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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Soltas...

"Estava muda por dentro e por fora, e os sentidos tinham fugido para as zonas inóspitas do seu ser, procurando refúgio num corpo que sobrevivia agora entregue às fauces da tempestade, ao furacão que a arrasava arrancando-lhe pele raiz todos os fiapos de alegria que tinha reunido na sua ainda curta vida, nos seus momentos de exaltação sensorial com aquele jovem que fora o seu eu durante anos e que agora já lá não estava, já não existia mais para a amar e a tornar tão sua à sombra quente de uma gruta."

"Coisa dos ignotos caminhos da precisão da intuição, porque a ambos, tanto a Aquilino como a Efigenia, se lhes meteu no peito a um mesmo tempo uma mesma angústia, uma igual opressão que até no recém-nascido influiu, levando a agitar-se e a cabecear na barriga da mãe apressando-se finalmente a nascer, querendo também, fazer-se ao mar da vida."

"Mas não podia ser assim tão doce, tão denso o torpor que ia sentindo tão profundamente, esse desmaiamento, tão a arrebatar-lhe todas as forças, tão usurpador que vai e volta esquecendo-se de tudo e de si para entrar noutro espaço, noutra dimensão aberta no tempo para somente ela e ele, ela nele, ela sendo ele e nele uma sombra de brilhos, um feixe de fogo, um instante total de celebração, um borbulhar alegre de sangue que sangra feliz desmedindo gengivas, veias, abrindo a alma ao tropel da fome. O beijo."

"E então um dia foi reconfortante obter uma conclusão, o consolo de ter a certeza de que a felicidade não existia senão muito pontualmente, e que arriscar a vida toda na sua busca era abraçar uma utopia, sentir plena a incómoda certeza de ser humano."

"Era uma mágoa tão profunda, uma dor que emergia de tão fundo, que nem as lágrimas conseguiam ascender, porque naqueles abismos inóspitos reinava apenas uma barra de gelo à deriva, o ranger odioso da solidão campeando à sua vontade. Nesse estado até o simples acto de respira se complicava, porque inspirar fundo era impossível, como se o ar não conseguisse aproximar-se dessas funduras para abrir de par em par as comportas do alívio."

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