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quinta-feira, 6 de julho de 2017

A Escolha do Jorge: "Avenida do Príncipe Perfeito"


      “Avenida do Príncipe Perfeito” é o novo romance de Filomena Marona Beja, publicado pela Parsifal, e o sucessor de obras como “Um Rasto de Alfazema”, “Franceses, Marinheiros e Republicanos”, “O Eléctrico 16”, entre outras.
      O novo romance abrange o arco temporal circunscrito entre 1985 e 2008, desde as vésperas da entrada de Portugal na então CEE até aos primeiros sinais da crise no sector imobiliário que também se reflectiu em Portugal.
1985, uma década de democracia, expectativas na sociedade, muito Abril por cumprir e o desejo de integrar uma Europa, a ânsia do dinheiro que viria dos países ricos “O que sobrava dos países ricos chegaria aos que sempre tinham andado pelas bordas da bancarrota.” (p. 29). Entretanto, a guerra lá fora, a guerra suja do petróleo que opôs o Irão ao Iraque e que envolveu vários países no tráfico de armas na ajuda a esses países. Portugal envolvido também, mas a história continua por se fazer nestas matérias. E noutras também…
      Um atelier de projectos, a fusão de pequenas empresas como resposta às exigências que se impunham a Lisboa e ao país. As grandes obras que aí vinham, que se projectavam. O país que se transformava. A sociedade que se iludia. A crise viria. O país seria resgatado. Mais tarde, inevitavelmente.
      Fundos comunitários que entravam a rodos num país que, aos poucos, mostrava sinais de modernização, uma Lisboa que se aproximava, na medida do
possível, de outras capitais europeias, o consumo desenfreado, a ilusão da felicidade.
      Novas estradas, novas urbanizações, a revitalização da parte oriental de Lisboa, as obras de preparação para a Expo’98, a Estação do Oriente, a Ponte Vasco da Gama. Uma Lisboa moderna! A Expo’98 que durante vários meses atraiu visitantes de todo o mundo colocando Lisboa e o país sob o olhar atento de quem está fora.       Um país a visitar por certo, no futuro. Na Lisboa moderna, o evento da Expo’98 talvez tenha sido o embrião daquilo que é o turismo hoje em dia na capital. Um inferno. Um turismo desenfreado, sem regras, e sem poupar ou proteger os residentes. E o desejo imenso de enriquecer tutti quanti.
      Regressando aos anos 90… O dinheiro que se julgou fácil, a ilusão da riqueza, os projectos familiares megalómanos, o endividamento. A falência e a factura por pagar.
     Os senhores que governavam o mundo também assistiram à dança das cadeiras. Governaram outros. Sempre a piorar em todas as frentes. O desejo de governar o mundo, o dinheiro que move esse desejo, o petróleo como subterfúgio, o ódio crescente entre as nações, a guerra por fim. As Torres Gémeas, em 2001, o episódio que abalou os EUA e o mundo e uma nova realidade que se impôs. O terrorismo. Ninguém está a salvo! Uma paz aparente, ilusória. Outros nomes: Osama bin Laden e Alqaida “passou a significar: desgraça.” (p. 210)
      Os novos senhores do mundo, a cimeira das Lajes, na ilha Terceira, em 2003, celebrizada como a “cimeira da guerra”. As armas químicas do Iraque de Saddam que afinal… O desejo da guerra do Ocidente que comparado com o dos terroristas assenta numa mesma palavra: morte. Mas semeia-se também o ódio. E tudo se resume a uma só e a mesma coisa que importa: o poder do dinheiro.
      Nesta obra de Filomena Marona Beja vemos a desfilar por mais de duzentas páginas a História do país em articulação com a História que todos fazemos, o modo como as sociedades e o mundo evoluem. Lemos estas páginas e sentimos a nostalgia de tempos que vivemos, de sonhos vividos, mas também desfeitos.
      “Avenida do Príncipe Perfeito” é construído, uma vez mais, com a mestria que Filomena Marona Beja há muito nos habituou enquanto leitores. O dito pelo não dito, o que se subentende, os modos de dizer que ouvidos hoje já parecem vindos do outro século (e sim, vieram!), o pendor da nostalgia sempre presente, os valores que nunca são esquecidos nas suas obras.
      Mas também há amores e desamores neste romance, como na vida, no fundo. A alegria da juventude, a passagem à vida adulta com todas as circunstâncias da vida, nem sempre fáceis, tantas vezes dolorosas, projectos de vida de sucesso, mas que por via da conjuntura do país pode levar qualquer um à miséria, à ajuda do Estado como forma de sobrevivência num país onde não há trabalho para todos, nem para todos os sonhos. E a pobreza que pode até culminar em tragédia…

Excertos:
“- Nenhum de nós ignora que as coisas não mudam depressa. Mas vão mudar, neste país. Vamos entrar na Europa…
Comunidade Económica Europeia. Abreviando: CEE.
Incertezas. Mas vinha lá muito dinheiro.
- E não há nada que não mude pela força do dinheiro!
O que sobrava dos países ricos chegaria aos que sempre tinham andado pelas bordas da bancarrota.
- Nós, a Espanha e a Grécia… por agora

«Consumam!», haveria de ordenar quem mais sobras tinha.
Leite, manteiga, cenouras, batatas.
«Mas… isso também nós cá temos!»
«Deixem de ter!»
«Abatam as vacas!»
«Arranquem vinhas e olivais!...»
«Já agora, abatam os navios e as traineiras…»
«Queimem as redes de pesca!»
E todos teriam de obedecer.” (p. 29)

“E com intervalos muito curtos, chegaram Anthony Blair, José María Aznar e George W. Bush.
Durão Barroso já lá estava. Fora de véspera para os receber.

Garantiram uns aos outros que o Iraque era uma ameaça.
«Tem armas escondidas!»
«Yesss!...»
«…armas químicas!»
E em ogivas de longo alcance.
«Oh!... Are you sure?»
«Yesss… we are!»
Em poucas horas decidiram a guerra.
Meteu-se cada um no seu avião. E de Madrid, Londres, Washington ordenaram: «Façam-na!»
Em Lisboa, Durão Barroso correu para os telejornais e garantiu: «Pelas oportunidades que se nos abrirão, será muito bom para Portugal! Muito bom!» (p. 218)

Texto da autoria de Jorge Navarro

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