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quinta-feira, 5 de maio de 2016

A Escolha do Jorge: A Apologia do Ócio

Vivemos numa época em que as pessoas são cada vez mais absorvidas com o trabalho em detrimento da vida familiar e do tempo de lazer. Nos últimos anos a vida profissional impôs-se de tal forma na vida das pessoas ao ponto de o trabalho exercer o ponto fulcral das vidas. Desde chefes/dirigentes obtusos sem visão social a empregados/funcionários que gradualmente se tornam dependentes do trabalho, temos todo um universo laboral perfeito para o desenvolvimento de doenças do foro psicológico (e psiquiátrico em muitos casos) pelo facto de as pessoas serem esmagadas com trabalho assim como a pressão exercida superiormente e tudo em nome do trabalho que tem de ser levado por diante e sem que muitas vezes se verifique uma lógica e um sentido. A falta de visão, de conhecimentos e competências, assim como a ganância em ascender hierarquicamente ou simplesmente o medo de não cumprir e de perder o emprego conduz, aos poucos, ao desenvolvimento de uma sociedade neurótica que se tornou incapaz de olhar para lá da vida profissional anulando a sua relação com os outros deixando de conseguir conviver ou até mesmo não saber de todo o que isso significa.
Temas como estes foram já alvo de um ensaio no século XIX por Robert Louis Stevenson (1850-1894) subordinado ao tema "Apologia do ócio", obra recentemente publicada pela Antígona. Basta ler as primeiras páginas deste ensaio para concluirmos que o autor era um indivíduo à frente do seu tempo. As viagens que realizou ao longo da sua curta vida permitiram-lhe uma visão e compreensão do mundo ajuizando sobre a forma de vida da sociedade urbana no final do século XIX.
A leveza da linguagem e os sucessivos apelos ao ócio ao longo do texto remetem para uma ideia que tantas vezes, mesmo atualmente, esquecemos. E face a isto, nada melhor do que parafrasear o próprio Robert Louis Stevenson: "Não há dever tão subestimado como o dever de ser feliz." (p. 26)
A vida moderna tão assoberbada em trabalho leva a que muitas vezes nos esqueçamos de nós próprios como se não houvesse qualquer outra realidade ou dimensão que não a laboral. Robert Louis Stevenson reconhece a importância e a necessidade do trabalho, porém as pessoas devem saber dosear o trabalho com as demais dimensões e aspetos da vida quotidiana para viverem uma vida em pleno e com prazer graças aos momentos de ócio que podem usufruir.
Quem não sente alegria quando se reúne com amigos ou familiares num jantar ou quando partilham momentos de descontração ao ar livre, no campo ou na praia? Quem não se deixa contagiar com pessoas que sorriem e que refletem alegria e felicidade? É disso mesmo que Robert Louis Stevenson refere inúmeras vezes ao longo do ensaio "Apologia do ócio", a necessidade que cada ser humano tem em partilhar o seu tempo de lazer junto das outras pessoas, em atividades várias, para se sentir feliz contribuindo também para a alegria e felicidade das pessoas à sua volta.
"(…) Mas não sentimos também alguma gratidão para com outra espécie de benfeitores, aqueles que nos fazem sorrir quando nos cruzamos com eles, ou que temperam as nossas refeições com boa companhia?" (p. 24)
Robert Louis Stevenson alerta para os perigos da convivência com aqueles que não sabem divertir-se porque a sua única preocupação é o trabalho. O único tema que estas pessoas conseguem trazer em conversa é o trabalho ou o que lhe diga respeito, contaminando, deste modo, as relações de amizade e até uma simples refeição. Destes indivíduos, sejam dirigentes obtusos e cegos ou colegas viciados em trabalho, o ideal é mesmo a distância. Afastemo-nos de pessoas tóxicas!
"Observem por momentos um desses cavalheiros atarefados, rogo-vos. Ele semeia urgência e colhe indigestões; deposita uma vasta quantidade de trabalho a render juros, e recebe em troca uma medida considerável de desarranjos nervosos. Ou se ausenta de toda e qualquer companhia, vivendo como um recluso num torreão, com os seus chinelos e o seu pesado tinteiro; ou se mistura com as pessoas com modos bruscos e amargos, todo o seu sistema nervoso tolhido por contracções, para descarregar a sua dose de mau humor antes de regressar ao trabalho. Pouco importa que trabalhe tanto ou tão bem, um indivíduo assim é uma mancha perversa nas vidas dos outros. Que seriam mais felizes com a sua morte." (pp. 27-28).
E tanto trabalho, tantas horas dedicadas ao serviço, tanta obediência e subserviência e obstinação para, de um momento para o outro, quando menos se espera, nos darmos conta que, afinal, ninguém é insubstituível! "Podemos não gostar de o admitir, mas não existe uma única pessoa cujos serviços sejam indispensáveis. O próprio Atlas não passava de um cavalheiro no meio de um pesadelo prolongado." (p. 30)

Texto da autoria de Jorge Navarro

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