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sexta-feira, 22 de março de 2019

A Escolha do Jorge: “O Chefe de Estação Fallmerayer”


“O Chefe de Estação Fallmerayer”
Joseph Roth
(Assírio & Alvim)

“(…) Fallmerayer perseguia o estranho aroma do couro da Rússia e o indistinto perfume da mulher, que um dia se deitara na sua cama, sobre o seu travesseiro, debaixo do seu cobertor.” 
(p. 48)

É sempre uma agradável surpresa a (re)edição das obras de Joseph Roth (1894-1939), considerado um dos grandes escritores do século passado e também um dos últimos escritores que encerram o fim de toda uma tradição judaica que se perdeu com a 2ª Guerra Mundial. Joseph Roth é um valor seguro nas letras e, tanto os seus romances como as novelas/contos estão imbuídos de valores morais na sua articulação com uma espécie de justiça de carácter universal a par de uma estética capaz de deixar o leitor inebriado com as suas palavras e cenários criados.

“O Chefe de Estação de Fallmerayer” constitui uma das últimas novelas de Joseph Roth, publicadas na década de 30, quando o escritor já se encontrava bastante doente, ainda que dedicasse muito do seu tempo à escrita. Esta novela, a par de “A Lenda do Santo Bebedor” e “O Leviatã” são pequenas pérolas da literatura contemporânea que, em boa hora estão a regressar às livrarias e, no seu conjunto, são reveladores de um espírito quase profético de Joseph Roth face ao que estaria por acontecer na Europa e no Mundo, no que concerne ao desaparecimento da cultura judaica no Velho Continente, na sequência do genocídio e holocausto perpetrados pelo regime nazi.

Esta novela – ou este conto - em particular tem como pano de fundo a Áustria nas vésperas da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e Adam Fallmerayer como principal protagonista, sendo um chefe de estação de caminho-de-ferro de uma pequena estação situada a um par de horas de Viena. Numa certa noite, Adam Fallmerayer percebeu que o seu destino iria mudar na sequência de um acidente grave com duas composições, tendo ficado inebriado com Anja Walewska, uma das sobreviventes do acidente, que viajava da Ucrânia rumo à Itália a fim de se encontrar com o seu marido.

Durante alguns dias, Adam Fallmerayer deu guarida a esta visitante inusitada até que, por indicação do médico, pudesse então dar continuidade ao seu périplo. Adam Fallmerayer ficou completamente extasiado por um sentimento de amor que nunca experimentara em oposição ao seu casamento realizado por conveniência.

O episódio acima descrito veio a marcar por completo a vida pacata de Adam Fallmerayer, assim como o seu destino, na medida em que “Fallmerayer perseguia o estranho aroma do couro da Rússia e o indistinto perfume da mulher, que um dia se deitara na sua cama, sobre o seu travesseiro, debaixo do seu cobertor.” (p. 48)

O início da 1ª Guerra Mundial, em 1914, foi o mote para Adam Fallmerayer romper em definitivo com a sua vida passada, em como com os laços familiares aos quais pertencia, aproveitando a guerra para ir atrás do seu sonho que se converterá em desgraça. “Tinha o sentimento de uma gratidão infinita para com o destino, que o conduzira à guerra e a este local e, em simultâneo, um medo indescritível de tudo o que então estava prestes a acontecer-lhe. A guerra, a ofensiva, o ferimento, a proximidade da morte: eram acontecimentos pálidos em comparação com o que estava para vir.” (p. 50) “A guerra tinha de durar eternamente, e o serviço prestado por Fallmerayer naquele local e naquele posto tinha de ser eterno.” (p. 62)

O desejo de procurar Anja Walewska foi a volúpia que o levou a cometer actos inconsequentes ao ponto de desafiar o seu próprio destino. Adam Fallmerayer cega com estes excessos em busca do amor, mas conhece-o e vive-o fugazmente ao ponto de a felicidade extrema estar prestes a acontecer com tudo o que poderia desejar na vida, mas o destino troca-lhe as voltas, acontecendo a Adam Fallmerayer o que vem a acontecer à cultura judaica na Europa, anos mais tarde.

“O Chefe de Estação Fallmerayer” deixa-nos num limbo de emoções, entre o amor e o desejo para a sua concretização e a melancolia, traços já conhecidos da escrita de Joseph Roth. O escritor tem esta infinita capacidade de mexer com a estrutura emocional do leitor de modo a deixar-lhe as marcas do fascínio como se de magia se tratasse. Joseph Roth é e continuará a ser um escritor que soube brincar e manipular as palavras transformadas em sentimentos, sem prejuízo de terem um impacto quase profético naquilo que estaria de por vir. E sim, Joseph Roth é um caminho seguro a trilhar!

Texto da autoria de Jorge Navarro

2 comentários:

  1. Ainda hoje estive a ler sobre este livro. Fiquei curiosa. Gostava de o ler :)
    Beijinho e boas leituras

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    Respostas
    1. As opiniões do Jorge são sempre uma porta aberta para novas leituras, Isaura...

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