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quarta-feira, 25 de abril de 2018

A Escolha do Jorge: "HÁ MUITO ABRIL POR CUMPRIR"


"HÁ MUITO ABRIL POR CUMPRIR"

Em jeito de comemoração deste dia simbólico e histórico para Portugal e para os Portugueses, multiplicam-se os cartazes e as palavras alusivas ao 25 de Abril.

Não tenho recordações deste dia porque tinha somente três anos, mas recordo-me, nos anos a seguir, e, sobretudo, quando entrei para a escola, a importância de se comemorar este dia, assim como percebia, com o passar dos anos, e ainda, sendo criança, que algo de importante aconteceu no país e na vida das pessoas pelas conversas que ouvia por parte dos adultos.

Recordo-me nos anos a seguir ao dia histórico dos inúmeros murais, simples e elaborados, com mensagens certeiras e sentidas sobre a conquista da liberdade que pôs fim a um regime de décadas de apressão, mas fazendo também referência aos desafios e às promessas ainda por cumprir.
De todos os murais, aquele que me ficou mais fortemente gravado e até porque quando o vi eu já era adulto e já era professor de História há alguns anos, é um mural que prima tanto pela simplicidade como apela à reflexão num misto de desalento, mas também de esperança. "HÁ MUITO ABRIL POR CUMPRIR" reza o mural que vi algures entre Alfândega da Fé e Mirandela, no distrito de Bragança, onde leccionei um ano.

Não vivi nos tempos da ditadura, mas os meus pais, avós e bisavós viveram. Convivi com os meus bisavós durante muito tempo (tinha 11 ou 12 anos quando o meu bisavô Ernesto faleceu e 20 anos quando faleceu a minha bisavó Isaura, ambos bisavós paternos).
Nascidos, respectivamente, em 1900 e 1902, os meus bisavós, em crianças, são do tempo do regicídio, do fim da monarquia, dos anos da República, e já adultos quando foi instaurada a Ditadura Militar que abriu caminho para a criação do Estado Novo, mas ainda assistiram ao 25 de Abril, podendo assim desfrutar da chamada Liberdade que pôs fim a um período longo de negritude. Quando a minha bisavó faleceu já Portugal era parte integrante da então CEE.

Foram inúmeras as histórias que ouvi directamente das suas bocas, assim como da minha avó que na semana passada comemorou 94 anos e, não há dúvida, que quanto mais recuamos na História do século XX do país, percebemos a pobreza e até miséria que se vivia em muitas situações descritas, ouvidas através de relatos ou lidas em artigos ou obras de fundo.

São essas histórias que me fazem compreender as mudanças que ocorreram no país e que, em certa medida, abriram caminho para eu ter feito o percurso que escolhi na vida, ainda que reconheça as limitações e até deficiências da democracia portuguesa e do seu servilismo ao sistema capitalista invisível e que condiciona a vida de todos, havendo, por essa razão MUITO ABRIL POR CUMPRIR.

Mas independentemente das questões profissionais e materiais, é a Liberdade a grande questão central. Não conheci os tempos da Ditadura e não me revejo a viver condicionado no meu dia-a-dia no que concerne à minha forma de pensar, correndo o sério risco de ser denunciado às autoridades face às minhas ideias, ao que tivesse pensado e ter até medo do impensado. Chego até a pensar que, conhecendo-me como me conheço, o mais certo seria fazer parte de algum grupo que operasse na clandestinidade, lutando por valores de cariz universal. Pelo menos, a ideia sempre me seduziu, confesso.

Daí que considere estranho e quase absurdo quando, na semana passada, algures numa página do Facebook, vi um post com muitos comentários relativos ao repúdio que sentiam em relação ao 25 de Abril. Não gosto de fazer juízos até porque não conheço as pessoas em causa, porém, não acredito que gostassem de ter tido as vivências dos meus bisavós durante uma boa parte da vida durante o século XX.
A insensatez e o desconhecimento são também palavras de ordem nos dias de hoje, mas o melhor é não fazermos caso.

Termino com duas frases certeiras de Czeslaw Milosz, Prémio Nobel de Literatura, em 1980, integradas no monumental ensaio "A Mente Aprisionada", sobre os regimes totalitários, publicado recentemente:
"E onde reinam o terror e a miséria, ninguém pode ser feliz." (p. 298)
"O medo é sobejamente conhecido como cimento das sociedades" (p. 302)

Texto da autoria de Jorge Navarro

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