclui: “Eu julgava que o problema dele não se chamava Manuela e afinal… Arranjara maneira de eu ser o seu problema. Era infeliz por eu não ter filhos e procurava compensações lá fora. Ao mesmo tempo, porém, gostava muitíssimo de mim e não podia trocar-me por mais ninguém. Um círculo vicioso muito vicioso.”
É um romance triste, de mulheres mal amadas, mas mesmo assim lutadoras e sobreviventes. E de homens egoístas, pouco dados a ver as suas mulheres como companheiras e não apenas como instrumentos para sua auto-satisfação e continuidade.
30 de Março de 2019
Almerinda Bento

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